Funcionário do J.P.Morgan, Fraga é um quadro orgânico ao
centro político e financeiro de Wall Street, a grande casamata do
neoliberalismo no plano mundial.
Juarez Guimarães - http://www.cartamaior.com.br/
No momento mais difícil de sua campanha, quando Marina
aparecia como provável adversária de Dilma no segundo turno e a própria base
política, midiática e financeira neoliberal aparecia dividida entre as duas
opções, Aécio anunciou Armínio Fraga como seu futuro Ministro da Fazenda. Este
gesto, certamente combinado com um esforço de recentralização política do PSDB
paulista por parte de FHC, levou Aécio ao segundo turno, acentuando a perda de
bases de Marina e fazendo convergir para Aécio a esmagadora maioria dos votos
do PSDB em São Paulo. Perguntado se aceitaria participar de um eventual governo
Marina, Fraga respondeu peremptório: “sou 100 % Aécio!”
Se com o Banco Itaú e a proposta de “autonomia do Banco
Central” Marina oferecia suas cartas ao capital financeiro, Aécio mais que
dobrou a aposta: um quadro do J.P.Morgan no governo de toda a macro-economia
brasileira. A distância entre o Banco Itaú e o J.P. Morgan é a mesma distância
entre a Avenida Paulista e Wall Street.
Este esclarecimento político das classes dominantes e a
dinâmica que gerou trouxeram a luta de classes aberta para o segundo turno das
eleições presidenciais. O povo brasileiro contra os poderes do mundo?
Internacionalização e internalização
A fórmula acima “o povo brasileiro contra os poderes do
mundo” parece simplista a propagandística. Mas revela um movimento político
mais profundo, que é preciso captar, explicar e tirar as consequências.
Como já bem observaram Perry Anderson e Emir Sader, há um
profundo descompasso entre as derrotas políticas do neoliberalismo no Brasil e
as suas vitórias políticas nos EUA e principalmente na Europa. O núcleo
programático do PSDB, concentrado na direção política de FHC e seu aparato
político-intelectual, alimentou-se deste descompasso para sobreviver e se
renovar nestes doze anos fora do poder. O Brasil e a América Latina aparecem
fora do movimento ainda dominante na ordem internacional.
Ora, o Brasil é um país que está se movendo da
semi-periferia para o centro das configurações do poder mundial, devido ao seu
peso geopolítico e as alianças que têm realizado no plano dos chamados Brics.
Marco Aurélio Garcia tem chamado atenção para a importância do chamado Banco
dos Brics e seu poder de alterar a institucionalidade financeira do mundo,
criando alternativas ao FMI e ao Banco Mundial.
Assim, se o J.P. Morgan passa a atuar diretamente e de modo
decisivo, com seu poder político de agência, na conjuntura política eleitoral
brasileira não é de se estranhar. A internacionalização da projeção da
experiência brasileira anti-neoliberal gerou, de modo inverso, uma forte e nova
internalização da correlação de forças internacional.
Armínio Fraga pode e deve ser considerado como o mais
internacionalizado quadro formado pelo neoliberalismo brasileiro, combinando de
forma muito exitosa cobiça com poder político. Se em 1985 foi economista-chefe
do Banco de Investimentos Garantia, nos dois anos seguintes já era
vice-presidente do Salomon Brothers em Wall Street. De modo típico, em um mundo
em que informação é poder e dinheiro, de 1991 a 1992 Armínio foi diretor do
Departamento de Assuntos Internacionais do Banco Central brasileiro. Deste
posto estratégico, retornou para um posto chave em Wall Street: por seis anos,
dirigiu os fundos de alto risco nos países emergentes do mega-especulador
George Soros.
Daí, em meio à grave crise financeira, que levaria o país ao
FMI no início do segundo governo FHC, retornou para a presidência do Banco
Central em março de 1999. Ninguém melhor do que ele para ser um fiador perante
os capitais financeiros especulativos internacionais de que as políticas
cambial e monetária seriam inteiramente ajustadas aos interesses neoliberais.
Mas a sua carreira política foi interrompida, então, pela vitória de Lula nas
eleições presidenciais de 2002.
Voltou, então, novamente, mais graduado para o mundo da
especulação financeira, formando a Gávea Investimentos. Foi este banco
especulativo, que geria uma carteira de 10 bilhões de reais, que foi vendido
após seis meses de negociação em 2010 para o J.P. Morgan por cerca de R$1,3
bilhões de reais. Armínio recebeu a metade do pagamento pela venda e se
comprometeu a trabalhar até 2015 para o J.P. Morgan, quando receberia a segunda
parcela. É hoje, então, um funcionário do banco americano J.P. Morgan. Mas quem
é mesmo este banco e quais suas relações com a política brasileira?
