Apelo para o livro de Sennet para
dizer que a discussão sobre as formas de sair de uma crise é também a análise
sobre a sociedade a ser construída.
Tarso Genro / www.cartamaior.com.br
Um livro do jornalista inglês
James Buchan, “O autêntico Adam Smith”, que não li e cito-o apenas para
demonstrar que certas polêmicas de hoje são bastante antigas, afirma que a obra
de Smith “A Riqueza das Nações” (1776) é alvo de muita “mistificação dos
economistas e da simplificação dos políticos”. O jornalista escritor diz que
Adam Smith não serve para ser apontado como “pai do neoliberalismo”, nem era
-aquele tranquilo e rotineiro escocês- insensível em termos sociais.
Na verdade, a obra de Smith,
estudada profundamente por Marx e influenciada por Thomas Hobbes e John Locke,
deve ser apreciada no contexto histórico em que foi escrita. Principalmente em
relação à contraposição que fazia às amarras feudais, que ainda bloqueavam o
desenvolvimento do capitalismo triunfante, necessitado de intensificar a exploração
do trabalho para avançar na modernização da sociedade burguesa.
Esta nova sociedade trazia
consigo, à época, as luzes democráticas da Revolução Francesa em conjunto com
os navios negreiros, que ainda cruzavam os mares e que, de certa forma, poderiam
ser considerados uma metáfora do seu futuro. A mesma sociedade que erigia as
placas de recrutamento, nas manufaturas de Manchester, chamando crianças de
cinco anos para trabalhar no inferno das manufaturas inglesas. Este era,
naquela época, o significado prático do “liberalismo”. Ao mesmo tempo
revolucionário, em termos econômicos, e profundamente hostil aos pobres e aos
trabalhadores, de todas as raças, que morriam com pouco mais de trinta anos nos
porões da sociedade industrial.
Não é de pasmar, portanto, que
quando o autor de “A Riqueza das Nações” apela para os “interesses pessoais dos
indivíduos”, para promover o crescimento da sociedade a partir do seu desejo de
enriquecer, ele identifique principalmente estes interesses -como ambição de
riqueza- no dono da mercearia e no dono da padaria. São aqueles indivíduos
proprietários, “movidos por interesses”, que chamam a sua atenção como motores
do progresso. Não os trabalhadores ou “jornaleiros”, seus empregados, que não
tinham fisionomia social e política definida. Nem eram portadores de demandas
com força política suficiente para serem incorporadas nas teorias econômicas.
Essa tarefa é cumprida, mais tarde, depois de aberta por David Ricardo, por
Karl Marx, ambos respeitosos leitores e estudiosos de Adam Smith.
É natural que as interpretações
das grandes obras marcantes no mundo científico e intelectual mudem no tempo,
pois o significado dos conceitos vai também se desnudando na História. As
interpretações sobre a Bíblia Sagrada, sobre o Alcorão, sobre as obras de Marx,
sobre o pensamento de Keynes e Ricardo, também sofreram -ao longo de décadas- o
padecimento de vozes autorizadas (ou privilegiadas), em cada tempo histórico.
As polêmicas travadas a respeito
das questões, por exemplo, que envolvem Estado e Mercado são muito antigas, mas
incidem nos dias de hoje sobre teses “prontas” de forças políticas diferentes,
que não pensam de forma idêntica às que e apareceram em outras épocas.
Debate-se, em cada crise, é verdade, praticamente os mesmos temas, tais como
sobre como lidar com as questões da dívida pública, qual a função do Estado e
do Mercado e como, teoricamente, melhor promover ou restaurar aquilo que Smith
chamou de “riqueza das nações”, ou das regiões, a partir do lugar geográfico e
social, que os sujeitos as enxergam. Mas estes debates travam-se com conceitos
já adaptados, por experiências novas de Governo, por novas teorias e fórmulas
doutrinárias e, também, coagidos por interesses contrapostos, de grupos e
classes sociais, que já se movem de formas diferentes, comparativamente a
épocas anteriores. Discutir o liberalismo, hoje, depois dos efeitos de longo
prazo da Revolução Americana, da Revolução Mexicana, das experiências da
social-democracia, do apogeu e queda da Revolução Russa, da Revolução Cubana e
das ditaduras latino-americanas, é diferente do que discuti-lo somente à luz
dos textos de Smith e das críticas de Marx.
