O avanço tecnológico não fará a humanidade trabalhar menos.
Será necessário um impulso revolucionário para mudar as relações sociais de
maneira global.
Michael Roberts - http://www.cartamaior.com.br/
Semana passada discursei em um painel que debatia a
desindustrialização e o socialismo. O painel foi organizado pelo Spring, um
grupo com sede em Manchester na Inglaterra e que se tornou um fórum para a
discussão dos desenvolvimentos do capitalismo e suas implicações nas
perspectivas do socialismo.
O tema principal da discussão foi o fato evidente de que o
setor industrial (indústrias, energia, mineração, etc) teve um declínio nítido
como parte da produção e do emprego nas economias capitalistas maduras durante
o século vinte. A questão em debate era: isso significa que a classe
trabalhadora também entrou em declínio e não é mais a força principal da
mudança no capitalismo; e também, que uma sociedade socialista ou
pós-capitalista será um mundo sem indústria ou emprego dos trabalhadores industriais?
O primeiro ponto que notei na discussão foi que o mundo não
esta se desindustrializando. Globalmente, havia 2,2 bilhões de pessoas
trabalhando e produzindo valor em 1991. Agora são 3,2 bilhões. A força
produtiva global aumentou em 1 bilhão nos últimos 20 anos. Mas não houve
desindustrialização globalmente. A desinsdustrialização é um fenômeno das
economias capitalistas maduras. Não se dá nas economias capitalistas
'emergentes'.
Usando as figuras fornecidas pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT), podemos ver o que está acontecendo globalmente, com a
ressalva de que há um menosprezo sério dos trabalhadores industriais nessas
figuras e muitos trabalhadores hitech, de transporte e comunicação são
colocados no setor de serviços.
Globalmente, a força produtiva industrial cresceu em 46%
desde 1991, de 490 milhões para 715 milhões em 2012 e irá alcançar bem mais de
800 milhões antes do final da década. De fato, a força produtiva industrial
cresceu em 1.8% desde 1991, e desde 2004 em 2.7% ao ano (até 2012), uma taxa de
crescimento mais rápida do que a do setor de serviços (2.6% ao ano)!
Globalmente, a porção de trabalhadores industriais na força produtiva total
cresceu moderadamente, de 22% a 23%. É nas economias capitalistas maduras desenvolvidas
onde houve a desindustrialização. A força produtiva industrial caiu 18%, de
130 milhões em 1991, para 107 milhões em 2012.
Título: Força produtiva global. Subtítulo: Força produtiva
industrial global (milhões). Linha azul: Economia de desenvolvimento. Linha
vermelha: Economia de mercados emergentes
A grande queda não aconteceu no número de trabalhadores
industriais globalmente, mas no de trabalhadores da agricultura. O processo de
sucção pelo capitalismo de camponeses e agricultores das áreas rurais e da
transformação deles em trabalhadores industriais nas cidades não acabou. A
porção da força de trabalho agrícola na força produtiva global decaiu de 44%
para 32%. Então não devemos falar de desruralização, como Marx fez no meio de
1800? Esse é o grande fenômeno global dos últimos 150 anos.
Claro, a maioria dos trabalhadores são do setor de serviços.
Esse setor é mal definido: pertence a este setor qualquer um que não seja
trabalhador industrial ou da agricultura. Esse setor era menor que a
agricultura em 1991 (34% para 44%) mas agora é maior, com 45%, comparado com
32% para agricultura.
Enquanto eu discursava em Manchester, o centro da revolução
industrial na Grã Bretanha no inicio do século dezenove, fui lembrado do
trabalho de Friedrich Engels, o parceiro de Marx, e que gerenciava a firma
alemã de seu tio na época. Quando jovem (24 anos), Engels escreveu "A condição da classe trabalhadora na Inglaterra" (publicado em 1845) e
descreveu as condições horrendas de pobreza que os homens, as mulheres e
crianças rurais eram sujeitadas quando foram trabalhar nas cidades urbanas de
industrialização rápida no norte da Inglaterra. É a mesma história agora na
Índia, China, sudeste da Ásia e na América Latina. Engels se concentrou nas
condições de trabalho, mas em um prefácio de uma nova edição do seu livro em
1892, ele comentou que a Grã Bretanha estava sendo substituida rapidamente como
o maior poder industrial e capitalista pela França, Alemanha e pelos EUA.
