Apple, Google e GE demostraram
que são muito mais geniais na hora de encontrar maneiras para evadir impostos
do que para desenvolver produtos inovadores.
Joseph E. Stiglitz* / www.cartamaior.com.br
Recentemente se realizou a
Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o
Desenvolvimento, na capital da Etiópia, Addis Abeba. A reunião aconteceu num
momento em que os países em desenvolvimento e os mercados emergentes vem
demonstrado sua capacidade de absorver grandes quantidades de dinheiro de forma
produtiva. Aliás, os esforços que esses países vêm empreendendo – como os
investimentos em infraestrutura (estradas, eletricidade, portos e muito mais),
a construção de cidades que um dia chegarão a ser o lar de bilhões de pessoas e
a mudança, ou as mudanças visando uma economia verde – são realmente enormes.
Por outro lado, não falta
dinheiro esperando encontrar um uso produtivo. Há quatro anos atrás, Ben
Bernanke, então presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, falou que o
mundo vivia de um excesso de poupança. Todavia, os projetos de investimento com
alta rentabilidade social não avançavam, muitas vezes por falta de fundos. Algo
que continua acontecendo hoje em dia. O problema, tanto antes como agora, é que
os mercados financeiros globais, em vez de cumprir com seu objetivo de realizar
uma intermediação eficiente entre a necessidade de poupar e as oportunidades de
investimento, administram mal o capital, o que acaba gerando riscos.
Não é a única ironia. A maioria
dos projetos de investimento que o mundo emergente necessita são de longo
prazo, assim como grande parte das poupanças disponíveis – ou seja, os bilhões
de dólares ou euros que estão em fundos de aposentadorias ou de pensões, ou
fundos soberanos. Porém, nossos mercados financeiros, cada vez mais míopes, se
interpõem.
Muitas coisas mudaram nos treze
anos que se passaram desde a Primeira Conferência Internacional sobre o
Financiamento para o Desenvolvimento Internacional – organizada em Monterrey,
no México, em 2002. Naquele então, o G-7 dominava a formulação de políticas
econômicas no mundo. Hoje em dia, a China é a economia mais pujante do mundo
(em termos de paridade do poder adquisitivo), com uma taxa de poupança que supera
cerca de 50% o nível dos EUA. No ano de 2002, pensava-se que as instituições
financeiras ocidentais eram alquimistas da gestão de risco e da boa
administração de capital. Hoje, vemos que são bruxos da manipulação dos
mercados e outras práticas enganosas.
Ficaram para trás os apelos para
que os países desenvolvidos a cumprissem com seu compromisso de dar ao menos
0,7% do seu produto nacional bruto (PNB) para ajudar no desenvolvimento. Alguns
países do norte de Europa – Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e,
surpreendentemente, o Reino Unido – em meio do martírio da austeridade que se
auto impuseram, cumprira com suas promessas em 2014. Porém, os Estados Unidos
(com 0,19% do seu PNB, no mesmo ano) ficou muito, muito longe.
Atualmente, os países em desenvolvimento
e os mercados emergentes dizem aos EUA e demais países: se não vão cumprir suas
promessas, ao menos não molestem e nos permitam construir uma arquitetura
internacional para uma economia mundial que também traga benefícios aos pobres.
Não é surpreendente que as potências hegemônicas existentes, a começar pelos
Estados Unidos, estejam fazendo todo o possível para frustrar tais esforços.
Quando a China propôs a criação do Banco Asiático de Investimentos em
Infraestruturas, para ajudar a redirigir alguns dos excessos de poupança no
mundo em direção a outros lugares, onde o financiamento é muito necessário,
Washington tentou torpedear esse esforço. Quando o projeto finalmente deu
certo, o governo de Barack Obama sofreu uma dolorosa (e muito vergonhosa)
derrota.
