Com a crise internacional, os
governos da região tinham a possibilidade de adotar as receitas recomendadas
pelo neoliberalismo ou seguir um caminho que não transferisse os custos aos
segmentos mais vulneráveis. Corretamente, escolheram seguir medidas contracíclicas
de corte keynesiano e manter as economias crescendo
Antônio
Prado - http://brasildebate.com.br/
A América Latina, nessas
primeiras décadas do século 21, parece estar apontando para um caminho que
reconhece que sua história de exclusão sistemática corrói o tecido social e mantém
a democracia em permanente incompletude.
As pesquisas qualitativas revelam
que a população sente que a injustiça social continua correndo pelas veias de
nossos países. Existe um reconhecimento de que a cultura do privilégio ainda
vence, apesar da luta para erguer uma cultura da igualdade.
As políticas pró-igualdade
incomodam àqueles que construíram suas montanhas patrimoniais à sombra dos
benefícios públicos e aos que constituíram sua identidade social em relação a
uma dissonância cognitiva que nega que a miséria alheia é moralmente
inaceitável em sociedades civilizadas.
A miséria é considerada por esses
um lance de dados ou uma escolha de indivíduos indolentes, nunca resultado de
mazelas estruturais profundas e do abandono das políticas públicas sociais.
Os rentistas que recebem bilhões
do tesouro sem trabalhar são objeto de censura mais branda que aqueles em
extrema pobreza e recebendo via políticas sociais uma dezena de vezes menos dos
recursos do orçamento público. Isso se em absoluto os rentista são censurados.
Esse é o conflito que vive toda a
região, o de aprofundar o que se construiu até agora em benefício dos milhões
de latino-americanos que ainda estão na pobreza. Eles em 2013 eram 27,9% dos
quase 600 milhões que vivem por essas esplêndidas paragens e dos outros cerca
de 70 milhões que superaram a linha de pobreza, mas permanecem em um limiar de
vulnerabilidade e que podem regressar a essa condição, caso as políticas de
inclusão social sejam alvo de desmantelamento pelos libfreeks.
Passamos por um duríssimo teste
com a crise do subprime estadunidense que iniciou em 2007 e estourou em 2008
com o colapso em série de grandes instituições depois da quebra do Lehman
Brothers.
A região que vinha crescendo com
médias duas vezes superiores aos da década perdida dos anos 1980 e da meia
década perdida do último lustro dos anos 1990, se viu ameaçada pela maior onda
depressiva desde os anos 1930 que se espalhava pelo mundo.
Os governos tinham a
possibilidade de adotar as receitas recomendadas pelo neoliberalismo tanto dos
anos 80 ou do igualmente liberal Consenso de Washington dos 90. Ou seguir um
caminho que não transferisse os custos da crise internacional aos segmentos
mais vulneráveis dos países, trabalhadores, aposentados, pensionistas e aqueles
na extrema pobreza.
Corretamente, os governos
escolheram seguir medidas contracíclicas de corte keynesiano e manter as
economias crescendo.
Foi uma decisão extraordinária,
pois permitiu uma recuperação rápida após a curta recessão de 2009, que impediu
o crescimento da pobreza e da miséria e recuperou rapidamente o nível de
empregos.
À diferença dos ajustes
estruturais impostos pelo neoliberalismo hegemônicos nas décadas anteriores,
que aumentavam taxas de juros, cortavam fortemente gastos públicos, principalmente
os sociais e os de investimentos e geravam forte aumento do desemprego e da
pobreza, decidiu-se estimular a economia por vários meios, desde os monetários
creditícios até os fiscais.
Não se trata de algo banal, pois
os ajustes feitos nos anos 1980 afetaram as taxas de pobreza com tal força que
somente em 2005, 25 anos depois, voltou-se aos mesmos níveis que tínhamos
então.
E o esforço de manter a crise
internacional longe dos nossos mercados de trabalho e da população mais pobre
rendeu frutos significativos.
Enquanto a geração de empregos
despencou nos países centrais (EUA e UE) e as taxas de desemprego,
principalmente as dos jovens, ganharam as alturas, na América Latina os
empregos continuaram a ser gerados e as taxas de desemprego caíram aos 6,4%,
valor menor aos dos anos anteriores à crise financeira.
A pobreza, que já estava em 33,5%
em 2008, depois de passar pelos 43,9% de 2002, chegou em 2012 a 28,2%.
O Brasil foi um dos líderes nesse
processo de redução da pobreza. De fato, enquanto a pobreza caiu de 37,8% em
2002 a 18,6% em 2012, uma redução superior a 50% da pobreza, na América Latina
e o Caribe como um todo a redução foi de cerca de 36%.
É importante notar que a redução
da desigualdade mostra neste período uma curva de declínio mais discreta,
explicada pela grande heterogeneidade estrutural presente no Brasil e em toda a
região, que só será superada por mudanças profundas na estrutura produtiva e
políticas públicas adequadas e duradouras.
Nota:
Os dados de pobreza e
distribuição são os produzidos pela Cepal que não são idênticos aos dados
oficiais dos países.
Crédito da foto da página
inicial: EBC
Antonio Prado
Economista, é secretário executivo adjunto da CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe desde 2009. Trabalhou anteriormente no BNDES, Senado brasileiro e Dieese
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