A DENÚNCIA DAS DESIGUALDADES: NECESSÁRIA, MAS INSUFICIENTE - Thomas Piketty e a aposta em um capitalismo humanizado
Protesto em Nova Iorque, Occupy Wall Street
A julgar pelo imenso sucesso nos Estados Unidos, o último
livro de Thomas Piketty caiu como uma luva. Tomando de empréstimo o título de
Marx, ele detalha o avanço das desigualdades no Ocidente. Contudo, enquanto
Marx esperava uma revolução para transformar o mundo, Piketty sugere imposto
global para reformar o capital
por Russell Jacoby - http://www.diplomatique.org.br/
A obra Le capital au XXIe siècle [O capital no século XXI],
de Thomas Piketty, é um fenômeno tanto sociológico como intelectual. Ela
cristaliza o espírito de nossa época, assim como, em seu tempo, The closing of
the American mind [O fechamento da mente norte-americana], de Allan Bloom.1
Este livro, que denunciava os estudos sobre as mulheres, os gêneros e as
minorias nas universidades norte-americanas, opunha a “mediocridade” do
relativismo cultural à “busca pela excelência”, associada, na mente de Bloom,
aos clássicos gregos e romanos. Ainda que tenha tido poucos leitores (era particularmente
pomposo), ele alimentou o sentimento de uma destruição do sistema educacional
norte-americano, até da própria América, na falta dos progressistas e da
esquerda. Esse sentimento não perdeu nada de sua força, e O capital no século
XXI inscreve-se no mesmo campo de forças, exceto pelos fatos de que Piketty vem
da esquerda e que o enfrentamento deslocou-se da educação para o campo
econômico. Dentro do sistema educacional, porém, o debate centra-se agora, em
grande parte, sobre questões econômicas e barreiras capazes de explicar a
desigualdade.
A obra traduz um mal-estar palpável: a sociedade
norte-americana, assim como as outras pelo mundo inteiro, é cada vez mais
iníqua. As desigualdades agravam-se e pressagiam um futuro sombrio. O capital
no século XXIdeveria chamar A desigualdade no século XXI.
É inútil criticar Piketty por não cumprir objetivos que não
eram os seus, mas também não podemos nos contentar em lhe render louros. Muitos
comentaristas têm se concentrado em sua relação com Karl Marx, ao que ele lhe
deve ao pensador alemão, a suas infidelidades; quando seria preciso, antes de
mais nada, questionar de que modo o livro lança luz sobre nossa miséria atual.
Ao mesmo tempo, no que diz respeito à preocupação com a igualdade, não é inútil
voltar a Marx. Aproximando-se os dois autores, há de fato uma divergência:
ambos contestam as disparidades econômicas, mas em direções opostas. Piketty
inscreveu suas observações no campo dos salários, da renda e da riqueza: ele
deseja erradicar as desigualdades extremas oferecendo – para pastichar o lema
da funesta Primavera de Praga – um “capitalismo de rosto humano”. Já Marx se
coloca no campo da mercadoria, do trabalho e da alienação: ele pretende abolir
essas relações e transformar a sociedade.
Piketty tece uma acusação implacável contra a desigualdade:
“Já é tempo”, escreve em sua introdução, “de recolocar a questão da
desigualdade no centro da análise econômica” (p.38). Ele adota como epígrafe a
segunda frase da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “As
distinções sociais só podem fundar-se no bem comum”. (Poderíamos nos perguntar
por que um livro tão prolixo deixa de lado a primeira frase: “Os homens nascem
e permanecem livres e iguais em direitos”.) Apoiando-se numa profusão de
números e tabelas, ele demonstra que as desigualdades econômicas aumentam e que
os mais afortunados concentram uma parte cada vez maior da riqueza. Houve quem
tentasse contestar suas estatísticas, mas ele reduziu a pó as acusações.2
O autor bate forte e justo quando trata da exacerbação das
desigualdades que desfiguram a sociedade, em particular a norte-americana. Ele
observa, por exemplo, que a educação deveria ser igualmente acessível a todos e
promover a mobilidade social. No entanto, “o rendimento médio dos pais de
alunos de Harvard é de cerca de US$ 450 mil” ao ano, o que os coloca entre os
2% das famílias norte-americanas mais ricas. E conclui seu argumento com este
eufemismo característico: “O contraste entre o discurso meritocrático oficial e
a realidade parece aqui particularmente extremo” (p.778).
