Najla Passos – Carta Maior
Brasília - O presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou o governo brasileiro,
durante a sessão plenária desta quarta (28), por manter preso em regime fechado
por tempo superior ao necessário o paraguaio Idelino Ramon Silveiro, condenado
a 28 anos de prisão no Brasil por uma série de crimes, como roubo, furto e
formação da quadrilha, mas com extradição para seu país de origem já autorizada
pela corte máxima.
As críticas foram motivadas
porque Idelino cumpre regime fechado há quase nove anos: pelas leis
brasileiras, já deveria ter tido direito à progressão para o semiaberto.
Entretanto, como sua extradição foi autorizada, foi decretada também sua prisão
preventiva, o que o obriga a permanecer no regime fechado. E, pelo entendimento
da corte, só a presidenta da república pode mudar o quadro, por meio da
extradição imediata ou da expulsão.
Barbosa não foi o único a fazer a
crítica. Tampouco o mais duro. Todos os ministros ressaltaram que a inoperância
do Ministério da Justiça causa o estrangulamento do já tão precário sistema
carcerário brasileiro, impedindo a progressão de pena dos que têm direito a ela
ou mesmo mantendo na cadeia aqueles que já cumpriram sua dívida com a justiça.
“Como não há gestão deste tema, as pessoas ficam por aí cumprindo pena”,
destacou o ministro Gilmar Mendes, que não perde a oportunidade de atacar o
governo Dilma.
O que causa estranhamento é
Barbosa endossar a crítica. Justamente ele que, no último dia 9, decretou, por
decisão individual, o fim do sistema semiaberto no país, ao determinar que o
ex-ministro José Dirceu, condenado ao regime pela ação penal 470, só poderia
trabalhar após cumprir um sexto da pena, conforme o que afirma de forma
genérica a Lei de Execução Penal.
A medida atingiu também, em cadeia,
os outros condenados da ação penal 470 que já estavam trabalhando fora do
presídio: o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, os ex-deputados Valdemar Costa
Neto (PR-SP), Pedro Corrêa (PP-PE) e
Bispo Rodrigues (PL-RJ), e o ex-tesoureiro do antigo PL, Jacinto Lamas. E
ameaça outros 77 mil presos do mesmo regime que desempenham funções fora da
penitenciária, conforme cálculos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Fora do eixo
A decisão de Barbosa acerca do
ex-ministro não tem paralelo. Desde
1999, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que o
preso condenado ao regime semiaberto pode começar a trabalhar imediatamente: o
cumprimento de pelo menos um sexto da pena, utilizada como argumento por
Barbosa, só vale para os presos em regime fechado, ou seja, condenados a mais
de 8 anos.
Na avaliação do presidente da
OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, trata-se de vingança pessoal. "Temos
hoje no Brasil 77 mil presos no regime semiaberto. A todos eles, sem
discriminação, deve se dado o direito ao trabalho, porque esse é o regime da
lei. Não pode haver vitória do discurso da intolerância: se o condenado é
inimigo eu devo cumprir a lei, se é amigo não devo cumprir. A interpretação
vingativa de um caso concreto não pode prejudicar 77 mil presos nesse regime
assegurado por lei” ".
Não foi o único. Na semana
passada, a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), ligada à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulgou nota criticando a decisão do
presidente do STF: "A CBJP tem a firme convicção de que as instituições
não podem ser dependentes de virtudes ou temperamentos individuais. Não é
lícito que atos políticos, administrativos e jurídicos levem a insuflar na
sociedade o espírito de vingança e de 'justiçamento'. Os fatos aqui examinados
revelam a urgência de um diálogo transparente sobre a necessária reforma do
Judiciário e o saneamento de todo o sistema prisional brasileiro”.
Todos contra Barbosa
A reação da comunidade jurídica é
forte. “Um ministro do STF tem todas as garantias possíveis para imprimir à
atuação do tribunal uma postura condizente com a defesa mínima dos direitos dos
condenados. José Dirceu está preso, está sob a tutela do Estado. O Judiciário
não pode fazer de conta que ele não tem direitos. Há um jogo de faz de conta em
curso. Pretende-se fazer de José Dirceu um troféu. Qualquer coisa pode ser
feita para garantir que tal objetivo seja alcançado”, disse ao jornalista Paulo
Moreira Leite o professor de direito e membro do CNMP, Luiz Moreira.
O professor da PUC-RS e
conselheiro da OAB, Alexandre Wunderlich disse à Folha de São Paulo que a lei
prevê que, antes do cumprimento de um sexto da pena, o trabalho deve ocorrer em
colônias agrícolas ou industriais, mas que o “trabalho externo é admissível”.
"Como os presídios não têm essas colônias, os juízes permitem o trabalho
externo. Se estivesse no Rio Grande do Sul, Dirceu estaria no regime aberto ou
com tornozeleira eletrônica porque não há vagas no regime semiaberto",
comparou.
O PT recorreu ao plenário do STF
e também divulgou nota: "Ao obstruir novamente, de forma irregular e
monocrática, o direito de José Dirceu cumprir a pena em regime semiaberto,o
ministro Joaquim Barbosa comete uma arbitrariedade, tal como já o fizera ao
negar a Jose Genoino, portador de doença grave, o direito à prisão domiciliar.
Mais ainda: apoiando-se em interpretação obtusa, ameaça fazer regressar ao
regime fechado aqueles que já cumprem pena em regime semiaberto, com trabalho
certo e atendendo a todas as exigências legais. O PT protesta publicamente
contra este retrocesso e espera que o plenário do STF ponha fim a este
comportamento persecutório e faça valer a Justiça".
O ministro do STF, Marco Aurélio
de Mello, é outro que já afirmou publicamente discordar da decisão do colega.
Segundo ele, exigir o cumprimento de um sexto da pena é uma incoerência.
“Quando tiver um sexto, já vai para o aberto. É um equivoco, porque o sistema
não fecha”, afirmou. E se disse preocupado que os juízes das instâncias
inferiores decidam segui-lo. “O STJ tem jurisprudência há 10 anos. Será que a
juizada vai se curvar à decisão? O prestígio do senhor presidente está tão
grande assim?”, ironizou.
O procurador-geral da República,
Roberto Janot, é outra voz contrária. "O problema que se coloca em
interpretação de direito é a segurança jurídica. Tínhamos uma interpretação, já
de algum tempo, de que não seria necessário o cumprimento de um sexto da pena
para que o preso pudesse alcançar o privilégio do trabalho externo. Uma
modificação nessa interpretação jurídica pode causar insegurança jurídica. E,
em causando insegurança jurídica, pode refletir em demais presos sim",
argumentou à Agência Brasil.
Créditos da foto: Arquivo
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