No centro de Wall Street
Era Emy Shayo, analista do J.P. Morgan, quem mediava a mesa
que debatia os cenários das eleições presidenciais realizada em março deste ano
com analistas de pesquisas e estrategistas de campanha. Como revelou a Rede
Brasil, o tema era como desestabilizar o governo Dilma. Ricardo Guedes (Sensus)
apostava em fortes manifestações durante a Copa do Mundo, Mauro Paulino (
Datafolha) em graves problemas de gestão como uma crise de energia ou de
fornecimento de água, Antonio Lavareda (MCI, já prestando serviços a Eduardo
Campos) trabalhava a idéia da desconstrução de Dilma como gestora eficiente.
Ao que tudo indica, parece ter sido estratégica a visita de
FHC no dia 22 de setembro a um encontro com investidores internacionais em Nova
Iorque, promovido pelo Banco J.P.Morgan. Ao contrário do que se avaliou à época
– a partir dos elogios públicos laterais feitos à candidatura Marina Silva –
este movimento já fazia parte de uma recentralização política em torno à
candidatura Aécio, como foi formulado no início deste ensaio.
Este banco, que também integra o Instituo Millenium que
centraliza a mídia neoliberal no Brasil, emergiu da crise financeira
internacional de 2008, com base em uma larga base de clientes, com uma injeção
de crédito de bilhões de dólares do Estado americano e com um agressivo perfil
especulativo, renovado em seu protagonismo político. É este banco que hoje
lidera a resistência política do capital financeiro à adoção da chamada regra
Volcker, que pretende interditar a corretagem por conta própria dos bancos e
restringir drasticamente as suas atividades no mercado de produtos derivados,
devido à sua opacidade e aos riscos elevados destes mercados. Por este regra,
os bancos poderiam especular em risco apenas com os fundos dos depositantes que
concordassem em compor um fundo separado com tal objetivo.
Aliás, o Banco J. P. Morgan está sendo alvo de processos e
investigações do governo americano por ter perdido cerca de dois bilhões de
dólares em aventuras especulativas na Grã-Bretanha em 2012. Segundo o New York
Times, ”o que importa é que o J.P. Morgan, assim como outros grandes bancos,
ainda praticam atividades que podem levar a perdas catastróficas. Se as
autoridades não fortalecerem a reforma ( das leis promulgadas depois da crise
de 2008), só a sorte pode impedir outro colapso”. O mesmo banco está associado
ao escândalo tornado público por uma auto-denúncia do argentino Hernan Arbizu,
que operava para o J.P. Morgan no país, e que relatou casos de associação
ilícita, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e produção de documentos
falsos.
Em julho de 2013, um relatório do J.P. Morgan sobre as
dificuldades e resistências aos massacrantes ajustes neoliberais realizados na
Europa – em particular em Portugal, Espanha,Itália e Grécia – causou escândalo.
O J.P. Morgan acusava a presença nas Constituições destes países, que
“mostravam uma forte influência socialista, refletindo a força política que os
partidos de esquerda tiveram depois da queda do fascismo”, fatores que
dificultavam as medidas impopulares impostas: “executivos fracos:
administrações centrais fracas em relação aos poderes regionais; proteção
constitucional dos direitos trabalhistas; sistemas de consenso que potenciam o
clientelismo político; e os direitos a protestar contra as mudanças indesejadas
do status quo político”. Isto é, até a democracia – o direito de protestar –
era vista como um estorvo pelo banco. É a mesma linguagem de Armínio Fraga
quando diz se sentir “enojado” com a “campanha sórdida” movida pelo PT contra a
proposta de “autonomia do Banco Central” e em favor da soberania do presidente
democraticamente eleito.
Foi também um executivo do J.P.Morgan, James Glassman, quem
fez a recente polêmica pública na imprensa internacional com a nova Encícilica
“ Evangelli Glaudium” do papa Francisco que denunciou “uma nova tirania” e
“apelou para os políticos para que garantam a todos os cidadãos trabalho,
educação e cuidados da saúde e aos ricos que partilhem suas fortunas.” De
acordo com o porta-voz do J.P. Morgan, “as economias do mundo estão a fazer
mais para curar a pobreza mundial do que quaisquer outros esforços do passado”.
