No bojo das investigações da chamada Operação Lava Jato e de
todo o fervor midiático que a rodeia, já estamos vivendo um desmoronamento da
tão importante política de conteúdo local, pois a Petrobrás, pressionada pela
grande imprensa e pelo juiz Sérgio Moro, excluiu das últimas licitações mais de
vinte empresas nacionais
por João Antônio de Moraes - http://www.diplomatique.org.br/
A Petrobrás1 foi instituída por meio da Lei n. 2.004/1953,
sancionada por Getúlio Vargas após uma campanha que tomou ruas e praças do
Brasil entre 1946 e 1953. Praticamente em todos os municípios brasileiros havia
um “comitê de estudos do petróleo” que discutia o tema e mobilizava a
sociedade. Essa campanha ficou conhecida como “O petróleo é nosso”, frase
alcunhada pelo saudoso Mário Lago. Apesar de ter obtido um apoio muito
consistente, nem por isso foi unânime, tanto é que, meses depois, o presidente
se viu obrigado a tirar a própria vida, deixando registrado em sua
carta-testamento que os ataques que recebeu foram em grande parte por causa da
criação da empresa.
Paixões à parte, toda a disputa em torno do tema petróleo tem
como fundamento a necessidade quase imperiosa desse recurso natural na vida da
humanidade (55% da energia, 90% de tudo que se move, 3 mil produtos
cotidianos), mas também o retorno econômico de sua produção e processamento. Um
bem produzido a valores que dependem do contexto geológico – em média US$ 7 o
barril na Arábia Saudita e US$ 14 no Brasil –, mesmo num preço artificialmente
baixo desde o segundo semestre de 2014 (quando caiu da casa dos US$ 100 o
barril para valores em torno de US$ 50 a US$ 60), tem gerado ganhos em torno de
1.000% para os sauditas.
No entanto, neste artigo queremos focar uma questão muito
cara a nós, trabalhadores: os postos de trabalho e a renda possível graças à
utilização desse recurso como alavancador do desenvolvimento nacional. Vamos a
essa questão.
A exploração, produção, transporte e mesmo o refino de
petróleo são atividades intensas em capital, exigindo vultosos investimentos e
alta tecnologia. No entanto, os empregos gerados são, em número, pequenos e
altamente especializados. Conseguimos uma quantidade maior de postos de
trabalho nas duas pontas da cadeia produtiva, isto é, na produção dos
navios/plataformas e na indústria petroquímica/de plásticos. Assim, inúmeras
nações que possuíram ou possuem grandes reservas petrolíferas permaneceram
miseráveis, se não caíram na chamada “doença holandesa” (quando um fluxo muito
grande de moeda estrangeira resultado da exportação de bens naturais deteriora
a moeda nacional, destruindo a indústria e tudo o mais).
O Brasil, depois da confirmação pela Petrobrás da existência
do pré-sal em 2006, passou a figurar entre as nações que podem se transformar
em grandes produtores mundiais de óleo e gás, saindo da 13ª posição (2,2 mil
barris por dia – bpd) em 2012 para a quinta posição em 2030 (5,2 mil bpd). O
governo do presidente Lula, acompanhado pelo da presidenta Dilma – que já havia
sido sua ministra de Minas e Energia –, tomou diversas medidas que dialogam
diretamente com essas constatações de produção e as favorecem, sendo a primeira
delas a política de “conteúdo nacional”, além do modelo de partilha da
produção.
Num primeiro momento, o governo determinou para a Petrobrás
a prioridade nacional nas contratações dos novos navios e plataformas, depois
introduziu na regulação a exigência de compras na indústria local. Essas
medidas foram muito importantes para a geração de emprego no país. Apenas para
ilustrar, em 2002 tínhamos 2 mil postos de trabalho nos estaleiros brasileiros;
em 2014, esse número passava de 80 mil, segundo dados do Programa de
Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp). E mais:
o conteúdo nacional proporcionou 640 mil empregos com carteira assinada por
meio de investimentos da ordem de US$ 15 bilhões.
No entanto, queremos destacar que interna e externamente
temos muitos inimigos da política de conteúdo local, os quais alegam que fica
mais caro para a Petrobrás comprar no Brasil. Ainda que isso aconteça num
primeiro momento, até que a indústria percorra a curva de desenvolvimento do
conhecimento, vale a pena, pois somente assim teremos uma indústria sólida, que
poderá cumprir papel fundamental em nosso progresso econômico, científico e
social, mesmo depois que o petróleo acabar (uma vez que não há segunda safra).