Para alguns, à esquerda, não há nada de novo. Para outros,
cansados de ouvir o tempo todo que é impossível aumentar o salário mínimo, que
não se devem taxar os “criadores de empregos” e que a sociedade norte-americana
continua sendo a mais aberta do mundo, Piketty representa um aliado
providencial. Segundo um relatório (não citado no livro), os 25 gestores de
fundos de investimentos mais bem pagos ganharam, em 2013, US$ 21 bilhões, mais
que o dobro da soma dos rendimentos de cerca de 150 mil professores primários
nos Estados Unidos. Se a compensação financeira corresponde ao valor social,
então um gestor de hedge funddeve valer bem uns 17 mil professores... Nem todos
os pais (e professores) devem concordar com isso.
Contudo, a fixação exclusiva de Piketty na desigualdade
apresenta limites teóricos e políticos. Da Revolução Francesa ao movimento
pelos direitos civis nos Estados Unidos, passando pelo cartismo,3 pela abolição
da escravatura e pelo sufrágio universal, a aspiração à igualdade já suscitou
inúmeros movimentos políticos. Em uma enciclopédia das contestações, o artigo
dedicado a ela certamente ocuparia centenas de páginas, remetendo a todas as
outras entradas. Ela teve, e continua tendo, um papel positivo essencial. Em
tempos recentes, o movimento Occupy Wall Street e a mobilização pelo casamento
gay são prova disso. Longe de desaparecer, a reivindicação ganhou novo fôlego.
O igualitarismo, porém, também implica uma parte de
resignação: ele aceita a sociedade tal como é, visando apenas a reequilibrar a
distribuição de bens e privilégios. Os gays querem o direito de se casar assim
como os heterossexuais. Muito bem, mas isso não afeta em nada a instituição
imperfeita do matrimônio, que a sociedade não pode abandonar nem melhorar. Em
1931, o historiador britânico de esquerda Richard Henry Tawney já destacava
esses limites, em um livro que, aliás, também defendia o igualitarismo.4 O
movimento operário, escreveu, acredita na possibilidade de uma sociedade que dá
mais valor às pessoas e menos ao dinheiro, mas essa abordagem tem seus limites:
“Ao mesmo tempo, ela não aspira a uma ordem social diferente, na qual o
dinheiro e o poder econômico não sejam mais o critério do sucesso, mas a uma
ordem social do mesmo tipo, na qual o dinheiro e o poder econômico sejam
distribuídos de modo um pouco diferente”. Aí está o centro do problema. Dar a
todos o direito de poluir é um avanço para a igualdade, mas não para o planeta.
Evitar que se pague
muito aos universitários
Marx não dá nenhum espaço à igualdade. Não apenas ele jamais
considerou que os salários dos trabalhadores pudessem aumentar de maneira
significativa, mas também, ainda que isso acontecesse, em sua opinião, a
questão não era essa. O capital impõe os parâmetros, o ritmo e a própria
definição do trabalho, do que é rentável e do que não é. Mesmo em um sistema
capitalista revestido por formas “confortáveis e liberais”, no qual o
trabalhador possa viver melhor e consumir mais porque recebe um salário maior,
a situação não é fundamentalmente diferente. O fato de o trabalhador ser mais
bem remunerado não muda em nada sua dependência; “melhorar o vestuário, a
alimentação, o tratamento e aumentar seu peculiumnão abole a relação de
dependência e a exploração do escravo”. Um aumento de salário significa, no
máximo, que “o tamanho e o peso dos grilhões de ouro que o empregado forjou
para si permitem que eles o apertem um pouco menos”.5
Sempre se pode objetar que essas críticas datam do século
XIX, mas Marx teve pelo menos o mérito de se concentrar na estrutura do
trabalho, enquanto Piketty não disse uma palavra a esse respeito. Não se trata
de saber qual deles está certo sobre o funcionamento do capitalismo, mas de
apreender o vetor de suas respectivas análises: a distribuição para Piketty, a
produção para Marx. O primeiro quer redistribuir os frutos do capitalismo, a
fim de reduzir o fosso entre os rendimentos mais altos e os mais baixos,
enquanto o segundo quer transformar o capitalismo e colocar um fim em seu
domínio.
Desde a juventude, Marx documentou a miséria dos
trabalhadores; ele dedicou centenas de páginas de O capital à jornada de
trabalho padrão e às críticas que ela despertou. Também sobre isso Piketty não
tem nada a dizer, embora evoque uma greve no início de seu primeiro capítulo.