Assim, quando se fala em “novo
liberalismo”, ou mais propriamente, “neoliberalismo” – embora no terreno
político este conceito possa aparecer como um ataque sem fundamento”- (como uso
da palavra “socialista” ou “comunista”, pode também aparecer como “ofensa”) na
verdade está se remetendo para toda uma experiência histórica que, para ser
alvo de uma discussão verdadeira, deve ser ligada aos dramas do presente. Assim
como a burguesia “clássica” industrial, não é mais a mesma –hoje ela está
fundida no capital financeiro ou é tributária deste- os trabalhadores também
não são mais os mesmos da época de Smith e Marx. O capitalismo não é mais o
mesmo e o socialismo e a democracia não são mais os mesmos.
O que se verifica, porém,
infelizmente, é que as relações comerciais, os intercâmbios culturais e as
relações entre os povos, tornaram-se menos “controlados” pelos processos
políticos e mais subjugados à força coercitiva do capital. Tal estado da arte
impede uma visibilidade maior de novas alternativas, que não seja a do império
desta força, como se viu recentemente na Grécia. E o manejo das questões do
Mercado e da dívida -em torno das quais giram os assuntos de maior relevo do
Estado- continuam asfixiando as ex-colônias, tornadas países soberanos sem
soberania: países com pouco sentimento de pertencimento nacional autêntico, na
ampla maioria do povo. A força da política, da Lei e do Direito, portanto,
torna-se secundária, comparativamente à força avassaladora das normas
financeiras ditadas pelos Bancos Centrais, verdadeiros centros do poder
institucional em cada país. Isso degrada a política e despotencializa a
discussão de alternativas para a consolidação da nação.
As grandes lutas
anticolonialistas, que se desenvolveram nos séculos 19 e 20, já com o
capitalismo industrial em acelerada modernização, enfrentaram, depois das
independências nacionais, os legados de dependência do sistema colonial, embora
as ex-colônias já tivessem adquirido soberania jurídica. Esta disputa, herdada
do velho colonialismo e do sistema colonial-imperial perdura até hoje, no
conflito entre a extorsão promovida pelo capital financeiro (através da
manipulação da dívida pública), de um lado, e, de outro, a ampla maioria da
população miserável, (que precisa de Estado para garantir direitos) sem os
quais a riqueza e a identidade da nação lhes é indiferente.
Depois das independências
nacionais foram iniciadas, em todas as partes do globo, as disputas para a
estruturação dos novos Estado Nacionais, enfrentando a resistência imperial,
cujo suporte social interno foi formado pela parte mais poderosa das novas
elites nacionais nos países já formalmente soberanos. Depois, estes sucessivos
governos nacionais soberanos, tiveram que enfrentar o manejo da dívida pública,
que não é de hoje (sempre foi), a questão mais problemática da soberania concreta
do Estado Nacional, para controlar o território e também dominar a economia, no
território, para implementar políticas de coesão interna, promotoras da
identidade nacional moderna.
Com posições certas ou erradas
(dependendo do lugar de quem olha) venho aprendendo e debatendo estas questões
de maneira intensa desde o início dos anos 80, buscando os seus reflexos, não
só no terreno do Direito, mas também na esfera da política e do Estado. Sempre
me fixei em dois horizontes neste debate: primeiro, como substituir a proposta
nacionalista, tradicional de esquerda, que baseava sua visão numa economia
“fechada” para o mundo, que visivelmente não tinha mais futuro fundamentando
uma visão de “cooperação interdependente com soberania”, possibilitada pela
diversidade dos novos blocos econômicos globais, que já se formavam nos anos
80.
Em segundo lugar sempre procurei
imaginar como “separar” a dívida real da dívida “ficta”, especulativa, produto
da manipulação dos juros no sistema financeiro global, sistema que, pela força
da sua persuasão política e chantagem material, subjugou os Estados e dominou
ideológica e burocraticamente os Bancos Centrais, permitindo que os próprios
credores promovessem as políticas monetárias.
Faço esta advertência, não para
convencer alguém, já fixado em seus pontos-de-vista, que temos razão em relação
às ideias que defendemos aqui no Estado, sobre o nexo entre o “tratamento da
dívida pública” e o “desenvolvimento social e econômico”, de uma região ou de
um país. Faço-o para ressalvar que os debates sobre estas questões, só tem
algum sentido se forem feitos também fora do circuito fechado de um orçamento
público regional, pois, com estes limites, a saída será sempre “cortar”
políticas sociais, serviços públicos e arrochar salários. Este debate é um
debate já secular sobre a natureza e as funções do Estado Moderno, que vem
adquirindo formas novas, tanto pela agressividade do capital financeiro
globalizado, como pelo nível de extorsão que ele já exige das ex-colônias de
todos os continentes hoje juridicamente soberanas.