"Seus produtores são muito mais novos que os da Inglaterra, mas crescem em
um nível bem maior que o da última. Eles alcançaram a mesma fase de
desenvolvimento que a industria inglesa em 1844." E isso acontece agora
para as tais economias emergentes da Ásia, América Latina e África, quando
comparadas às economias capitalistas maduras da Europa, Japão e América do
Norte.
Mas é verdade que a porção dos trabalhadores industriais nas
economias maduras decaiu de 31% em 1991 para 22% agora. De fato, de acordo com
McKinsey, o emprego industrial caiu 24% nas economias avançadas entre 1995 e
2005.
Linha horizontal: emprego trimestral em milhões, ajustado
sazonalmente. Linha azul: Emprego total privado. Linha vermelha: Emprego
industrial
Então isso quer dizer que o futuro do capitalismo se dará
sem um proletariado industrial capaz de ser um agente de mudança e, por esse
motivo, o 'póscapitalismo' será uma sociedade sem indústrias, onde as pessoas
podem esperar a redução de suas horas de trabalho com períodos maiores de
'lazer'?
Esse foi o tema que meu companheiro de painel Nick Srnicek
propôs. Nick é um camarada da Geopolítica e Globalização na UCL (Universidade
Global de Londres). Ele é o autor, junto com Alex Williams, de "Inventing
the Future" (Verso, 2015) e o editor junto com Levi Bryant e Graham Harman
de "The Speculative Turn" (Re.press, 2010). Nick explicou que,
enquanto novas economias estavam sendo industrializadas, seu pico de
industrialização veio antes do que para economias como a britânica no século
dezenove. De fato, nenhuma economia alcançou mais de uma porção de 45% no
emprego industrial. Então o futuro não é a industria e uma classe trabalhadora
industrial. E não deu em nada defender o retorno às manufaturas e indústrias
como o único caminho para uma sociedade melhor.
Tenho certeza que Nick está certo nesses pontos. Divergi no
fato de que ele não esclarecia se uma sociedade pós-capitalista,
não-industrial, seria conquistada gradualmente enquanto o capitalismo se
expandiria globalmente e a tecnologia substituiria o trabalho industrial pesado
e as pessoas trabalhariam menos horas e poderiam usar seu tempo para si mesmas.
A ideia de uma mudança em direção de uma sociedade prazerosa e não industrial
foi o conceito de Keynes em 1930, argumentando a favor do capitalismo para seus
estudantes no auge da Grande Depressão pelos 1930, quando muitos de deles
começaram a olhar para o marxismo como a explicação para crises e a alternativa
para o socialismo (veja meu post,
http://thenextrecession.wordpress.com/2013/05/04/keynesbeinggayandcaring-forthefutureofourgrandchildren/
).
Keynes reconheceu que o mundo capitalista alcançaria um
enorme crescimento do PIB per capita e entraria numa economia de lazer, sem
pobreza. Bem, este blog tem revelado dados que mostram que a pobreza é ainda um
terrível espectro sobre o mundo todo, uma característica inerente ao
capitalismo, e longe de uma economia de lazer, as horas de trabalho diminuíram
nas economias maduras e se mantiveram altíssimas em setores industriais de
economias emergentes. Ainda trabalhamos duro para viver (exceto o 1%), em
trabalhos cada vez mais precários
Não acho que podemos atingir uma sociedade pós-capitalista
de economia de lazer através de uma mudança gradual. Será necessário um impulso
revolucionário para mudar o modo de produção e as relações sociais de maneira
global, mesmo que o potencial de produtividade de robôs e novas tecnologias já
estejam disponíveis para a transição em direção à libertação do trabalho duro.
O capitalismo se mantém no caminho como um entrave sobre a produção. com os
capitalistas como uma classe poderosa oposta à liberdade.
A razão de que as economias capitalistas maduras perderam
sua base industrial é a de que não era mais lucrativo que o capital investisse
na indústria britânica no fim século XIX ou na indústria dos países da OCDE no
final do século XX. Então o capital contrabalanceou esta queda de lucratividade
se ‘‘globalizando’’ e encontrando mais força de trabalho para explorar.
