Em questões estruturais, traços
essenciais do 'modelo' que vinha sendo ensaiado no Brasil estão ameaçados.
André Biancarelli - Brasil Debate
/ www.cartamaior.com.br
Além da crise política que se
amplia a cada semana, o segundo semestre de 2015 no Brasil se inicia com um
quadro econômico angustiante. À exceção da ligeira melhora nas contas externas
(cujas razões não deveriam ser motivo para comemoração), todos os indicadores
estão piores do que há seis meses: PIB, produção industrial, investimento,
inflação, desemprego, renda, níveis de confiança.
E a quase todos eles faltam
motivos para melhora no curto prazo. As contas públicas, alvo mais explícito da
guinada na política econômica, continuam surpreendendo negativamente, e ninguém
mais de fato acredita que as metas neste campo serão cumpridas.
O desastre da opção ortodoxa, da
forma como foi feita, não era tão difícil de prever cerca de um ano atrás. A
falta de demanda efetiva e de horizonte de crescimento é clara, mas há outra
face muito importante nos problemas econômicos atuais.
Em algumas questões estruturais
estão ameaçados traços essenciais do “modelo” que vinha sendo ensaiado no
Brasil. E nestes, ao contrário da gestão macro, o segundo governo Dilma (ou
parte dele) não parece ter jogado a toalha completamente. Daí o provável quadro
de impasses à frente. São pelo menos quatro frentes de batalha.
A primeira delas é o petróleo.
Ninguém a sério poderia ter dúvidas sobre a centralidade da exploração do
pré-sal para o futuro do Brasil. E não apenas do ponto de vista da geração de
divisas, receitas fiscais ou do financiamento da saúde e educação. Essa é a
nossa grande chance de desenvolvimento – entendido como sofisticação da
estrutura produtiva– mas, para isso, precisa ser bem governada, sob o risco de
repetir a “maldição dos recursos naturais” vista em outros países. Tanto o
modelo de partilha quanto as exigências de conteúdo nacional são dois
ingredientes críticos nesta governança.
Não por acaso, estão sob forte
questionamento, inclusive por personagens que por vezes se apresentam como
“desenvolvimentistas”. Assim como o já prolongado ataque à Petrobras enquanto
exploradora principal desta riqueza.
Apesar de todos os problemas da
empresa, dos interesses envolvidos e de opiniões no mínimo dúbias (inclusive do
ministro da área), a diretriz oficial não parece ter sido trocada – e isso vem
sendo reiterado nos discursos presidenciais e mesmo na delicadíssima troca do
presidente da estatal, meses atrás. Há concessões e replanejamentos sendo
feitos, mas não se pode dizer que o governo tenha abraçado a agenda liberal
para o petróleo.
O segundo dilema também se refere
ao papel do Estado, mas no setor financeiro. Há mais de uma década economistas
liberais e porta-vozes do setor privado aprimoram e repetem os argumentos
contra a atuação dos bancos públicos, particularmente o BNDES. Isso a despeito
(ou por causa) do importante papel anticíclico que desempenharam em 2009/10 e
da pressão concorrencial que exerceram para a redução do custo do crédito.
Além dos subsídios implícitos e
das supostas distorções causadas (em um setor que nunca cumpriu a tarefa de
financiar o longo prazo), hoje são muito mencionadas a transparência e o
favorecimento a setores de engenharia – responsáveis pelo único item da conta
de Serviços do Balanço de Pagamentos que apresenta superávit significativo e
duradouro.
A já encomendada “CPI do BNDES”,
um dos últimos lances do espetáculo surreal que têm sido as relações entre
Executivo e Legislativo, tem como óbvio objetivo de fundo enfraquecer ainda
mais o banco.
Mas novamente aqui o governo, a
despeito do ritmo menor da expansão do crédito público, do aumento na TJLP e
até de um flerte inicial com a abertura de capital da Caixa Econômica Federal,
não abraçou por completo a agenda liberal. Até por isso o tema segue em pauta.
O terceiro item da lista é a
inserção externa. Se é verdade que a diplomacia sob Dilma sofreu nítido
rebaixamento de importância em relação à vitoriosa ousadia de seu antecessor,
aparecem alguns sinais alvissareiros.
Há uma bem organizada – e muito
vocalizada, inclusive e novamente por alguns ministros– agenda de abertura
comercial que rejeita a integração regional e ambiciona tratados de livre
comércio com Europa e Estados Unidos. Porém, surgem contrapontos importantes
nas iniciativas financeiras do grupo BRICS e nas promessas de investimentos
chineses em infraestrutura. E a América do Sul voltou a pontuar algumas falas e
eventos presidenciais.
A política externa em alguma
medida recuperou protagonismo, e se for bem trabalhada, pode render frutos
econômicos importantes, num cenário global difícil e no qual o comércio
exterior é visto como uma das poucas alternativas para a retomada. Mesmo que
não seja assim, há muito o que se fazer nessa área além de repetir platitudes
sobre “cadeias globais de valor” ou vantagens comparativas.
Por último, e até mais
importante, aparecem as consequências sociais da estratégia de ajuste
macroeconômico. Para dar certo, o forte ajuste fiscal combinado com forte
correção de tarifas e desvalorização cambial, evidentemente, conta com a
elevação do desemprego e a queda na renda real. A redução no custo do trabalho
é o objetivo principal, mas nem sempre explicitado, da aposta para uma eventual
recuperação do dinamismo.
Isto é a negação pura e simples
do caráter distributivo que dava especificidade ao “desenvolvimentismo” de Lula
e Dilma, e por isso mesmo tem chances muito pequenas de ser levado às últimas
consequências por este governo. A reação da própria presidenta na recente
entrevista à Folha de S. Paulo é reveladora: “o meu (ajuste) não é igual ao
deles não. Eu não cortei salário real”.
Está cortando, e de maneira
surpreendentemente acelerada, mas os limites políticos disso são óbvios. E suas
consequências são bem mais importantes do que injustiças cometidas em algumas
das medidas do ajuste.
Em suma, o argumento é o de que
há mais do que opções conjunturais em disputa neste dificílimo início de
segundo governo Dilma. Nos quatro temas estruturais comentados, apesar de
sinais dúbios e enormes pressões, a partida não está decidida, e é possível
enxergar pelo menos tentativa de resistência e de fidelidade ao projeto que
venceu quatro eleições presidenciais seguidas.
Tal como sua contraparte
heterodoxa de algumas décadas atrás, tudo indica que a ortodoxia desastrada –
por uma questão de inviabilidade objetiva, já clara pra quem quer enxergar –
deve ser em breve, pelo menos, amenizada.
Nas questões de fundo, também com alguma semelhança em relação aos anos
1980, a situação é de indefinição sobre os rumos do desenvolvimento.
É claro que estes dilemas seriam
rapidamente superados se, nas próximas semanas ou meses, prosperar alguma das
variantes de golpismo em ação no triste cenário político atual. Neste sentido
espera-se que, se o governo Dilma sobreviver, consiga evitar uma outra
repetição: a da mudança de rumo verificada na década de 1990.
Créditos da foto: Edilson
Rodrigues/Agência Senado
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