Os temas do Brasil, do Rio
Grande, da Grécia, do Egito, da Argentina são, fundamentalmente, os mesmos:
Estado, dívida, Mercado, Democracia. As políticas meramente orçamentárias, para
adaptar os orçamentos às crises são as mesmas, com outros nomes, desde a
formação dos novos países, ex-colônias, que sempre aumentaram, tanto a dívida
monetária como dívida pública social, que se transforma, mais tarde, em nova
dívida monetária.
Vejam a analogia que é possível
fazer, por exemplo, da Grécia de hoje com o Egito do fim do Século 19, quando o
“Quediva” Ismael Paxá, renuncia ao governo do país e logo após, “em 1880, (é)
declarada a moratória nacional. Em 1881, foi criado pelos credores o Comitê de
Administração da Dívida, que assumiu a tutela do fisco e das finanças egípcias.
Mas, apesar disto, em 1882, as tropas inglesas invadiram o Egito em nome dos
credores, transformando o país numa colônia, e depois num protetorado militar,
que durou até 1952.”1 Aqui no Brasil, esta ação imperial-colonial está
representada pela “intervenção do Banco Central, podadora da capacidade de
investimento da Petrobrás, impedindo o BNDES de financiá-la: medida reprovável,
coerente com a tradição do BACEN, hostil às atividades produtivas, e
determinante do eterno desequilíbrio das contas públicas, através da política
de juros exorbitantes.”2 Este processo econômico-financeiro e o debate a ele
vinculado, para uma geração inteira, é recente, mas para a vida política de um
indivíduo é um longo período.
Em novembro de 1986 eu remetia ao
professor Roberto Lyra Filho, um dos trabalhos que escrevera sobre as relações
do Direito com a nova economia global do capital financeiro e recebia dele, por
carta que guardo até hoje, um estímulo para continuar pesquisando e trabalhando
nesta direção. Suas palavras, taxando meu texto de “arguto, estimulante e
erudito” -o que certamente era um exagero determinado pela nossa colaboração
intelectual e amizade- até hoje me calam fundo, quando as releio nos momentos
em que o massacre midiático, em defesa do “caminho único”, se torna mais
agressivo. Destas lições de Roberto Lyra Filho, entre outras, cresceu o meu
interesse em tentar formular novos nexos entre Direito e Política, através de
uma crítica inclusive aos limites do velho Direito do Trabalho, para ser
eficiente como sistema protetivo no novo capitalismo “informático”, para usar
uma expressão cara a Adam Schaff.
Dentre outras opiniões que pedi,
desta feita sobre assuntos que versavam sobre a “questão democrática” e a sua
relação com a questão do socialismo -sobre as quais eu começara a escrever já
na década de 90- estava a opinião do professor Alain Touraine. Ele me estimulou
continuar estudando o vínculo da “crise da democracia” com a ditadura do
capital financeiro dizendo-me em carta de junho de 1997: “Li com muito
interesse o documento que me enviou em espanhol e inglês. Parece-me muito
acertado seu ponto de vista sobre a necessidade de repensar, de maneira nova e
global, o terreno da política, frente ao triunfo atual do capital financeiro
internacionalista”(…) “O tema da cidadania toma uma força nova e um significado
mais amplo que teve há dois séculos atrás”(…) “Sem partidos políticos
estruturados e sem movimentos sociais e de opinião, autônomos e
representativos, é impossível dar vida ao espaço político”. Deste intercâmbio
com o professor Touraine e outras cabeças privilegiadas com as quais tive a
sorte de dialogar, nasceu a ideia dos Conselhos de Desenvolvimento Econômico e
Social.
