domingo, 31 de agosto de 2014

O programa que agrada os banqueiros

Maria Alice Setúbal prometeu que, se Marina for escolhida em outubro, acabará com as políticas 'estatistas e intervencionistas' do governo Dilma.

Darío Pignotti (@DarioPignotti), Página/12 - http://www.cartamaior.com.br/

Uma thatcherista ecologicamente correta na corte da candidata Marina Silva. Desde que a dirigente ambientalista anunciou que disputará as eleições presidenciais, a única pessoa de seu entorno que deu detalhes sobre o seu programa de governo foi Maria Alice Setúbal, membro da dinastia que fundou e conduz o banco privado mais importante do país.

Maria Alice Setúbal prometeu que, se Marina for escolhida nas eleições de 5 de outubro, a partir de 1º de janeiro de 2015, a futura administração acabará com as heterodoxias da presidenta Dilma Rousseff, detestada na comunidade financeira, onde é caracterizada como “estatista e intervencionista”.

Marina Silva (Partido Socialista Brasileiro) está situada nas antípodas de Dilma (Partido dos Trabalhadores), explicou Setúbal, já que o programa econômico da ecologista “coloca seu foco em pontos claros, destacando claramente a reforma tributária e a responsabilidade fiscal”, a ser alcançada com o corte de gastos e o encolhimento do Estado. Marina, em segundo lugar em uma pesquisa em que aparece com 21% das intenções de voto, 15 abaixo de Dilma, foi apresentada na semana passada, pouco tempo depois da morte do ex-candidato socialista à presidência Eduardo Campos, ocorrida em um acidente aéreo no interior de São Paulo.

“Ela (Marina) já declarou que vai honrar todos os compromissos assumidos por Eduardo (Campos)..., por exemplo a autonomia do Banco Central. Em princípio, ela considerava que não era necessária uma autonomia formal, feita por lei, mas ao final, aceitou”, contou a apoiadora Setúbal.

A ex-ministra de Meio Ambiente que chamava seus seguidores de “sonháticos” parece ter entendido as coordenadas do poder. “Ela está mais pragmática”, a adoção de posições moderadas foi aprovada pelos empresários que, nos últimos dias “nos ligaram bastante... eu recebi ligações” oferecendo doações de campanha. E avisou que, nos próximos dias, operadores do mercado financeiro se somarão à equipe de economistas liderada pelo liberal Eduardo Gianetti da Fonseca.

Nos jornais do fim de semana, as declarações de Maria Alice Setúbal, integrante da família que controla o Banco Itaú, mereceram uma cobertura extensa, junto de artigos sobre o crescimento de Marina em novas pesquisas. Essa repercussão jornalística se deve ao fato de a filha de Olavo Setúbal, conhecido colaborador da ditadura e fundador do Itaú, falar em dupla condição – de coordenadora do programa de governo de sua “amiga” Marina Silva e de porta-voz dos banqueiros. Seus argumentos são os invocados pela corporação financeira –alguns compartilhados pelos empregadores industriais–, como o caso da redução da carga tributária para substituí-la por outra mais regressiva do que a atual, e o fim das políticas sociais que eles chamam de “populistas”, marcas dos governos do PT.

Há uma semana, Dilma e seu companheiro Luiz Inácio Lula da Silva apresentaram um portal para informar sobre as políticas públicas com prioridade no combate à pobreza (programas Bolsa Família e Brasil Sem Miséria), a criação de 20 milhões de empregos e a construção de milhões de casas populares (Minha Casa, Minha Vida), implementados desde 2003 pelas administrações petistas.

Em consonância com Dilma e Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertia que mais altas dos juros da dívida pública (são de 11% ao ano) conspiram contra as políticas sociais e o ritmo da atividade econômica. “Inflação não se combate com balas de canhão, porque chuta o juros para cima, a economia vai definhar, você vai ter recessão. Aí sim vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério”, argumento o desenvolvimentista Mantega, cuja cabeça os colunistas liberais (que são 9 em cada 10) e os bancos detentores de títulos da dívida pedem em uníssono na revista britânica The Economist.

A porta-voz de Silva e herdeira do Banco Itaú rebateu a tese do ministro nomeado por Lula em 2006, ratificado por Dilma ao assumir em 2011. Setúbal argumentou que o combate à inflação do governo petista é tímido, insuficiente, pois tolera uma alta de preços de até 6,5% ao ano que, prometeu, será estabelecido como um teto durante um eventual mandato “marineiro”, apelido com o qual os seguidores de Silva se identificam.

Repetindo o que acontece em outros países latino-americanos, os bancos brasileiros exigem uma guerra sem quartel contra a inflação para justificar o encarecimento das taxas pagas pelo governos: em 2013, os detentores de títulos públicos cobraram mais de 100 bilhões de dólares, valor que seguramente será superado em 2014. O Banco Itaú é um dos grupos beneficiados dessa sangria de recursos, já que no ano passado obteve grandes lucros (pela cobrança de juros e outras atividades) superiores aos 7 bilhões de dólares e no primeiro semestre de 2014 já arrecadou 4,2 bilhões de dólares.

Maria Alice Setúbal, quem Marina chama pelo sobrenome Neca, concedeu uma entrevista de 72 minutos sem titubear, com a certeza de alguém que, além de pertencer a uma das famílias que ditam o poder sem importar o signo ideológico dos presidentes eleitos, agora pressente que ocupará um cargo no Palácio do Planalto. “Sim, serei”, respondeu quando lhe perguntaram se seria ministra ou conselheira de uma eventual presidência de Silva.

Comentou que fala ou se encontra diariamente com a candidata evangélica e destacou suas posições economicamente ortodoxas manifestando sua fé em uma “nova política” e em um governo atento aos problemas ecológicos, conceitos sobre os quais não aprofundou, como também não se prolongou quando disse que Marina tem uma ideia mais feminina do poder.

Tradução: Daniella Cambaúva


Créditos da foto: Arquivo

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