Tão alienada quanto certas manifestações de intolerância que
marcaram disputa eleitoral é a atitude passiva de quem espera pelo “candidato
ideal”
Por Christiana Paiva de Oliveira / http://outraspalavras.net/
(Sigmund Freud, 1917 [1915]. p. 278-281).
“Eu não vejo alternativas, todos esses políticos são iguais,
incapazes, uma merda. Não tenho opções viáveis de voto, porque o Brasil nunca
vai mudar. Não vou votar em ninguém, já que o país só tende a piorar daqui pra
frente. Meu voto será nulo pra protestar contra toda essa corrupção e todo esse
sistema eleitoral, afinal, o voto não vale nada, pois se mudasse algo, seria
proibido”.
Estamos vivendo em meio as reviravoltas das eleições. Dia 26
de outubro, 2014, será seu ápice, com a resposta que nos angustia até então: um
dos candidatos à presidência será eleito, por fim. Nesse contexto, pergunta-se:
e nós, por onde andamos?
Não raro, encontramos eleitores com discursos calorosos, que
insistem em nos convencer sobre o candidato ideal. Ai de quem ousar se
aproximar dessa fala sem ceder aos caprichos de quem os profere. Qualquer
opinião que se oponha é rechaçada duramente, bem como o espaço para a reflexão,
que fica aniquilado. Nos lembram crianças, que ao serem contrariadas, fazem
birra: gritam, insistem, e as vezes até partem para a violência. Vemos, por
entre notícias¹ e vivências próprias, que o lado mais inóspito existente em nós
tem aflorado durante os embates políticos, disseminando o ódio contra uma
suposta minoria difusa e descabida. É como se as certezas infantis, com ares
onipotentes, fossem incontestáveis.
Por outro lado, visitamos eleitores desencontrados,
proclamando a anulação dos votos diante dessa disputa acirrada. Desesperançosos
e insatisfeitos, tais eleitores se mostram pessimistas, na insistência de
ressaltar apenas o lado negativo que os cerca. Nessas eleições, já
experienciamos reviravoltas políticas, discursos de ódio explícitos e
informações deturpadas. Seria possível manter uma neutralidade frente a esses
fatos? Sendo assim, o que buscam os eleitores, ao insistirem na anulação dos
votos?
O discurso dos que defendem tal atitude tem ressoado cada
vez mais com caráter melancólico: é letárgico, esvaziado, pincelado por tons
acinzentados. Tais sujeitos não veem futuro viável, se afundam em suas
lamentações, profundas, com caráter inquestionável. De acordo com Freud, pai da
psicanálise, o melancólico se baseia em suas idealizações para tomar uma
atitude. No entanto, tem algo que assombra e rege o melancólico, que é a perda.
Estamos falando de um sujeito que faz questão de articular
sua incapacidade de conquista ao seu vazio. A ele, faltam dinheiro,
perspectivas e habilidades que o instiguem ao sucesso. E há algo aqui que
devemos nos atentar, ligado às identificações. Quanto mais a perda se
sobressai, mais o melancólico se identifica com ela e se autoflagela. Ele passa
a se acusar constantemente, na medida em que se afasta do seu plano ideal – e
como a palavra nos revela, impossível de ser alcançado. Estamos, portanto,
diante de um crítico em potencial e pessimista.
Há em sua atitude, referente a anulação do voto, um protesto
silencioso e acomodado. Aqui, cabe lembrar que por mais árdua que seja a
situação do melancólico, mudar requer uma nova busca, ligada a novos
investimentos. Concomitantemente, investir toda essa energia requer um grande
trabalho, algo que o melancólico abomina. Desse modo, não fiquemos estagnados
por essa inércia lamuriante. Rememoremos, pois, nossas conquistas históricas,
desprezadas pelos ares da melancolia – e valorizar as vitórias não é aludir ao
conformismo, que também nos poda às novas criações.
As “Diretas Já” tem seu mérito para a democracia – que
apesar de muitas vezes ser deturpada por configurações políticas adulteradas –
marca uma vitória libertadora, pós ditadura militar. É com essa nova perspectiva
que o cidadão brasileiro retoma a voz, mesmo que por entre breves sussurros,
sobre o segmento político, social e histórico de seu país. Foi através de
debates, ações e lutas contra a violência, abuso de poder e respectivas
censuras que a mudança foi concretizada. Com isso, temos que cuidar para que o
peso da crítica não esmague tais segmentos. Sob o olhar do melancólico tudo
fica apequenado, assim como suas vivências, que são massacradas pela sua
insatisfação constante.
Onde estaria o ato de protesto dos que defendem o voto nulo,
já que este, ao passar de 50% na contagem final, não anula a eleição? Tampouco
força o surgimento de uma nova arcada de políticos, ao contrário do que muitos
acreditam. É possível compreender que os candidatos à nossa disposição não
preenchem por completo nossas expectativas, mas quem, ou o que, estaria
qualificado para tamanha idealização? Valorizemos os protestos atuais, os
engajados, os torturados e tantos outros que lutaram por nós 30 anos atrás – e
que essa fala ecoe para além da nostalgia, para que possamos nos inspirar e
prosseguir sempre com novos questionamentos e ações.
Ao optar por um determinado candidato, o melancólico tem que
arcar com o peso da sua escolha e com o árduo fardo da responsabilidade que
sucede tal atitude. Além disso, a impossibilidade de dedicar seu voto a alguém
estaria ligada à irrealizável tarefa de enxergar um ideal nessas eleições, em
que ninguém serve como salvador ideal de nossas condições. O melancólico
critica e não parte para a ação, espera que o tempo passe e que a situação se
modifique, enquanto ele permanece estagnado na lamentação.
Lembremos, por fim, que o voto nulo é, também, uma escolha.
O percurso desse texto não alude à generalização, uma vez que tal opção implica
num caráter subjetivo. A todo momento, as referências feitas foram ao discurso
derrotista e esvaziado, que mina qualquer possibilidade futura. Ou seja, a
crítica recai ao posicionamento que não ultrapassa a lamúria, mantendo-se na
superficialidade da questão. Se não há candidatos que representem o eleitor, ou
se não há propostas viáveis, o voto nulo pode indicar essa abstenção, mas com
que peso? É válido destacar que se o cenário político encontra-se assim, cabe
pensar – para além das anulações – sobre como os ditos representantes do povo
inserem um retrato do nosso atual cenário brasileiro. Cabe a nós, então,
criticar e reivindicar, sem contentar-se com a derrota incitada pelo
melancólico.
Não pretendo participar da confecção do DSM VI, manual
psiquiátrico, mas sim, acirrar discussões e novas reflexões sobre nossas
aspirações melancólicas, que nos tomam cotidianamente e nos cegam com nossos
próprios ideais.
¹Apoiadores de Aécio agridem blogueiro cadeirante eleitor de
Dilma <
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/apoiadores-de-aecio-agridem-blogueiro-cadeirante-eleitor-de-dilma.html
>
Referências Bibliográficas:
Freud, Sigmund (1969). Luto e melancolia. (1917 [1915]). In:
Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Editora Imago; vol. XIV.
Pragmatismo Político. Apoiadores de Aécio agridem blogueiro
cadeirante eleitor de Dilma. Disponível em: <
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/apoiadores-de-aecio-agridem-blogueiro-cadeirante-eleitor-de-dilma.html
> Acesso em: 19 Out. 2014
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