Petrobras
Para Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos
Engenheiros da Petrobras, o que preocupa é que, sendo a corrupção um câncer em
metástase, generalizada, a Petrobras é que está na berlinda, não como vítima
que é, mas como foco principal da corrupção
Gabriel Brito e Valéria Nader / http://www.brasildefato.com.br/
de São Paulo (SP)
Para o Correio da Cidadania
Os escândalos de propinas e apadrinhamentos da Petrobras
continuam em voga. Como sempre, a mídia, em mais um de seus simulacros de
combate à corrupção, não fica um dia sem falar do assunto em tom de feirante.
Apesar da novidade de os corruptores também serem jogados aos leões, a
abordagem do assunto se resume à narração de malfeitos, deixando de fora toda
a importância estratégica da empresa, o que foi a tônica da entrevista do
engenheiro Fernando Siqueira ao Correio da Cidadania.
“Os escândalos da Petrobras são execráveis e devem ser
punidos com rigor, com prisão para os responsáveis e podem ser uma fonte de
saneamento geral das ilicitudes no país. Afinal, pela primeira vez os
corruptores foram envolvidos. Mas é fundamental que a Petrobras seja
preservada, pois além de ser uma empresa estratégica para o país, é uma
vítima. O esquema funciona desde os governos militares, segundo publicações
recentes do histórico dessas empresas. Perpassou os governos Sarney, Collor,
Itamar e FHC e chegou aos governos petistas”, afirmou Siqueira.
Na entrevista, o vice-presidente da Associação dos
Engenheiros da Petrobras (Aepet) reitera os velhos alertas sobre a hipocrisia
da gritaria de setores historicamente ligados à aparelhagem do poder público e
seus principais braços. Pior, trata-se de setores que inculcam na população a
ideia de que privatizar o maior ativo do Estado brasileiro seria uma solução
redentora.
Acabaram as eleições e os primeiros acontecimentos foram o
aumento da taxa de juros, reajuste de tarifas públicas, composição de uma
equipe de governo que aqueles que apoiaram Dilma nessas eleições já dizem se
tratar de um estelionato eleitoral. E agora, escândalos na Petrobras.
Primeiramente, o que você tem a dizer sobre estes fatos e aquilo que já
insinuam para o segundo mandato de Dilma?
Fernando Siqueira – A Dilma foi reeleita, mas saiu bastante
enfraquecida do pleito. A herança própria, especialmente na situação econômica
do país, está ruim. Além disso, os parlamentares eleitos formam uma das piores
legislaturas da nossa história, sob o ponto de vista de neoliberalismo,
entreguismo e corrupção. Portanto, a base de apoio do governo piorou e vai
obrigá-lo a conceder mais vantagens a esses parlamentares em detrimento do
interesse nacional.
Por outro lado, a pressão externa vai recrudescer, pois os
EUA querem que o Brasil e a África do Sul se mantenham como seus aliados no
BRICS, para se contraporem à dupla Rússia e China, que está cada vez mais unida
e atraindo a Índia. Desestabilizando a Dilma, os EUA a empurram para a direita
e a mantém como aliada. Sintoma disto é a nomeação do Joaquim Levy para a
Fazenda e possivelmente da Kátia Abreu para a Agricultura.
Assim, o “mercado”, o agronegócio e os EUA estarão
contemplados. Portanto, as promessas de campanha não passam de promessas
eleitoreiras. Outro exemplo de não cumprimento de promessa: “não vou nomear
derrotados”. Já são cinco os derrotados cogitados ou nomeados para ministério.
Avaliando agora o grande caso do momento, e tentando ir além
da espetacularização e do clima policialesco trazido pela grande mídia: o
engenheiro Ildo Sauer, ex-diretor de Energia e Gás da Petrobras, tem
ressaltado, em várias de suas entrevistas ao Correio, a Petrobras como uma
empresa vítima da concorrência intercapitalista e da leniência do governo face
a tal processo. À luz desse pensamento, o que você diria sobre os atuais
escândalos na Petrobras? O que dizem do capitalismo brasileiro?
Os escândalos da Petrobras são execráveis e devem ser
punidos com rigor, com prisão para os responsáveis e podem ser uma fonte de
saneamento geral das ilicitudes no país. Afinal, pela primeira vez os
corruptores foram envolvidos. Mas é fundamental que a Petrobras seja
preservada, pois além de ser uma empresa estratégica para o país, é uma vítima.
