Semana
após semana, o nó das negociações estrangula progressivamente o governo grego.
Altos dirigentes europeus já explicaram que nenhum acordo será possível com o
primeiro-ministro Alexis Tsipras enquanto ele não “romper com a ala esquerda de
seu governo”. A Europa, prega solidariedade, só a oferece aos conservadores?
por
Stelios Kouloglou / http://www.diplomatique.org.br/
Em
Atenas, “tudo muda e tudo continua do mesmo jeito”, como diz uma canção
tradicional grega. Quatro meses depois da vitória eleitoral do Syriza, os dois
partidos que governaram o país desde a queda da ditadura – o Movimento
Socialista Pan-Helênico (Pasok) e a Nova Democracia (direita) – estão
totalmente descreditados. O primeiro governo de esquerda radical da história do
país desde o “governo das montanhas”,1 nos tempos da ocupação alemã, goza de
grande popularidade.2
No
entanto, ainda que ninguém mencione mais o nome da detestada Troika, por ser a
responsável pelo desastre econômico atual, as três “instituições” – Comissão
Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) –
continuam sua política. Ameaças, chantagem, ultimatos: uma nova troika impõe ao
governo do novo primeiro-ministro, Alexis Tsipras, a austeridade que seus
predecessores aplicavam docilmente.
Com
uma produção de riqueza amputada em um quarto desde 2010 e uma taxa de
desemprego de 27% (mais de 50% para os jovens de até 25 anos), a Grécia conhece
uma crise social e humanitária sem precedentes. Mas, a despeito do resultado
das eleições de janeiro de 2015, que deram a Tsipras um mandato claro para
acabar com a austeridade, a União Europeia continua dando ao país o papel de
mau aluno punido pelos professores severos da escola de Bruxelas. O objetivo?
Desencorajar os eleitores “sonhadores” da Espanha ou de outros lugares que
ainda acreditam na possibilidade de governos opostos ao dogma germânico.
A
situação lembra a do Chile no início dos anos 1970, quando o presidente
norte-americano Richard Nixon se empenhou em derrubar Salvador Allende para
impedir que transbordamentos similares acontecessem em outros pontos do quintal
norte-americano. “Façam a economia gritar!”, ordenou. Quando isso aconteceu, os
tanques do general Augusto Pinochet ocuparam o posto...
O
golpe de Estado silencioso que está acontecendo na Grécia bebe numa fonte mais
moderna – das agências de classificação de risco às mídias, passando pelo BCE.
Uma vez que a situação está instalada, só restam duas opções ao governo
Tsipras: deixar-se estrangular financeiramente, se ele persistir querendo
aplicar seu programa, ou renegar suas promessas e cair, abandonado por seus
eleitores.
É
justamente para evitar a transmissão do vírus Syriza – a doença da esperança –
para o resto do corpo europeu que o presidente do BCE, Mario Draghi, anunciou
em 22 de janeiro de 2015, ou seja, três dias antes das eleições gregas, que o
programa de intervenção de sua instituição (de acordo com o qual o Banco
Central compra todo mês 60 bilhões de euros em títulos da dívida dos Estados da
zona do euro) só seria acordado com a Grécia sob certas condições. O elo fraco
da zona do euro, o que mais necessita de ajuda, só receberia apoio se se
submetesse à tutela de Bruxelas.
Ameaças
e previsões sombrias
Os
gregos são cabeça-dura. Eles votaram no Syriza, obrigando o presidente do
Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, a chamá-los à ordem: “Os gregos devem
compreender que os problemas mais importantes de sua economia não desapareceram
pelo simples fato de que uma eleição aconteceu” (Reuters, 27 jan. 2015). “Não
podemos abrir uma exceção para tal ou tal país”, confirmou Christine Lagarde,
diretora-geral do FMI (The New York Times, 27 jan. 2015), enquanto Benoît
Coeuré, membro do diretório do BCE, acrescentava: “A Grécia deve pagar, essas
são as regras do jogo europeu” (The New York Times, 31 jan./1º fev. 2015).
Uma
semana depois, Draghi demonstrava que também sabia “fazer a economia gritar” no
seio da zona do euro: sem a menor justificativa, ele fechou a principal fonte
de financiamento dos bancos gregos, substituída pela Emergency Liquidity
Assistance (ELA), um dispositivo mais custoso que devia ser renovado a cada
semana. Em suma, ele colocava uma ameaça constante na cabeça do governo.
Acompanhando-o, a agência de classificação Moody’s anunciava que a vitória do
Syriza “influenciava negativamente as perspectivas de crescimento” da economia
grega (Reuters, 27 jan. 2015).