No índice da edição inglesa, na entrada “Trabalho”, lemos: “Ver ‘divisão
capital-trabalho’”. Isso é compreensível, já que o autor não está interessado
no trabalho propriamente dito, mas nas desigualdades resultantes dessa divisão.
Em Piketty, o trabalho resume-se principalmente ao montante
de rendimento. Os surtos de cólera que afloram de vez em quando sob sua pena
concernem aos ricos. Ele observa, por exemplo, que a fortuna de Liliane
Bettencourt, herdeira da L’Oréal, passou de US$ 4 bilhões para US$ 30 bilhões
entre 1990 e 2010: “Liliane Bettencourt nunca trabalhou, mas isso não impediu
que sua fortuna aumentasse exatamente com a mesma rapidez da de Bill Gates”.
Esse enfoque sobre os mais ricos corresponde bem à sensibilidade do nosso tempo,
enquanto Marx, com suas descrições do trabalho de padeiros, lavadeiras e
tintureiros pagos por dia, pertence ao passado. A manufatura e a montagem
desapareceram dos países capitalistas avançados e prosperam nos países em
desenvolvimento, de Bangladesh à República Dominicana. Entretanto, não é porque
um argumento é antigo que ele é obsoleto, e Marx, concentrando-se no trabalho,
destacava uma dimensão quase ausente de O capital no século XXI.
Piketty documenta a “explosão” da desigualdade,
especialmente nos Estados Unidos, e denuncia os economistas ortodoxos, que
justificam as enormes diferenças de remuneração pelas forças racionais do
mercado. Ele zomba de seus colegas norte-americanos, que “tendem frequentemente
a considerar que a economia dos Estados Unidos funciona muito bem e,
particularmente, que ela recompensa o talento e o mérito com justiça e
precisão” (p.468). Isso, porém, não é de espantar, acrescenta, uma vez que tais
economistas estão entre os 10% mais ricos. Como o mundo das finanças, ao qual lhes
ocorre oferecer seus serviços, puxa seus salários para cima, eles manifestam
uma “vergonhosa tendência a defender seus interesses particulares,
dissimulando-os atrás de uma improvável defesa do interesse geral” (p.834).
Para dar um exemplo que não está no trabalho de Piketty, um
artigo recente publicado na revista da Associação Americana de Economia6
pretende demonstrar, apoiado em números, que as grandes desigualdades decorrem
de realidades econômicas. “Os maiores rendimentos têm talentos raros e únicos
que lhes permitem negociar a preço alto o valor crescente de seu talento”,
conclui um dos autores, Steven N. Kaplan, professor de Empreendedorismo e
Finanças da Escola de Negócios da Universidade de Chicago. Visivelmente, Kaplan
tenta puxar a sardinha para seu lado: uma nota de rodapé nos informa que ele
“participa do conselho de administração de diversos fundos comuns de
investimento” e que foi “consultor de empresas de private equity e capital de
risco”. Eis o ensino humanista do século XXI! Piketty explica no início de seu
livro que perdeu as ilusões sobre os economistas norte-americanos do
Massachusetts Institute of Technology (MIT) e que os economistas das
universidades francesas têm a “grande vantagem” de não serem nem altamente
considerados nem muito bem pagos: o que lhes permite manter os pés no chão.
A contraexplicação que ele oferece, no entanto, é no mínimo
banal: as enormes diferenças salariais decorrem de tecnologia, educação e
costumes. As remunerações “extravagantes” dos “superexecutivos”, “poderoso
mecanismo” de aumento da desigualdade econômica, particularmente nos Estados
Unidos, não podem ser explicadas pela “lógica racional da produtividade”
(p.530-531). Elas refletem as normas sociais atuais, que por sua vez revelam
políticas conservadoras que reduziram a tributação sobre os mais ricos. Os
chefes de grandes empresas concedem-se salários enormes porque têm a
oportunidade e porque a sociedade julga essa prática aceitável, pelo menos nos
Estados Unidos e no Reino Unido.
Marx oferece uma análise muito diferente. Ele se preocupa
menos em provar as desigualdades econômicas abissais do que em descobrir as
raízes da acumulação capitalista. Piketty explica que essas desigualdades
devem-se à “contradição central do capitalismo”: a disjunção entre a taxa de
rendimento do capital e a taxa de crescimento econômico. Como a primeira tem
necessariamente precedência sobre a segunda, favorecendo a riqueza existente em
detrimento do trabalho existente, isso conduz a “terríveis” desigualdades na
distribuição da riqueza. Marx talvez concordasse sobre esse ponto, mas,
novamente, ele está interessado no trabalho, que considera o local de origem e
desenvolvimento da desigualdade. Segundo ele, a acumulação de capital produz,
necessariamente, o desemprego, parcial, ocasional ou permanente. Todavia, essas
questões, cuja importância dificilmente se poderia negar no mundo de hoje,
estão ausentes do trabalho de Piketty.