Esse esquema de corrupção, suborno, propinas, é um câncer que permeia todas
as atividades importantes no país, principalmente nos Três Poderes. Todas as
estatais, ministérios, secretarias, Legislativo, Judiciário estão
contaminados. Vejam-se os prédios suntuosos do Poder Judiciário, o caso
“Lalau”, os financiamentos de campanhas dos parlamentares, decisões estranhas
dos tribunais superiores.
A operação Satiagraha, por exemplo, puniu a ratoeira e
deixou o rato mais fortalecido. Quem foi condenado e punido foi o delegado
Protógenes, não o denunciado. Assim, a corrupção é um câncer com metástase em
todos os órgãos públicos por contaminantes privados. A punição dos corruptores
é a grande chance de reduzir drasticamente a corrupção, que impede o
crescimento do país mais viável do planeta. O que preocupa é que, sendo a
corrupção um câncer em metástase, generalizada, a Petrobras é que está na berlinda,
não como vítima que é, mas como foco principal da corrupção. Isto porque há o
interesse de enfraquecê-la para que ela não seja a operadora única do pré-sal,
o que inibe os dois focos de corrupção que grassa a produção mundial do
petróleo: superdimensionamento dos custos de produção – ressarcidos em
petróleo – e a medição fraudulenta da produção.
Portanto, esta campanha a vê como alvo principal e está
tendo relativo sucesso: vários brasileiros, ingênuos, já defendem a
privatização da Petrobras como solução. Não sabem que as empresas privadas
mundiais, únicas capazes de comprar a Petrobras, são as mais corruptas e mais
corruptoras do mundo. Elas golpeiam, derrubam e matam governantes dos países
com petróleo e são responsáveis por todas as guerras após a segunda guerra
mundial.
O que todos estes escândalos dizem ainda da própria
administração e gestão da Petrobras nesses anos todos?
Dizem muita coisa, entre elas, que se deve cessar o
apadrinhamento de políticos à nomeação dos gestores das empresas estatais. Os
dirigentes muitas vezes sabem das ilicitudes, mas ficam com medo de denunciar.
Um caso emblemático é o do gasoduto Coari-Manaus: o gerente da obra,
engenheiro Gésio, se recusou a aceitar um aditivo absurdo e foi destituído do
cargo, ficando encostado e sem função. Inconformado, denunciou a uma CPI. Dez
parlamentares foram ao local da obra e inocentaram a construtora OAS. O TCU
também suspendeu todas as punições dadas ao consórcio.
Assim, é preciso melhorar os controles internos, as
nomeações de dirigentes, por competência, mas também os controles externos.
CPIs têm sido abertas, pela oposição, somente quando visam enfraquecer a
Petrobras, como na discussão da nova Lei do petróleo. No caso do leilão de
Libra, o governo Dilma entregou às multinacionais 60% do maior campo do mundo;
cometeu três ilegalidades, entre elas a que contraria o Artigo 12º da Lei nº
12.351/10: áreas estratégicas têm que ser negociadas com a Petrobrás, sem
leilão. O TCU não aceitou nossas denúncias e validou o edital.
Nossas ações contra tais ilegalidades foram rejeitadas pela
Justiça. Depois, Dilma cumpriu a Lei entregando o excedente da cessão onerosa
à Petrobras e, aí, pasme-se: o TCU está questionando essa cessão legal.
Como ficam, em sua opinião, os grandes mandatários em meio à
confusão, a exemplo da própria presidente da Petrobras, Graça Foster?
Ficam numa situação incômoda, pois é difícil provar que não
sabiam de nada. A compra de Pasadena foi feita na gestão Dilma como presidente
do Conselho de Administração. Ela rejeitou a compra da segunda parte da
refinaria, o que resultou na ação judicial em que a Petrobras perdeu mais de
600 milhões de dólares; Graça Foster era diretora de Gás e Energia. Gabrielli
presidente...
A Aepet todos os anos participa da AGO (Assembleia Geral
Ordinária de Acionistas), faz denúncias e alertas à direção, desaprovando as
Demonstrações Contábeis. Na AGO de 2014, denunciamos, entre outros: o
estrangulamento financeiro ilegal da Petrobras; os contratos de obras por EPC,
pacote coordenado por um único consórcio, como retrocesso de mais de 40 anos e
que facilita todo o tipo de irregularidades, além de reduzir a confiabilidade
e a segurança da instalação; a terceirização que já supera os 360 mil
empregados, pondo em risco a sobrevivência da Companhia; a forma de
contratação e a condução das obras das refinarias Abreu Lima e Comperj; a
venda de ativos para fazer caixa, sem um processo transparente; a compra de
projetos no exterior, em detrimento das empresas nacionais. Ficamos sempre
sem resposta.