Radicalização do programa neoliberal
Marco Aurélio Garcia chamou justamente a atenção que a
linguagem pública de Aécio incluía já um anti-comunismo típico da guerra-fria,
através do tema dos médicos cubanos, à diferença da diplomacia do primeiro
governo FHC que manteve relações diplomáticas convencionais com Cuba. E, neste
sentido, que se vitorioso, Aécio faria um governo ainda mais à direita do que
FHC.
A observação é justa com um adendo decisivo: é que o
programa neoliberal dirigido por FHC passou por uma viragem forte à direita.
Analisamos esta viragem à direita já em 2011, interpretando o seminário
“Transição incompleta e dilemas da macro-economia brasileira”, que reuniu
Bacha, Malan, André Lara Resende, Gustavo Franco e Pérsio Arida, sob a
coordenação do ex-presidente neoliberal, no Instituto FHC. O sentido
programático do seminário era exatamente completar a transição definitiva do
Estado brasileiro a um padrão neoliberal mais radical e internacionalizado,
após a interrupção da Era Lula e do governo Dilma. Ali já se discutia
abertamente a necessidade da desorganização da base política estatista do
governo Dilma e a criação de uma nova liderança e linguagem política para
atrair os eleitores da chamada classe C.
Em síntese, Bacha defendeu que a taxa de juros não pode cair
em razão da “despoupança do setor público”, para dar confiança aos investidores
privados e atrair investidores internacionais. André Lara Resende propôs a
privatização, via mudanças institucionais, do controle público estatal do FGTS,
FAT e caderneta de Poupança, o que levaria praticamente ao fim do BNDES e do
crédito social da CEF. Gustavo Franco opinou pela criação de um mecanismo que
facilitasse a internacionalização da economia, na ausência de conversibilidade
da moeda, que permitisse a livre movimentação dos aplicadores nacionais no
mercado internacional de capitais. Malan argumentou em favor de um ajuste
fiscal sério e duradouro do Estado brasileiro, que implicasse em uma redução
forte e estrutural de seus gastos correntes. Pérsio Arida propunha ainda
corrigir a “focalização perversa” dos programas sociais do governo Lula ( isto
é, sua amplitude), apostando na formação de mercados de seguros de saúde e de
previdência para atender aos anseios da emergente classe C.
A radicalidade anti-social do programa neoliberal causou tal
impacto a intelectuais tucanos presentes, como Arthur Gianotti e Maria Hermínia
Tavares, que fizeram questões à mesa perguntando como ficariam, então, os
pobres. A resposta exemplar coube a André Lara Resende: segundo ele, seu pai
(Otto Lara Resende) sempre lhe disse que “com bons sentimentos, não se faz boa
literatura”. E ele, então, afirmou: “com bons sentimentos, também não se faz
boa economia”. A frase citada, que não é aliás de Otto Lara Resende, é que
“apenas com bons sentimentos, não se faz boa literatura”. E, é evidente, apenas
com bons sentimentos não se faz boa economia. Mas seguramente não se faz “boa
economia” com maus sentimentos.
Armínio Fraga seria certamente o quadro ideal para cumprir
um tal programa. Este “doente dessa falsa hidropesia da ganância e da avareza”,
como versou Camões, certamente não pode ser acusado sequer de flertar com bons
sentimentos.
Este discurso neoliberal radicalizado, vocalizado e
magnificado pela mídia brasileira nos últimos anos, parte do pressuposto, como
diz Fraga, que os governos Lula e Dilma fizeram uma “aposta hiper keynesiana na
demanda” e que seria agora necessário virar para a dimensão da oferta, com um
novo “choque de capitalismo”. É preciso reconhecer que este discurso nos
últimos anos emparedou a macro-economia do governo Dilma, através da grita do
retorno da inflação, legitimando o retorno da elevação dos juros pelo BC,
pressionando para baixo os gastos públicos, desorganizando as expectativas dos
investimentos privados, estimulando o cerco internacional das agências
financeiras à suposta perda de credibilidade da economia brasileira.
Assim, não é retórico afirmar que a consciência democrática
do povo brasileiro está agora se levantando contra os “poderes do mundo”.
Outubro de 2014 está se parecendo com um junho de 2013, mas agora politizado e
dirigido contra as forças neoliberais. É com este junho e este outubro que um
segundo governo Dilma, se vencer as eleições, precisará contar para ser capaz
de levar adiante o aprofundamento das mudanças que se propõe.
Créditos da foto: Arquivo

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