A
possibilidade do Grexit (a saída da Grécia da zona do euro) e da falta de
pagamento voltava à ordem do dia. Apenas dois dias depois das eleições de
janeiro, o presidente do Instituto Alemão para a Pesquisa Econômica, Marcel
Fratzscher, ex-economista do BCE, explicava que Tsipras jogava “um jogo
perigoso”: “Se as pessoas começam a achar que ele é realmente sério, podemos
assistir a uma fuga maciça dos capitais e a uma corrida para os bancos. Estamos
no ponto em que uma saída do euro se tornou possível” (Reuters, 27 jan. 2015).
Exemplo perfeito de profecia autorrealizadora que levou a agravar ainda mais a
situação econômica de Atenas.
O
Syriza dispunha de uma margem de manobra limitada. Tsipras tinha sido eleito
para renegociar as condições vinculadas à “ajuda” da qual seu país se
beneficiava, mas, dentro da zona do euro, a ideia de uma saída não contava com
o apoio majoritário junto à população. Esta foi convencida pelas mídias gregas
e internacionais que um Grexit constituiria uma catástrofe de amplitude
bíblica. Mas a participação na moeda única toca em outras cordas,
ultrassensíveis, no caso.
Desde
sua independência, em 1821, a Grécia balançou entre seu passado no seio do
Império Otomano e a “europeização”, um objetivo que, aos olhos tanto das elites
quanto da população, sempre significou a modernização do país e sua saída do
subdesenvolvimento. A participação no “núcleo duro” da Europa deveria
materializar esse ideal nacional. Durante a campanha eleitoral, os candidatos
do Syriza se sentiram, então, obrigados a sustentar que a saída do euro
constituía um “tabu”.
No
centro da negociação entre o governo Tsipras e as “instituições”, está a
questão das condições fixadas pelos credores: os famosos memorandos, que, desde
2010, obrigam Atenas a aplicar políticas de austeridade e de tarifação
devastadoras. Mais de 90% dos empréstimos dos credores voltam para eles
diretamente – às vezes no dia seguinte! –, já que eles recebem o reembolso da
dívida. Como resumiu o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que reclama um
novo acordo com os credores, “a Grécia passou os últimos cinco anos vivendo
para o empréstimo seguinte, como o drogado que espera sua próxima dose” (1º
fev. 2015).
No
entanto, como o não reembolso da dívida equivale a um “evento de crédito”, quer
dizer, uma espécie de bancarrota, o desbloqueio da dose é uma arma de chantagem
muito poderosa na mão dos credores. Em teoria, já que os credores precisam ser
reembolsados, poderíamos imaginar que Atenas dispõe de uma alavanca de
negociação importante – salvo que a ativação dessa alavanca teria levado o BCE
a interromper o financiamento dos bancos gregos, provocando o retorno à dracma.
Não
há nada de espantoso, então, no fato de que, apenas três semanas depois das
eleições, os dezoito ministros das Finanças da zona do euro tenham enviado um
ultimato ao 19º membro da família europeia: o governo grego devia aplicar o
programa transmitido por seus predecessores ou quitar suas obrigações
encontrando dinheiro em outro lugar. Nesse caso, concluía o New York Times,
“muitos agentes do mercado financeiro pensam que a Grécia não tem outra escolha
a não ser deixar o euro” (16 fev. 2015).
Para
escapar aos ultimatos sufocantes, o governo grego solicitou uma trégua de
quatro meses. Ele não reclamou o depósito de 7,2 bilhões de euros, mas esperava
que durante o cessar-fogo as duas partes conseguiriam chegar a um acordo
incluindo medidas para desenvolver a economia, depois para resolver o problema
da dívida. Seria inábil derrubar tão cedo o governo grego; os credores então
aceitaram.
Atenas
pensava poder contar – pelo menos provisoriamente – com as somas que entrariam
nos caixas. O governo esperava dispor, nas reservas do Fundo Europeu de
Estabilidade Financeira, de 1,2 bilhão de euros não utilizados no processo de
recapitalização dos bancos gregos, assim como de 1,9 bilhão que o BCE tinha
ganho sobre as obrigações gregas e prometido restituir a Atenas. Mas, no meio
de março, o BCE anunciava que não restituiria esses ganhos, enquanto os
ministros do Eurogrupo decidiam não apenas não depositar a soma, mas ainda
transferi-la para Luxemburgo, como se temessem que os gregos se tornassem
ladrões de banco! Inexperiente, não esperando manobras desse tipo, a equipe de
Tsipras tinha aceitado o acordo sem exigir garantias. “Ao não pedirmos o acordo
por escrito, cometemos um erro”, reconheceu o primeiro-ministro em uma
entrevista ao canal de televisão Star, em 27 de abril de 2015.
O
governo continuava a gozar de uma grande popularidade, a despeito das
concessões que fez: não voltar atrás nas privatizações decididas pelo governo
precedente, adiar o aumento do salário mínimo e aumentar ainda mais o imposto
sobre o consumo, a taxa sobre o valor acrescido (TVA). Berlim então lançou uma
operação visando desacreditá-lo. No final de fevereiro, a Der Spiegel publicava
um artigo sobre as “relações torturadas entre Varoufakis e Schäuble” (27 fev.
