Joga o coloquial no lixo!

Marcos Bagno(*) / http://www.jornaldoromario.com.br/

Tem dois termos que, para nossa desalegria, são invocados por gregos e goianos a todo momento quando o assunto é língua e ensino de língua.
O primeiro é norma culta, que as pessoas teimam e reteimam em achar que é sinônimo de norma padrão. E o segundo é coloquial ou coloquialismo.
Sobre a confusão que muita gente faz entre norma cultanorma padrão, os linguistas há 25 anos vêm tentando apontar a necessidade de distinguir, de um lado, a realidade dos usos da língua e, do outro, a ideologia linguística veiculada pela tradição gramatical normativa.

Em pleno 2013, é inadmissível confundir o que é o português brasileiro dos falantes com maior prestígio socioeconômico (norma culta) e aquilo que uma longa tradição prescritivo-normativa criou no imaginário linguístico das pessoas, sobretudo das camadas privilegiadas da população (norma-padrão).
Resumo: norma culta e norma-padrão não são a mesma coisa! Assim, “eu vi ele” é norma culta, cultíssima, porque assim falam todos os brasileiros das camadas privilegiadas da sociedade, ao passo que “eu o vi” é norma-padrão, língua artificial, língua de ninguém.
A coisa piora quando tentam contrapor essa “norma culta” mal definida a uma outra, mais pantanosa ainda: a norma coloquial, que também aparece misturada com as noções deinformalidade, regionalismo língua falada. Aqui chegamos à beira do abismo...!
É um um erro teórico sério definir a norma culta ou mesmo a norma-padrão como “linguagem formal”. Um falante altamente letrado pode perfeitamente se valer das formas padronizadas, prescritas nas gramáticas normativas, para se manifestar em situações de interação verbal qualificadas de informais.
A (in)formalidade de uma situação não se vincula exclusivamente ao emprego (ou não) de formas gramaticais normatizadas ou de uma pronúncia “culta”: há muitos outros elementos verbais e não verbais que colaboram para conferir maior ou menor formalidade a um evento comunicativo.
O adjetivo coloquial é o único que os jornalistas, em sua ampla maioria, parecem conhecer para definir qualquer uso da língua que não corresponda à ideia confusa, vaga e socialmente preconceituosa que eles fazem do que seja a língua “culta”.
Inevitavelmente, quando vão abordar, com sua habitual preguiça de pesquisar, algum fato que envolve questões de linguagem e ensino, eles  recorrem a essa palavra para, também sistematicamente, criticar, ironizar e combater os supostos defensores dessa “coloquialidade” que tanto parece assustá-los. E toca a acusar os linguistas de serem defensores do “vale tudo”.
Assim, o jornalista Lauro Neto, do jornal O Globo, ao criticar a presença, no Enem 2012, de diversas questões envolvendo a variação linguística usou 9 termos da família de coloquial/coloquialismo, 8 vezes a expressão norma culta e 5 vezes norma-padrão, como se fossem sinônimos.
E, claro, com a arrogância ignorante típica do nosso glorioso PIG.
Vamos repetir o mantra: “Norma culta e norma-padrão não são a mesma coisa” e jogar de vez o bendito “coloquial” no lixo, porque ele não pertence à terminologia científica da sociolinguística e só serve para atrapalhar o bom debate sobre língua, sociedade e ensino!
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(*) Marcos Bagno é linguista, escritor e tradutor, professor da Universidade de Brasília.

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