Fabio Hernandez / http://www.diariodocentrodomundo.com.br/
Eu confesso. Uma vez, há uns quatro anos, escrevi um conto
na revista Vip com outro nome: Maurice Bendrix. Bendriz é personagem do meu
romance preferido entre todos, Fim de Caso, de meu escritor também preferido
entre todos, Graham Greene.
Adorei saber que o livro foi transformado em filme por um
famoso diretor cujo nome não me lembro. Lembro apenas que fez The Crying Game.
Também esqueci o título em português do filme. Mas em compensação sei bem a
letra inteira da música que deu nome ao filme. Ela fala tão suavemente, tão
tristemente, tão lindamente de amor. “First there are kisses, then there are sighs, and then before you know
where you are, you´re saying goodbye.” Primeiro os beijos, então
suspiros, e logo o adeus. Detesto minhas digressões, mas não consigo me livrar
delas. É como se estivesse num carro desgovernado. Bem, fim da digressão.
O pseudônimo foi meu tributo sincero, mesmo que barato, a
Greene. No conto se fala de um casal prestes a se desintegrar. Uma última,
desesperada e afinal vã tentativa de acertar as coisas é feita numa viagem a
Portugal. Os dois vão certa noite ao cassino de Estoril e um deles –
francamente já não me lembro qual, e bem pode ser nenhum deles, e sim o
narrador – reflete que a única esperança para ambos é que a bola que girava na
roleta jamais parasse, jamais parasse, jamais parasse.
Nas vezes em que fui a Portugal, sempre deixei algum
dinheiro em Estoril. Na última, vi numa mesa de roleta José Saramago, ou pode
ser que fosse um sósia.
Uma bola de roleta que se paralisa: falei do conto apenas
porque queria divagar, sonhar com a possibilidade de congelar um romance no seu
melhor momento. Na véspera da queda, algumas vezes abrupta, outras mais suave,
quase todas com a peculiaridade de só serem notadas depois de já terem
percorrido um bom trecho.
Olho para trás e penso em Constanza, meu primeiro amor. Eu
queria ter parado todos os relógios do mundo quando dei, numa festa, o primeiro
beijo nela. Ou melhor: os relógios parariam segundos antes, quando me dei conta
de que ela queria que eu a beijasse. Poucas vezes, em toda a minha vida,
experimentei um gosto tão intenso, tão duradouro de triunfo como quando percebi
que os lábios de Constanza estavam ao alcance do adolescente desajeitado de
olhos sonhadores que deixei para trás. (Tenho que admitir que em outras
ocasiões eu congelaria o tempo em situações bem menos ingênuas.)
Meu ponto é que na correria desenfreada da vida moderna a
gente não encontra tempo para congelar (e depois saborear lentamente como uma
sobremesa de ovos nevados) os grandes momentos românticos que acabamos de ter.
Você nem bem termina um beijo e já está pensando no trabalho, na carreira, na
multidão de compromissos. (Isso quando o celular não interrompe o encontro das
línguas.) A vida moderna é cruel como um cossaco russo para o romance.
Maravilhosas passagens da vida romântica acabam nos
escorrendo pelas mãos no ritmo frenético da internet sem que, muitas vezes,
sequer percebamos como foram boas.
Perdemos a capacidade de parar e não fazer nada senão sonhar
com coisas singelas, como um beijo bem dado. Temos que ir para a frente, estar
sempre em movimentos, celulares ligados ininterruptamente. Quando sinto que
minhas atitudes estão se enquadrando exatamente na descrição infernal acima,
ponho para tocar uma canção do meu compositor e cantor predileto entre todos,
John Lennon. Ele fala no prazer de ver os pneus rolarem, e rolarem, e rolarem,
e não fazer nada além disso. E então me sento numa calçada e apenas observo, em
preguiçosa e muda contemplação, o movimento circular e reconfortante dos pneus
que giram pela rua.
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