Marx parte de uma proposta totalmente diferente: é o
trabalho que cria riqueza. A ideia pode parecer fora de moda, no entanto, ela
assinala uma tensão não resolvida do capitalismo: este precisa da força de
trabalho e, ao mesmo tempo, tenta livrar-se dela. Quanto mais os trabalhadores
são necessários à sua expansão, mais ele se livra deles a fim de reduzir os
custos, por exemplo, automatizando a produção. Marx estudou longamente o modo
como o capitalismo gera uma “população trabalhadora excedente relativa”.7 Esse
processo assume duas formas fundamentais: ou se demitem trabalhadores, ou se
deixa de incorporar novos. Em consequência, o capitalismo fabrica trabalhadores
“descartáveis” ou um exército de reserva de desempregados. Quanto mais o
capital e a riqueza aumentam, mais o subemprego e o desemprego avançam.
Centenas de economistas tentaram corrigir ou refutar essas
análises, mas a ideia de um aumento da força de trabalho excedente parece
verdadeira: do Egito a El Salvador e da Europa aos Estados Unidos, a maioria
dos países passa por níveis elevados ou críticos de subemprego ou desemprego.
Em outras palavras, a produtividade capitalista eclipsa o consumo capitalista.
Não importa quão perdulários sejam, os 25 gestores de hedge fundsjamais poderão
consumir seus US$ 21 bilhões de remuneração. O capitalismo sobrecarrega-se com
aquilo que Marx chama de os “monstros” da “superprodução, superpopulação e
superconsumo”. Sozinha, a China certamente é capaz de produzir mercadorias
suficientes para abastecer os mercados da Europa, África e América. Mas o que
será da força de trabalho no resto do mundo? As exportações chinesas de têxteis
e móveis para a África subsaariana resultam numa redução no número de postos de
trabalho para os africanos.8 Do ponto de vista do capitalismo, temos um
exército em expansão, composto por trabalhadores subempregados e desempregados
permanentes, encarnações das desigualdades contemporâneas.
Como Marx e Piketty vão em direções diferentes, é lógico que
proponham soluções diferentes. Piketty, ansioso em reduzir as desigualdades e
melhorar a distribuição, propõe um imposto global e progressivo sobre o
capital, a fim de “evitar uma divergência ilimitada da desigualdade
patrimonial”. Embora, como reconhece, essa ideia seja “utópica”, ele a
considera útil e necessária: “Muitos rejeitarão o imposto sobre o capital como
uma perigosa ilusão, da mesma forma como o imposto sobre a renda foi rejeitado
há pouco mais de um século” (p.840). Já Marx não propõe realmente nenhuma
solução: o penúltimo capítulo de O capital refere-se às “forças” e “paixões”
que nascem para transformar o capitalismo. A classe trabalhadora inauguraria
uma nova era, na qual reinariam “a cooperação e a propriedade comum da terra e
dos meios de produção”.9 Em 2014, essa proposta também é utópica – ou até
redibitória, dependendo de como se interpreta a experiência soviética.
Não é preciso escolher entre Piketty e Marx. Para falar como
o primeiro, trata-se de esclarecer suas diferenças. O utopismo de Piketty – e
esse é um de seus pontos fortes – consiste numa dimensão prática, na medida em
que ele fala a linguagem familiar dos impostos e da regulação. Ele espera uma
cooperação mundial, e até um governo mundial, para pôr em prática um imposto
também mundial que evitaria uma “espiral infinita de desigualdade” (p.835). Ele
propõe uma solução concreta: um capitalismo à sueca, que enfrentou seus
desafios eliminando as disparidades econômicas extremas. Ele não trata da força
de trabalho excedente, do trabalho alienado e da sociedade movida pelo dinheiro
e pelo lucro; ao contrário, aceita-os e quer que façamos o mesmo. Em troca,
dá-nos algo que já conhecemos: o capitalismo, com todas as suas vantagens e
menos inconvenientes.