Em agosto de 1997, Raymundo
Faoro, para quem eu mandara o trabalho “Reflexão Preliminar sobre a influência
do neoliberalismo no Direito”, publicado em livro e pela revista “Direito em
Debate” n.10 (Unijui), depois de nominar o ensaio como “um trabalho pioneiro”,
inaugurando “um debate até então circunscrito e fechado na economia”,
responde-me de maneira taxativa: “Impressionou-me que V. foi capaz de abrir um
campo de combate à praga política pós-keynesiana e pós-marxista, de um fato que
seus ex-seguidores não ousam chamar pelo nome. Na inundação neoliberal, na qual
estamos submergindo, expandindo cruelmente o número já inadmissível dos
excluídos, temos usado de pouca racionalidade e de muita indignação emocional,
o que facilita a sua penetração. V. sugere uma estratégia política que é também
um caminho jurídico.” Das indicações de Raymundo Faoro tentei, confesso que às
duras penas, suprimir uma certa emoção, que ainda permeava meus textos de
crítica ao projeto do novo liberalismo, orientando-os mais para indicações
propositivas para superá-lo.
É óbvio que o apelo à autoridade
intelectual destas figuras emblemáticas do nosso tempo não encerra a discussão,
nem é, frequentemente, instrumento de convencimento. Serve, porém, para
demonstrar que este debate não é de hoje e que jamais o campo político a que
pertenço no Estado, “improvisou” suas ações e posturas no Governo, o que ajudou
a configurar diferentes campos políticos com programas coerentes sobre como
“sair da crise”. E digo “coerentes” sem maldade, pois a coerência deve ser
medida pelos atos de Governo, não por discursos, embora, às vezes, os atos
possam conflitar, não com o “dito”, mas com a cautela política do “não dito”.
Estes dois campos tornaram-se
claros e se formaram em função de interesses mais, ou menos legítimos, como
reflexos das medidas dos cinco últimos governos gaúchos: os empresários que tem
seus serviços e obras reduzidas ou não pagas, os servidores públicos atingidos
pelas restrições salariais, os empresários que dependem de estímulos
financeiros para desenvolver os seus negócios e empresas para aumentar a oferta
de emprego, os agricultores que precisam de estímulos e projetos do setor
público, os setores da população que dependem dos serviços públicos de saúde e
educação do Estado (que iniciavam a sua recuperação), a segurança pública que
iniciava implementação de um programa exemplar para o país, os pequenos
empresários que dependem do microcrédito subsidiado pelo Governo para crescer,
o sistema de cooperação que recebeu financiamento e estímulos do Estado, os
trabalhadores de baixa renda -dependentes do Salário Mínimo Regional- as
famílias mais pobres abarcadas com os subsídios do “RS Mais Igual”, a cultura
que estava completamente sucateada e subfinanciada, as políticas de gênero –
estes setores sociais e funções do Estado- foram os que mais procuramos
defender no nosso Governo. Na verdade as suas necessidades são do nosso
Programa de Governo, porque elas refletem as questões mais universais da
sociedade gaúcha. Por isso, assumimos o risco de dizer “só sai da crise
crescendo”, de uma maneira honesta transparente.
Quaisquer saídas para crises
desta natureza (que são reflexos crises mundiais em regiões e em países) são
arriscadas e nunca são matematicamente previsíveis nos seus resultados. Mas, os
efeitos de quaisquer destas medidas sobre as pessoas, ou grupos de pessoas mais
débeis, ou mais pobres ou mais “abonadas”, são perfeitamente identificáveis em
cada momento em que elas são aplicadas. As saídas definitivas são viáveis só
num espaço entre quinzes e trinta anos e dependem muito das decisões locais,
mas não se consolidam sem decisões nacionais.
Certamente, as opções de hoje e a
luta “junto” e “contra” as decisões do governo da União, que prejudicam os
Estados, deve ser sempre atual e ofensivamente planejada. Não podemos esquecer
que assim como Rio Grande do Sul mudou de governo, democraticamente, na União
também ocorreu uma mudança de Governo. Assim como meu partido era o partido
mais importante do Governo Federal, na minha gestão, o partido do atual
Governador do Estado é o partido mais importante nos dias de hoje, no mesmo
Governo Federal.
Tsipras foi ao limite das suas
possibilidades de enfrentamento, para ser coerente e ter respaldo na sua
meia-vitória, que foi política, não financeira. A dívida da Grécia vai aumentar
e aumentaria em qualquer hipótese de permanência da Grécia na Europa. Mas o
acordo evitou o caos financeiro, que seria gerado pelo isolamento,
proporcionado por uma ruptura provocada pelos credores. Na questão da dívida do
Estado, nós também fomos ao limite do enfrentamento com o Governo Federal e
conseguimos abater mais de vinte bilhões de reais da dívida pública do Rio
Grande, abatimento este já garantido por lei. Iríamos prosseguir neste caminho,
que foi interrompido pelo mesmo tipo de decisão soberana que tomou, agora, o
povo grego.