E a lucratividade caiu porque a acumulação capitalista corta
força de trabalho. Os capitalistas competem entre si para lucrarem mais.
Aqueles com mais tecnologia podem passar na frente dos outros ao aumentar sua
produtividade reduzindo os custos laborais cortando trabalhadores. A direção
que seguem é sempre a de reduzir a quantidade de força de trabalho e aumentar
os lucros. A contradição central, tal como foi explicada por Marx na lei da
lucratividade, é que a redução da força de trabalho e o aumento da mecanização
levam a uma eventual queda na lucratividade, o que faz com que a força de
trabalho industrial seja reduzida nas economias maduras e expanda a indústria
de maneira global. O capitalismo é um modo de produção que caminha na direção
da mecanização, mas a mecanização também levará à sua própria morte, pois ela é
um modo de produção voltada ao lucro e não a uma necessidade social, e mais
mecanização significará menos lucro. Isto mostra que enquanto caminhamos para
uma economia de robôs, o lucro do capital e os interesses sociais se tornarão
cada vez mais incompatíveis. E uma sociedade de lazer é apenas um sonho
impossível.
O crescimento do emprego está caindo em economias
capitalistas avançadas, ele tem sido muito menor do que 1% ao ano no século
XXI.
Crescimento médio de empregos nas economias avançadas (em %)
O engenheiro computacional e empresário do Vale do Silício,
Martin Ford, coloca a situação da seguinte maneira: “enquanto as tecnologias
avançam, as indústrias se tornam cada vez mais intensivas em capital e menos
intensivas em trabalho. A tecnologia pode criar novas indústrias e elas são
quase sempre intensivas em capital”. A luta entre capital e trabalho é então
intensificada.
E tudo isso depende da luta de classes entre os
trabalhadores e os capitalistas sobre a apropriação do valor criado pela
produtividade do trabalho. E claramente os trabalhadores têm perdido esta
batalha, particularmente em décadas recentes, sob a pressão das leis
anti-sindicais, o fim da proteção ao emprego, a redução dos benefícios, o
aumento do exército de mão-de-obra de desempregados e subempregados e através
da globalização das indústrias.
De acordo com o relatório da OIT, em 16 economias
desenvolvidas, os trabalhadores obtiveram 75% da renda nacional nos anos 1970,
mas este valor caiu para 65% alguns anos antes da crise econômica. Este valor
cresceu em 2008 e 2009 — mas apenas porque a renda nacional se afundou nestes
anos — antes de retomar seu curso descendente. Mesmo na China, onde os salários
triplicaram na última década, a fatia da renda nacional para os trabalhadores diminuiu.
De fato, isto foi o que Marx queria dizer com “pauperização da classe
trabalhadora.”
E isso será diferente com os robôs? A economia marxista
diria que não, por duas razões. A primeira, a teoria econômica marxista começa
a partir do fato de que apenas quando os seres humanos realizam qualquer
trabalho é que uma coisa ou um serviço é produzido. Então, apenas o trabalho
pode criar valor no capitalismo. E o valor é necessário para o capitalismo. O
valor é a substância do modo capitalista de produção. Os donos do capital
controlam os meios de produção criados pelo trabalho e só o colocarão em uso
para se apropriar do valor criado pelo trabalho. O Capital não cria valor por
si só.
Agora, se toda a tecnologia, produtos e serviços pudessem
reproduzir a si mesmos sem trabalho vivo, apenas a partir de robôs, as coisas e
os serviços seriam criados, mas a criação do valor (em particular, o lucro e a
mais-valia) não seriam. Como Martin Ford declara: quanto mais as máquinas
comandarem a si próprias, o valor que o trabalhador médio adiciona começa a
cair.” Então a acumulação sob o capitalismo cessaria logo antes que os robôs
tomassem conta de tudo, porque a lucratividade desapareceria. Esta contradição
não pode ser resolvida sob o capitalismo.
Nós nunca chegaremos a sociedades robóticas; nós nunca
chegaremos a sociedades livres do trabalho — não sob o capitalismo. Crises e
explosões sociais ocorreriam muito antes disso.
Tradução de Isabela Palhares e Roberto Brilhante
Créditos da foto:
Arquivo




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