Sabemos que as empreiteiras cartelizam enorme gama de
setores, programas e obras em nosso país. Essa prisão dos executivos de
empreiteiras indica, a seu ver, que peças possam estar começando a se mover no
sentido de desmascarar a promiscuidade público-privada do Brasil?
Acho que agora temos a grande chance de reduzir
drasticamente e até erradicarmos a corrupção. Afinal, os corruptores foram
identificados e presos, o que gera uma grande esperança. Mas não podemos nos acomodar.
É preciso que a sociedade organizada se mobilize para pressionar por
providências enérgicas da Justiça, do governo e do próprio Legislativo. São
necessárias, por exemplo, a reforma política que elimine os financiamentos de
campanhas e a adoção do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que propõe
mudanças excelentes na forma das eleições, mas vem sendo ignorado por todos
os políticos. Tudo isso precisa ser cobrado pela sociedade para não cair na
vala comum.
Segundo notícias veiculadas pela mídia, o esquema na
Petrobras já estaria funcionando há 15 anos. Nesse contexto, como você situa a
direita tradicional nos atuais episódios e os seus discursos recentes de
moralização pública?
O esquema funciona desde os governos militares, segundo
publicações recentes do histórico dessas empresas. Perpassou os governos
Sarney, Collor, Itamar e FHC e chegou aos governos petistas. Aliás, o segundo
escalão da Petrobras veio do governo FHC, sendo pouco alterado. A direita faz
um discurso de falsa moralização.
No governo FHC, vimos a mudança da Ordem Econômica do
Capítulo V da Constituição, que feriu gravemente a nossa soberania; a
Privataria Tucana vendeu estatais como a Vale, a Telebras por valores
irrisórios, verdadeiras doações; a entrega do segundo maior banco brasileiro,
o Banespa, para o Santander, pertencente ao grupo Rotschild, dono das
petroleiras, incluindo a Repsol, foi outro escândalo; a troca de ativos da
Petrobrás com a Repsol para privatizar a Refinaria Refap deu prejuízo de US$ 2
bilhões à Petrobras.
Só que os órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público e
a Polícia Federal, eram tolhidos de investigar. Havia ainda o Engavetador
Geral, que garantia a impunidade. As denúncias e cobranças são necessárias e
até importantes. O discurso que é hipócrita.
Com que clima começará, em face do exposto, o segundo
mandato de Dilma? Já começou o cerco da oposição de direita?
Como falei na primeira pergunta, a Dilma estará muito
acuada. E ela é medrosa, não tem o peso do Lula para suportar pressões. Cede
mais fácil. Portanto, já que ela foi eleita e vai governar por mais quatro
anos, temos de fazer uma pressão para contrapor essa direita nacional,
oportunista, os corruptos do Congresso e as pressões do “mercado” externo –
opressor e poderoso – contra ela e o país.
Como esse clima poderá afetar o futuro da empresa? O que
você mais temeria, nesse sentido?
A corrupção é um câncer com características de AIDS: o que
mata o paciente são as doenças oportunistas. E no presente temos os
oportunistas do cartel internacional do petróleo, que quer tirar a Petrobras
da condição de operadora única do pré-sal. Usam os mesmos argumentos que
derrubaram Getúlio e Jango: mar de lama, corrupção. E ainda os oportunistas
que querem abrir a entrada de empresas externas para executar as nossas obras.
Além de arrasar a nossa engenharia, isso iria estourar as contas externas com
mais remessas de lucros para aumentar o déficit em transações correntes.
Eu acho que vai melhorar para a empresa, que tem sido uma
vítima desse processo, e para o país. A punição dos corruptos poderá eliminar a
relação promíscua que a tem atrapalhado. Isto ocorrendo, poderemos ter um
salto econômico e tecnológico com o aproveitamento correto do pré-sal. Tenho
mostrado o exemplo da Noruega, que de segundo país mais pobre da Europa, após a
descoberta do petróleo, em 1970, se tornou o país mais avançado do mundo, com
o melhor IDH nos últimos cinco anos, melhor bem estar social e a segunda
melhor renda per capita. Só com o bom uso do petróleo.