Mas o que é certo -tanto na crise
grega como na “crise gaúcha”- é que ambas são episódios de longos e dolorosos
processos, que não se encerram com acordos financeiros e com simples leis de
reestruturação. São processos econômicos e políticos de longo curso, que se
relacionam com o futuro do capitalismo, com a sua derrocada ou com a sua
barbárie. Na Grécia, foi desnudada política da sra. Merkel, Chefe da nova
política imperial europeia, que transformou as finanças da União, no Exército
de ocupação dos países endividados. No Rio Grande do Sul, ainda é difícil
falar, pois ainda não se sabe quais as medidas que o Governo do Estado vai
apresentar para que o Estado supere a crise.
De outra parte, a amarga
meia-vitória de Tsipras foi mostrar ao mundo que é possível interromper a
liquidação da soberania política nacional, com coragem e determinação,
transformando uma solução provisória de conflito numa resolução referendada
pela soberania popular democrática. Dizer que Tspiras não avançou mais porque
não quis, é desconhecer a força destrutiva da consciência política da
cidadania, exercida pelo novo liberalismo -midiático e violento- e é esquecer o
poder que os ricos da Europa exercem sobre as políticas dos seus respectivos
Estados.
Mais de dois séculos depois de “A
Riqueza das nações”, o livro do americano Richard Sennet, “A corrosão do
caráter” (1998), examina as dimensões humanas e os efeitos, nos indivíduos e
nos grupos sociais do mundo trabalho, da forma atual do liberalismo econômico,
na época do “novo liberalismo”. Sennet, a partir das suas pesquisas junto aos
trabalhadores americanos, mostra a impossibilidade de construir uma sociedade
feliz e indivíduos com “caráter”, numa sociedade capitalista “flexível”, sem
objetivos duradouros, ou que mudam rapidamente - de acordo com os interesses
imediatos de riqueza da acumulação privada- insensível à angústia e à pobreza
de quem não tem sucesso.
Não se trata de um estudo sobre
os trabalhadores dos países não-ricos, mas sobre os trabalhadores americanos,
país em que vem diminuindo o ganho real dos mais pobres e aumentando a
concentração de renda. É como se Sennet, dissesse a Adam Smith: “agora vamos
ver como é que estão, não os donos da mercearia ou os donos das padarias, cuja
ambição de riqueza – necessária ao Século 18 – movia a economia capitalista;
vamos ver como é estão, agora, os que fazem os pães, organizam as mercearias,
constroem os seus prédios e embalam as verduras, para constatarmos o resultado
humano atual, do liberalismo do século 18: ‘custo humano do progresso’…”. E o
resultado é estarrecedor.
Apelo para o livro de Sennet,
para dizer que a discussão sobre as formas de sair de uma crise é, igualmente,
análise sobre a sociedade a ser construída no futuro. Sociedade adequada às
condições nacionais, à cultura específica do povo, à capacidade das suas
políticas de Estado projetarem valores universais para a comunidade viver em
mais condições de igualdade, ou induzirem uma sociedade que reabrirá crises
mais agudas, até novas guerras. Defendemos uma sociedade que seja menos
violenta e mais generosa, mais igualitária, acolhendo e rejeitando as
experiências dos países que já passaram por tormentos que combinam riqueza e
desigualdade de forma humilhante.
Defendemos que não se trata
somente de construir uma sociedade mais “tecnológica” ou com mais consumo
“suntuário”. Mas uma sociedade em que as novas tecnologias sirvam para
felicidade e as pretensões de acumulação de bens e consumo, sejam mediadas pela
redução das desigualdades. Não pela sua expansão. Isso se chama socialismo como
“ideia reguladora”.
Pode ser dito que estes valores
estão superados, que tudo isso é impossível de construir, que os “de baixo” (os
de sempre) devem continuar pagando pela comodidade luxuriante dos muito ricos,
escondidos atrás das agências de risco e dos dogmas neoliberais. Bem, se assim
for dito, pode ser considerado por alguns um começo de conversa. Mas, para o
meu campo político e para mim, pessoalmente, isso é chancela da barbárie e
início de um nova catástrofe. Para que isso não aconteça, seria bom que Adam
Smith conversasse com Richard Sennet, sob as bênçãos de Norberto Bobbio e de
Karl Max. No Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo.
Tarso Genro foi governador do
Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça,
Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
Créditos da foto: Marcos
Oliveira/Agência Senado
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