Os grilhões de ouro e
as flores vivas
No fundo, Piketty é um economista muito mais convencional do
que ele mesmo pensa. Seu elemento natural são as estatísticas sobre níveis de
rendimentos, os projetos de tributação, as comissões encarregadas desses
assuntos. Suas recomendações para reduzir as desigualdades resumem-se a
políticas fiscais impostas de cima para baixo. Ele mostra-se perfeitamente
indiferente aos movimentos sociais, que já foram capazes de questionar a
desigualdade e poderiam voltar a fazê-lo. Ele parece, aliás, mais preocupado
com o fracasso do Estado em reduzir a desigualdade do que com a desigualdade
propriamente dita. E, embora convoque com frequência e com pertinência,
romancistas do século XIX, como Honoré de Balzac e Jane Austen, sua definição
do capital permanece demasiado econômica e redutora. Ele não leva em conta o
capital social, os recursos culturais e o know-how acumulado com os quais podem
contar os mais afortunados e que facilitam o sucesso de sua prole. Um capital
social limitado condena tanto à exclusão como uma conta bancária vazia, mas
sobre esse assunto Piketty também não tem nada a dizer.
Marx nos dá ao mesmo tempo mais e menos do que isso. Seu
questionamento, embora mais profundo e amplo, não oferece nenhuma solução
prática. Poderíamos qualificá-lo de utópico antiutópico. No posfácio à segunda
edição alemã de O capital, ele zomba daqueles que tentam escrever “receitas
para as cozinhas do futuro”.10 E, ainda que uma certa visão a respeito possa
ser apreendida de seus escritos econômicos, ela não tem grandes relações com o
igualitarismo. Marx sempre combateu a igualdade primitivista, que decreta a
pobreza para todos e a “mediocridade geral”.11 Embora reconheça a capacidade do
capitalismo para produzir riqueza, ele rejeita seu caráter antagônico, que
subordina o conjunto do trabalho – e da sociedade – à busca pelo lucro. Mais
igualitarismo só faria democratizar esse mal.
Marx sabia da força dos “grilhões de ouro”, mas considerava
possível quebrá-los. O que aconteceria se chegássemos a isso? Impossível dizer.
A melhor resposta que Marx nos ofereceu talvez esteja em um texto de juventude
no qual ele ataca a religião e, já então, os grilhões cobertos por “flores
imaginárias”: “A crítica destrói as flores imaginárias que adornam os grilhões
não para que o homem carregue seus grilhões sem sonhos e sem consolo, mas para
que se livre dos grilhões e colha as flores vivas”.12
Russell Jacoby
Russell Jacoby é professor de História da Universidade da
Califórnia em Los Angeles. Autor de The last intellectuals [Os últimos
intelectuais] (1987), The end of utopia [O fim da utopia] (1999) e, mais
recentemente, Les ressorts de la violence. Peur de l’autre ou peur du
semblable?[As molas da violência. Medo do outro ou medo do semelhante?],
Belfond, Paris, 2014.
Ilustração: David Shankbone/CC
1 Allan Bloom, The
closing of the American mind, Simon & Schuster, Nova York, 1987. Essa
obsessão conservadora de uma decadência da educação foi sistematizada na França
pelo ensaísta Alain Finkielkraut.
2 Chris Giles, “Data
problems with Capital in the 21st century” [Problemas nos dados de O capital no
século XXI], Financial Times, Londres, 23 maio 2014, e a resposta de Thomas
Piketty, “Technical appendix of the book – Response to FT” [Apêndice técnico do
livro – Resposta ao FT], 28 maio 2014. Disponível em: .
3 Movimento político
operário do meio do século XIX, no Reino Unido.
4 Richard Henry
Tawney, Equality[Igualdade], Allen & Unwin, Londres, 1952.
5 Karl Marx, Le
capital. Livre I [O capital. Livro I], tradução francesa dirigida por
Jean-Pierre Lefebvre, Presses Universitaires de France, Paris, 1993, p.693.
6 Steven N. Kaplan e
Joshua Rauh, “It’s the market: the broad-based rise in the return to top
talent” [É o mercado: o crescimento de base ampla no retorno dos melhores
talentos], Journal of Economic Perspectives, v.27, n.3, Nashville, 2013.
7 Ibidem.
8 Raphael Kaplinsky
“What does the rise of China do for industrialization in Sub-Saharan Africa?”
[O que o crescimento da China faz com a industrialização da África
subsaariana?], Review of African Political Economy, v.35, n.115, Swine (Reino
Unido), 2008.
9 Karl Marx, op.
cit., p.855-857.
10 Ibidem, p.15.
11 Ibidem, p.854.
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