Grande parte dos colunistas de
economia da imprensa comercial brasileira, autodenominada grande imprensa,
comete uma fraude contra os cidadãos.
Marco Piva (*) - http://cartamaior.com.br/
Grande parte dos colunistas de
economia da imprensa comercial brasileira, autodenominada “grande imprensa”,
comete uma fraude contra os cidadãos que acompanham as notícias no dia a dia.
Eles têm uma verdadeira obsessão quando tratam de assuntos da sua área: a
obsessão de acreditar que falam ou escrevem sem ideologia nenhuma, que seus
comentários são isentos, práticos e objetivos, e que só mesmo a cegueira
política não é capaz de enxergá-los como grandes pensadores críticos do país.
Ora, ter uma visão ideológica e não assumi-la é a pior forma de cinismo e de
empulhação. Essa gente não fez nem TCC no ensino médio para saber que qualquer
coisa que se diga, se fala desde um lugar, desde uma teoria de interpretação
sobre a realidade que se vê. E acreditar nos pilares do liberalismo sem freio,
na aposta que a mão invisível do mercado pode tudo, forma um conceito tão
atrasado quanto aquela regra do futebol que permitia ao goleiro segurar a bola
com a mão por quanto tempo quisesse.
Pois bem. Um dos esportes
prediletos desses colunistas de uma só forma de ver a economia é criticar os
governos ditos bolivarianos como a Venezuela, o Equador, a Bolívia e a
Argentina, não faltando tremendos esforços para incluir o Brasil na lista. A
tese vale para todos: são governos gastões, populistas, anti-iniciativa
privada, inimigos dos Estados Unidos e por aí vai. Dizem os guardiões do
pensamento do mercado que a situação nesses países vai de mal a pior por obra e
culpa dos governantes de plantão, casualmente todos eles de esquerda.
Não é que as previsões para os
demais países latino-americanos também não são nada animadoras para 2015? Vamos
pegar o exemplo de nações governadas pela direita para que a análise não seja
entorpecida. O México terá um de seus piores anos. Indústrias norte-americanas
instaladas em território mexicano estão demitindo e fechando suas portas. As
chamadas “fábricas maquiladoras”, eixo central da integração do Nafta, estão
indo se instalar em outras freguesias. O petróleo, principal receita do país,
está com a produção em baixa e preços achatados no mercado internacional. Como
entrou de sócio menor no acordo comercial com Estados Unidos e Canadá, os
mexicanos correm o risco de voltar a níveis produtivos anteriores a 1980. O PIB
deste ano está previsto para 1,0%. A pobreza e a violência só crescem.
A Colômbia, outra menina dos
olhos dos colunistas econômicos brasileiros, teve forte queda de produção e mal
ultrapassou o 1% do PIB em 2014. As previsões para esse ano são ainda mais
sombrias. Aberto desde sempre ao capital estrangeiro especulativo, o país
começa a assistir a saída desses capitais numa escala sem precedente. Pesa
ainda a desvantagem de não ter muito para onde correr, já que a produção
agrícola do país depende de commodities, cujos preços estão em baixa no mercado
internacional, sem falar do problema da violência política, ainda sem solução
definitiva.
O Peru, depois de três anos
seguidos de crescimento, viu uma marcha à ré em 2014. Sua principal riqueza, as
jazidas de minério, perdeu espaço para novos centros de produção na África e
Ásia. Sem uma indústria forte, pouco terá a oferecer para garantir emprego e
renda aos seus cidadãos.
Vamos colocar o Chile no rol dos
países mais abertos economicamente, embora tenha um governo de inspiração
esquerdista moderada. O cobre, de longe a grande cartada do país, está com
preços em queda. Os investimentos externos estão caindo para os piores níveis
da história e, o que é pior, iniciam um movimento de fuga, o que levou a
presidente Michelle Bachelet a decretar apressadamente uma nova lei de
“inversiones extranjeras”, mais liberal e sem grandes contrapartidas como a
anterior.
Nesse cenário, o Banco Mundial
destaca que a América Latina cresceu 1,0% em 2014, a média mais baixa dos
últimos 12 anos. A projeção de crescimento do PIB é de 2,4% para este ano, um
verdadeiro risco para a continuidade dos programas sociais que diminuíram em
24% a pobreza no continente. Nenhum país latino-americano ou caribenho crescerá
vigorosamente, com a única exceção da Bolívia, que ainda colhe os frutos da
nacionalização do setor de gás e energia. Então, onde está escrito que os
únicos países que estão em difícil situação econômica são aqueles cujos
governos tem ideias de esquerda? Em qual manual ficou provado que a melhor
maneira de levar a economia de uma nação é abrindo todos os flancos para o
investimento estrangeiro e para a total privatização dos setores estratégicos?
Quem disse que desenvolvimento não combina com justiça social?
Sem dúvida, falta muito para que
famosos colunistas econômicos tenham a humildade de reconhecer que, sim, falam
em nome de uma ideologia a qual devotam crença inabalável e que prestam um
desserviço aos consumidores de notícia quando emitem opiniões baseados em só um
lado da moeda. A América Latina vive uma crise econômica que é resultado da
queda brutal das commodities de matérias primas, do rearranjo do poder
econômico mundial baseado na financeirização dos ativos, da precarização de seu
parque industrial, da histórica falta de investimento em inovação e tecnologia
e do profundo ódio que os donos locais do dinheiro nutrem contra qualquer coisa
que sinalize uma pequena mudança em seu status quo.
Por isso, debater a regulação
econômica da mídia é mais do que necessário; é urgente, é “pra ontem”. Somente
assim poderemos almejar uma sociedade com mais pluralismo e mais democracia,
com cidadãos que poderão olhar criticamente uma notícia sob variados pontos de
vista e não apenas a partir da “verdade única” dos colunistas, desses
endeusadores do oráculo do mercado.
(*) Marco Piva é jornalista.
Créditos da foto: Arquivo
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