2015). Um dos três autores era Nikolaus Blome, recentemente transferido do Bild
para a Der Spiegel e herói da campanha realizada em 2010 pelo jornal contra os
“gregos preguiçosos”.3 O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que –
fato raro na história da União Europeia, mas também da diplomacia internacional
– ironizava publicamente seu homólogo grego, qualificando-o de “estupidamente
ingênuo” (10 mar. 2015), era apresentado pela revista alemã como um sísifo
bem-intencionado, desolado pelo fato de que a Grécia se encontrava condenada a
fracassar e abandonar a zona do euro. A menos que, insinuava o artigo,
Varoufakis fosse demitido de suas funções.
Enquanto
vazamentos de informações, previsões obscuras e ameaças se multiplicavam,
Dijsselbloem movia um novo peão, declarando no New York Times que o Eurogrupo
examinava a eventualidade de aplicar à Grécia o modelo adotado em Chipre, ou
seja, uma limitação dos movimentos de capitais e uma redução dos empréstimos
(19 mar. 2015)... Tal anúncio dificilmente pode ser interpretado de outra forma
que não uma tentativa – infrutífera – de provocar pânico bancário. Enquanto o
BCE e Draghi apertavam ainda mais a corda no pescoço, limitando as
possibilidades de os bancos gregos se financiarem, o Bild publicava uma
pseudorreportagem sobre uma cena de pânico em Atenas, não hesitando em
manipular uma foto banal de aposentados fazendo fila diante de um banco para
sacar sua aposentadoria (31 mar. 2015).
No
final de abril, a operação de Berlim deu seus primeiros frutos. Varoufakis foi
substituído por seu adjunto, Euclide Tsakalotos, para as negociações com os
credores. “O governo deve enfrentar um golpe de Estado de um novo tipo”,
declarou então. “Nossos agressores não são mais, como em 1967, os tanques, mas
os bancos” (21 abr. 2015).
Por
enquanto, o golpe de Estado silencioso atingiu apenas um ministro. Mas o tempo
trabalha para os credores. Estes exigem a aplicação da receita neoliberal. Cada
um com sua obsessão. Os ideólogos do FMI pedem a desregulamentação do mercado
de trabalho, assim como a legalização das demissões de massa, que prometeram
aos oligarcas gregos, proprietários dos bancos. A Comissão Europeia – em outras
palavras, Berlim – reclama a continuidade das privatizações que podem
interessar às empresas alemãs, e isso ao menor custo possível. Na lista
interminável das vendas escandalosas, destaca-se aquela, efetuada pelo Estado
grego em 2013, de 28 prédios que ele continua utilizando. Durante os próximos
vinte anos, Atenas deverá pagar 600 milhões de euros de aluguel aos novos
proprietários, ou seja, quase o triplo da soma que recebeu pela venda – e que
foi revertida diretamente aos credores...
Em
posição de fraqueza, abandonado por aqueles de quem esperava apoio (como a
França), o governo grego não pode resolver o principal problema que o país enfrenta:
uma dívida insustentável. A proposta de organizar uma conferência internacional
similar à de 1953, que dispensou a Alemanha da maior parte das reparações da
guerra, abrindo o caminho para o milagre econômico,4 foi afogada num mar de
ameaças e ultimatos. Tsipras se esforça para obter um acordo melhor do que os
precedentes, mas este ficará com certeza distante de seus anúncios e do
programa votado pelos cidadãos gregos. Jyrki Katainen, vice-presidente da
Comissão Europeia, foi muito claro a esse respeito desde o dia seguinte às
eleições legislativas: “Não mudamos de política em função de eleições” (28 jan.
2015).
As
eleições têm então um sentido se um país que respeita o essencial de seus
engajamentos não tem o direito de mudar no que quer que seja sua política? Os
neonazistas da Aurora Dourada dispõem de uma resposta pronta. Podemos excluir o
fato de que eles se beneficiam mais de um fracasso do governo Tsipras do que os
partidários de Schäuble em Atenas
Stelios
Kouloglou
Stelios
Kouloglou, jornalista e documentarista, é deputado europeu independente, eleito
pela lista do Syriza.
Ilustração:
Bisso
1 Ler Joëlle Fontaine, “Il nous faut
tenir et dominer Athènes” [É preciso aguentar e dominar Atenas], Le Monde diplomatique,
jul. 2012.
2 Segundo uma sondagem de 9 de maio
publicada pelo jornal Efimerida ton Syntakton, 53,2% da população julga
“positiva” ou “em parte positiva” a política do governo.
3 Ler Olivier Cyran, “‘Bild’ contre les
cyclonudistes” [Bild contra os ciclonudistas], Le Monde diplomatique, maio
2015.
4 Ler Renaud Lambert, “Dette, un siècle
de bras de fer” [Dívida, um século de queda de braço], Le Monde diplomatique,
mar. 2015.
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