Novas turbulências na economia global sinalizam
transformações profundas no sistema capitalista. Brasil precisará redefinir
estratégias e deixar de debater superficialidades
Por José Luis Fiori | Imagem Sandro Chia, O mito de Sísifo /
http://outraspalavras.net/
Com exceção da China, EUA e Inglaterra, os resultados
econômicos do segundo trimestre de 2014, foram negativos ou desastrosos, em
quase todo o mundo, confirmando, em geral, uma tendência de mais longo prazo.
Foi o que aconteceu nas pequenas economias “mono-exportadoras”, e de sucesso,
da América do Sul, com a queda acentuada da produção e da confiança
empresarial, no Peru, no Chile, e na Colômbia, como no Uruguai. E mais grave do
que isto, foi o que aconteceu também com algumas das dez maiores potencias econômicas
do mundo. No segundo trimestre de 2014, o PIB do Japão caiu 1,7%, o
investimento privado 9,7% e o consumo familiar 19,2%, no mesmo momento em que a
produção industrial teve sua maior queda, desde 2011. A Rússia e o Brasil ainda
não publicaram seus dados oficiais, relativos ao segundo trimestre de 2014, mas
as expectativas são pessimistas, nos dois casos. A projeção do crescimento
russo para 2014, está em 0,2%, e no Brasil as projeções já foram revistas
várias vezes, e agora o governo prevê 1,6%, enquanto os economistas do mercado
financeiro projetam algo em torno de 0,8%. A Índia manteve sua taxa de
crescimento, mas vem enfrentando uma crise energética cada vez mais grave; a
China cresceu 7,5% no segundo trimestre, mas ao mesmo tempo registrou um declínio
preocupante do crédito, do investimento e dos preços do mercado imobiliário; a
Grã Bretanha, cresceu 0,8%, mas a produção industrial cresceu metade do que
havia sido previsto, e os preços tiveram uma queda anualizada de 1,9% no mês de
junho; e, finalmente, os EUA cresceram 2,4 %, mas vem recém saindo de um
trimestre negativo, e, segundo Janet Yellen, presidente do FED, não há no
momento nenhuma certeza sobre o futuro da economia norte-americana.
O pior, entretanto, aconteceu na Europa. No segundo trimestre
de 2014, o PIB da Alemanha e da Itália caiu 0,2% e o da França cresceu 0%, dois
trimestres seguidos, anunciando um quadro de recessão, no coração econômico da
Zona do Euro, que cresceu 0%, neste mesmo período. A produção industrial da
Alemanha, França e Itália caiu 1,4%, a confiança empresarial veio abaixo de
forma acelerada nos três países. O desemprego da Eurozona se mantem na casa dos
11,5%, e a taxa de inflação já está abaixo de 1%, caracterizando uma conjuntura
de depressão ou “estagdeflação”, e a perspectiva cada vez mais provável de uma
“década pedida” para a União Europeia, que segue sendo menor do que foi antes
do colapso do Lehmon Brothers. Este panorama econômico da UE, somado à
desaceleração russa e ao aumento da tensão entre estes dois grandes colossos
geoeconômicos e geopolíticos, fortalece a tendência da Europa, e de quase todo
o mundo, de uma economia capitalista com alta competição, baixo crescimento, e
ameaça deflacionária.
Estes números e comparações, entretanto, não devem induzir ao
fatalismo e à redução das expectativas, nem à defesa de que o capitalismo tem
tendências e etapas necessárias e inevitáveis, como se houvesse alguma lei de
ferro que aprisionasse a história. Pelo contrário, o sistema interestatal
capitalista não tem nenhum caminho predeterminado, nem destino obrigatório, e
neste início do século XXI, em particular, está atravessando uma transformação
tectônica – geopolítica e geoeconômica — que o torna ainda mais indeterminado e
imprevisível. Mas atenção, porque estas transformações não são um produto do
acaso, nem caíram do céu, foram provocadas ou induzidas por decisões políticas
ou geopolíticas — certas ou erradas, dá no mesmo – tomadas pelas grandes
potências, em função de sua disputa de poder, neste momento, na Ucrânia, no
Oriente Médio, na Ásia Central, no Sul do Pacífico, e ao redor de todo o resto
do mundo. Decisões geopolíticas e geoeconômicas que também foram responsáveis,
em última instância, pela própria inclusão da Ásia dentro do sistema
interestatal capitalista, que foi inventado pelos europeus, mas que está
fugindo, cada vez mais rapidamente, do seu controle. Ou seja, neste sistema
político e econômico internacional, nada acontece por acaso, nem está
predeterminado, e a própria economia capitalista não está fora do seu grande
jogo de poder. Pelo contrário, as economias nacionais e o capitalismo sempre
serviram a estas grandes decisões estratégicas e cumpriram um papel decisivo
para o seu maior ou menor sucesso. E inversamente, a execução destas decisões
políticas e geopolíticas sempre teve papel decisivo na aceleração ou
desaceleração do “desenvolvimento econômico” das nações, dependendo de cada
caso e de suas circunstancia históricas particulares.
Agora bem, frente à atual conjuntura internacional, os
países que estão resistindo e vencendo a força gravitacional da ladeira
econômica, têm demonstrado uma grande capacidade de inovação e uma enorme
agilidade estratégica, com baixo grau de voluntarismo e fragmentação interna.
Por isto a redução do debate politico nacional, no caso do Brasil, a uma
discussão em torno da autonomia do Banco Central e da taxa de inflação, ou
sobre a dosagem adequada do cambio e da política industrial, envolve uma crença
comum dos neoliberais e dos neodesenvolvimentistas, de que as mudanças de
política econômica podem, por si por si mesmas, reverter a tendência declinante
e reanimar a economia brasileira. Quando, pelo contrário, a subida da ladeira
exige muito mais do que isto: exige poder, capacidade de inovação, e grande
mobilidade e iniciativa politica, a serviço de uma estratégia de movimento e de
enfrentamento global das transformações que estão em curso no mundo, e cujo
futuro está inteiramente aberto e indeterminado.
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