Nós, além de termos petróleo em quantidade mais de dez
vezes superior que a deles, temos inúmeras outras riquezas. O que vem nos
atrapalhando são a corrupção e a má governança.
Acredita na possibilidade de que todos esses acontecimentos
possam culminar em um processo de impeachment? Você creditaria uma tal
possibilidade como uma tentativa golpista, a exemplo até mesmo de recentes
‘golpes brancos’ a la Paraguai e Honduras?
A ameaça existe, claro. Como país mais rico e viável do
planeta, somos objeto de enorme cobiça internacional. Mas eu não acredito que
consigam, visto que os argumentos são muito fracos e a oposição que seria
parte do esquema tem uma moral muito vulnerável. E nossas instituições, embora
com algumas mazelas, são muito sólidas. O nosso povo está ficando cada vez mais
esperto e consciente. Isso é fundamental para a resistência.
O que acredita que possa ocorrer nas ruas em 2015?
Há uma tese, levantada por um jovem numa das minhas
palestras pelo Brasil, que acho interessante. Disse ele, após minha exposição
das ameaças sobre nossas riquezas: “professor, o povo nas ruas em junho 2013
não seria uma armação da CIA para intimidar a Dilma e levá-la a entregar o
campo de Libra?”. Dá pra pensar, pois o movimento se iniciou nas redes sociais
pegando carona num protesto de tarifas; comandaram o processo duas organizações
internacionais: Anonymous e black blocks, ambas com atuação em todo o mundo e
suspeitas de serem braços da CIA. Quando o leilão se encerrou, eles partiram
para a violência e espantaram os jovens, liquidando o movimento. Assim, temos
que incentivar os jovens a voltar às ruas, sem quebra-quebra e sem black
blocks, para exigir o fim da corrupção e a moralidade na gestão pública. Além
de eficiência da Justiça.
E o que pensa que pode ser uma atuação efetiva dos
movimentos populares e também de partidos da esquerda a partir de agora,
inclusive as alas mais progressistas do PT?
Os movimentos e as redes sociais são instrumentos muito
importantes para o resgate da soberania, da cidadania e da defesa das nossas
riquezas. Acho que os partidos que defendem as nossas riquezas para o bem do
povo devem procurar ganhar a confiança dos jovens, ajudando a esclarecê-los,
no sentido de que o Brasil tem todas as condições de ser um país desenvolvido,
sem desigualdades, sem pobreza, sem analfabetos e sem corrupção, sendo o mais
rico e mais viável do planeta. Isto possibilitará um grande salto de qualidade
na melhoria de vida do nosso povo. O país não pode seguir subdesenvolvido.
Temos as maiores riquezas do planeta.
Gostaria de acrescentar o seguinte: há cerca de 10 anos, a
empresa de auditoria Price Waterhouse & Coopers, norte-americana, faz a
auditoria da Petrobras, com acesso a todos os dados da companhia. Há uns cinco
anos, ela passou a ser também a encarregada do planejamento estratégico da
companhia. Assinou o balanço dos dois primeiros trimestres, inclusive. Como
aceitar que ela, agora, se exima de assinar o balanço, eximindo-se de qualquer
culpa? Para que serve uma auditoria? Onde está a sua responsabilidade?
Regiamente paga, ela não faz a sua tarefa e depois corre da raia. É aceitável
isto?
Outra questão: a empresa Boston Group é responsável pelo
Planejamento Tático Operacional da Petrobras e também tem acesso a todas as
suas informações. Como ela não detecta as irregularidades? Qual a vantagem de
a Petrobras ter essa função entregue a outra empresa alienígena? Para os EUA é
ótimo: acesso total às entranhas da Petrobras.
No Centro Integrado de Dados da Petrobras, empresas
norte-americanas (50% do total) trabalham operando e três outras fazem a
criptografia dos dados. O software que roda os dados de exploração e produção
é da Halliburton. As empresas estadunidenses permeiam os pontos chaves da
Petrobras. Assim, a administração dela está não só privatizada como também
desnacionalizada. Pode ser uma contribuição proposital para desmontá-la. E
ainda tem inocentes úteis defendendo a privatização. Não consideram que as maiores
corruptas e corruptoras mundiais são as empresas privadas internacionais.
Assim, é fundamental reverter essa desnacionalização juntamente com a
terceirização. É preciso “reestatizar” a administração e a operação da
Petrobras. E parar com os leilões, que não têm sentido. Para o bem do país e do
povo brasileiro. (Correio da Cidadania)
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