No bojo das investigações da chamada Operação Lava Jato e de
todo o fervor midiático que a rodeia, já estamos vivendo um desmoronamento da
tão importante política de conteúdo local, pois a Petrobrás, pressionada pela
grande imprensa e pelo juiz Sérgio Moro, excluiu das últimas licitações –
inclusive para a construção de módulos de compressão de gás – mais de vinte
empresas nacionais, como alguns estaleiros que foram arrolados. Como sabemos
que não se criam novas empresas nacionais da noite para o dia, a consequência
será desemprego em massa e miséria aqui no nosso país, já que, sem a
participação dessas empresas nacionais, teremos nas novas licitações apenas
empresas estrangeiras, como era até 2002.
Queremos deixar muito claro que em nossa visão todo brasileiro
deve ser favorável à apuração de eventuais ilícitos e, caso comprovados, à
punição exemplar dos culpados. No entanto, as instituições devem ser
preservadas. O dano à nossa economia já está sendo muito alto, com grandes
chances de serem irreparáveis. Parece-nos insano que, por conta de alguns
poucos que erraram, todos paguem. Somos na Petrobrás 85 mil trabalhadores
diretos. Nas empresas contratadas, passamos de 300 mil. Se extrapolarmos para
fornecedores e demais envolvidos, a indústria do petróleo e gás pode estar
empregando perto de 1 milhão de honestos e dedicados trabalhadores brasileiros.
É importante destacar ainda que, apesar de existirem por
volta de cinquenta operadoras de petróleo e gás em nosso país, somente a
Petrobrás tem encomendas nos nossos estaleiros, pois as operadoras estrangeiras
privadas vêm encontrando artifícios para burlar nossa legislação e realizam as
encomendas fora do Brasil.
Ora, a Petrobrás investe mais de US$ 121 milhões por dia em
nosso país. A quem pode interessar a desmoralização desse agente econômico?
Sabemos que a oposição partidária não esconde de ninguém seu
desejo de acabar com o modelo de partilha e retomar para o pré-sal o nefasto
modelo de concessões, que impede a política de conteúdo nacional e cria,
inclusive, muitas dificuldades para destinação dos royalties e do fundo social
(50% para a educação e 25% para a saúde). Tanto é que o senador Aloysio Nunes
protocolou projeto de lei no Senado Federal para a extinção do modelo de
partilha; diga-se de passagem, promessa de campanha às multinacionais dos
candidatos José Serra (2002), Geraldo Alckmin (2006) e Aécio Neves (2014) à
Presidência da República.
Ao contrário da elite econômica que pode viver em Miami,
Paris, Nova York etc., nós, trabalhadores, temos nossos compromissos atrelados,
irremediavelmente, ao nosso país. Por isso lutaremos com toda a nossa energia e
com as organizações que construímos, FUP, CUT e diversos movimentos sociais,
para não permitirmos que solapem mais um ciclo econômico, dessa vez o do pré-sal,
como já fizeram com o ouro, o ferro e outros recursos naturais, colocando-os à
disposição de agentes estrangeiros e destruindo a possibilidade de um
desenvolvimento e de um futuro justo para todos os brasileiros.
Nossos pais e avós fizeram a campanha “O petróleo é nosso”
para a criação da maior empresa do país. Nós defenderemos a Petrobrás e o
pré-sal, afinal: “Defender a Petrobrás é defender o Brasil”.
João Antônio de Moraes
*João Antônio de Moraes é diretor de relações internacionais
e movimentos sociais da FUP/CUT.
Ilustração: Daniel Kondo
1 A palavra Petrobrás
está acentuada como forma de afirmação da posição do movimento sindical
petroleiro em defesa da empresa enquanto pública e eminentemente brasileira.
Essa foi uma decisão tomada em 2002 para contrapor a mudança no nome da
empresa. Recordando, em 1994, a logomarca da estatal foi modificada e a palavra
Petrobrás perdeu o acento. O modelo neoliberal de governo e gestão das empresas
públicas impôs ao longo de toda a década de 1990 a abertura e
internacionalização da Petrobrás. E na língua inglesa não existe acento.
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