A editora que cedeu lugar ao mais
pernicioso jornalismo de esgoto da história da imprensa brasileira está
agonizando.
Luís Nassif - Jornal GGN (via
Blog do Altamiro Borges) / www.cartamaior.com.br
Aumentam os rumores de que nos
próximos dias a Editora Abril deverá entrar na Justiça com pedido de
recuperação judicial.
Ingressa, assim, na penúltima
fase da agonia um grupo que dominou o mercado editorial brasileiro nas últimas
décadas.
Ao lado das Organizações Globo, a
Abril foi o primeiro grupo editorial brasileiro a adotar o modelo dos grupos de
mídia norte-americanos. Começou no país representando os quadrinhos da Disney e
da Marvel. Depois, seguiu o modelo Time-Life, tendo como carros-chefes revistas
que seguiam padrão similar: Veja, seguindo o estilo Time; Placar emulando o
Sporteds Illustred, Exame copiando a Fortune e Quatro Rodas.
Defensora intransigente do modo
de vida norte-americano, do primado da iniciativa privada, em várias fases de
sua vida valeu-se da influência política para conquistar as benesses do poder.
Nos governos militares montou a
Rede Quatro Rodas de Hotel contando com os benefícios fiscais criados por
Delfim Netto. No governo Sarney, conseguiu concessões de TV a cabo. No governo
Collor quase conseguiu o monopólio das Listas Telefônicas da Telerj, negociadas
pelo então presidente Eduardo Cunha.
A Abril começou a se perder ainda
nos anos 90, devido a sucessivos erros estratégicos. Liderada por Roberto
Civita, montou um canal de TV, a MTV, entrou na TV a cabo, através da TV A, e
saiu na frente com o segundo portal do país, o BOL.
O BOL acabou perdendo a
iniciativa para a UOL devido a alguns erros estratégicos – a extrema lentidão
em montar a rede de telefonia, na fase pré banda larga e em pretender ser a
única provedora de conteúdo. Mas, principalmente, pelo boicote conduzido pelos
executivos da área de impressos, preocupados em não perder posição no grupo.
A BOL acabou fundida com a UOL e
Roberto Civita passado para trás por Luiz Frias, da UOL. Houve a fusão e a
gestão da empresa ficou com o grupo Folha. Luiz acabou aliando-se aos
portugueses da Portugal Telecom e montando um aumento de capital inesperado,
avisando Civita só na véspera. Civita perdeu o controle compartilhado e, mais
tarde, vendeu sua parte para a UOL, por uma fatia do valor que a empresa viria
a ter no decorrer dos anos seguintes.
Junto com o velho Otávio Frias,
ainda tentou juntar forças para adquirir metade da TV Bandeirantes. Acompanhei
de perto essa história pois fui incumbido por Frias de fazer a ponte com João
Saad, com quem tinha boas relações.
O caso Naspers
De tentativa em tentativa a Abril
foi afundando. Ganhou algum fôlego quando aceitou a sociedade com o grupo
sul-africano Naspers, em uma história mal contada. O grupo assumiu 30% do
capital, máximo permitido pela legislação brasileira. Outros 20% foram adquiridos
por duas holdings sediadas em Delaware, EUA, e representadas no Brasil pelo
escritório Mattos-Filho. Mais tarde, quando a Abril vendeu a TV A para a
Telefonica, as duas holdings desaparecem da sociedade.
Os anos 2.000 marcam o início da
decadência final do grupo. Globalmente, a Internet vitimiza o segmento de
revistas. Civita decide, então, importar o estilo Rupert Murdoch. Incorpora o
linguajar agressivo da ultradireita, inaugurando o estilo com a campanha contra
o desarmamento; passa a vender sua opinião de forma imprudente (como ocorreu
com o banco Opportunity), alia-se à organização criminosa de Carlinhos
Cachoeira, beneficiando-se da complacência do Ministério Público Federal, e
tenta se valer do temor que infundia para se aventurar no mercado de livros
didáticos e, mais à frente, de cursos didáticos.
A Abril da coleção Os Pensadores,
da revista Realidade, da História da Música Popular e de outros feitos
culturais, cede lugar ao mais pernicioso jornalismo de esgoto da história da
imprensa brasileira.
Recorre ao discurso macarthista
para tentar afastar concorrentes e impor suas publicações. Fecha contratos
importantes tanto no MEC (Ministério da Educação) quanto com o governo de São
Paulo.
Quando explode a bolha dos cursos
universitários – no rastro do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) – sai
imprudentemente à caça de cursos, com total falta de discernimento.
Liderado por um CEO
megalomaníaco, a Abril se endivida, adquire cursos superavaliados que não lhe
proporcionam retorno financeiro e acaba vendendo a Abril Educacional para um
fundo de investimento. Não há indícios de que o dinheiro amealhado tenha sido
utilizado para resgatar a Editora Abril do mar de dívidas em que se meteu.
Enquanto isto, o faturamento
editorial despencava. Para preservar a publicidade de Veja, a editora recorre
ao subterfúgio de turbinar a tiragem com promoções gratuitas, burlando as
regras de auditoria do mercado publicitário.
Há quatro anos, o mercado
trabalhava com uma hipótese de tiragem de 850 mil exemplares para a Veja,
enquanto o IVC (Instituto Verificador de Circulação) apontava ainda mais
inexistentes 1,2 milhão de exemplares. Esse fosso deve ter aumentado mais
ainda, já que o IVC continua sustentando a tiragem de 1,2 milhão de exemplares.
De lá para cá possivelmente a
tiragem caiu mais ainda, tornando mais custosa a operação de turbina-la com
assinaturas gratuitas.
Gradativamente começa a se
desfazer de seus principais títulos. A crise do mercado publicitário acelerou
sua agonia.
Em 31 de dezembro de 2014, a
Abril Comunicações apurou prejuízo de R$ 139 milhões no exercício. O patrimônio
líquido negativo saltou de R$ 125 milhões em 2013 para R$ 265 milhões,
mostrando o fracasso da estratégia implementada a partir de 2013 para salvar a
empresa.
Toda a estratégia resumia-se ao
enxugamento da empresa, com a venda de títulos, fechamento de revistas e
dispensa de funcionários. Conseguiu reduzir um pouco o endividamento – de R$
995 milhões para R$ 772 milhões com a venda da Abril Radiodifusão e da Elemidia.
E renegociou prazos de debentures com bancos. Conseguiu dois anos de carência,
mas pagando CDI mais 2,6% ao ano.
Dos quatro grandes grupos de
mídia tem-se o seguinte quadro:
1. Editora Abril, com escassa
possibilidade de sobrevivência.
2. Estadão, tendo como único
produto viável a Agência Estado.
3. Folha, sendo absorvida pela
UOL, que torna-se cada vez mais um grupo de datacenter, tendo de concorrer com
os gigantes globais. E com o modelo de portal entrando em crise, com a
audiência corroída pelas redes sociais, que tornaram-se a porta de entrada
principal dos usuários.
4. Globo, que permanecerá com seu
enorme poder.
Créditos da foto: Reprodução
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