Os Estados Unidos também está
bloqueando o caminho para estabelecer um direito internacional voltado às
dívidas e às finanças. Para que os mercados de títulos possam funcionar bem,
por exemplo, é preciso encontrar uma forma ordenada para resolver os casos de
insolvência soberana. Entretanto, não existe essa instância atualmente. A
Ucrânia, a Grécia e a Argentina são exemplos do fracasso dos acordos
internacionais existentes. A grande maioria dos países pediu a criação de um
novo sistema no qual se possa reestruturar a dívida soberana. Os EUA,
novamente, se colocaram como o principal obstáculo.
O investimento privado também é
importante. Mas as novas disposições incluídas nos acordos comerciais que o
governo de Obama está negociando, em ambos os oceanos, implicam em que qualquer
investimento estrangeiro direto venha acompanhado de uma importante redução da
capacidade dos governos para regular o meio ambiente, a saúde, as condições de
trabalho e inclusive a economia.
A posição dos Estados Unidos com
relação ao tema mais debatido na conferência de Addis Abeba foi particularmente
decepcionante. Na medida em que os países em desenvolvimento e os mercados
emergentes abrem suas portas para as multinacionais, se torna cada vez mais
importante a tributação desses gigantes, para registrar os lucros gerados
mediante a atividade empresarial que se produz dentro de suas fronteiras.
Apple, Google e General Electric demostraram que são muito mais geniais na hora
de encontrar maneiras de evadir impostos que quando desenvolvem produtos
inovadores.
Todos os países – tanto os
desenvolvidos como os que estão em desenvolvimento – perderam bilhões de
dólares em ingressos fiscais. No ano passado, o Consórcio Internacional de
Jornalistas Investigativos (ICIJ, em sua sigla em inglês) divulgou a informação
sobre as medidas tomadas por Luxemburgo, que expuseram a magnitude e a
diversidade das formas de evasão fiscal. Um país rico como os Estados Unidos
talvez possa suportar o comportamento descrito no denominado Caso Luxleaks, mas
um país pobre não pode. Fui membro de uma comissão internacional, a Comissão
Independente para a Reforma da Fiscalidade Internacional de Sociedades, cujo
trabalho é examinar maneiras de reformar o sistema tributário atual. Num
informe apresentado durante a Conferência Internacional sobre o Financiamento
para o Desenvolvimento, chegamos à conclusão unânime de que o sistema atual
está quebrado, e que não basta com uma reparação aqui e outra ali. Propomos uma
alternativa – similar à maneira na qual as empresas são tributadas nos Estados
Unidos – baseada no repasse da arrecadação que corresponde a cada Estado sobre
a base da atividade econômica que ocorre dentro das fronteiras estatais.
Os Estados Unidos e outros países
desenvolvidos vêm pressionando em favor de uma série de mudanças muito menores,
recomendadas pela OCDE, que é o clube dos países desenvolvidos. Em outras
palavras, os países de onde provêm os politicamente poderosos sonegadores de
impostos são, supomos, os mesmos países que precisam desenhar um sistema para
reduzir a sonegação fiscal. Nossa Comissão explica porque as reformas da OCDE
tem sido, no melhor dos casos, pequenos ajustes a um sistema fundamentalmente
defeituoso. São simplesmente inadequadas.
Os países em desenvolvimento e os
mercados emergentes, encabeçados pela Índia, argumentaram que a instância
adequada para debater esses temas é um grupo já estabelecido nas Nações Unidas,
o Comitê de Especialistas sobre a Cooperação Internacional em Assuntos Fiscais,
e que portanto é necessário melhorar sua situação jurídica e incrementar o seu
financiamento. Os Estados Unidos se opôs de forma veemente: queria manter as
coisas como no passado, de forma tal que a governança mundial seja conduzida
por e para os países desenvolvidos.
As novas realidades geopolíticas
exigem novas formas de governança mundial, nas que a voz dos países emergentes
e em desenvolvimento possa ser ouvidas mais alto e com maior peso. Os Estados
Unidos impôs seu parecer em Addis Abeba. Contudo, também mostrou que está do
lado equivocado, uma postura que será julgada pela historia.
(*) Professor da Universidade de
Columbia, Prêmio Nobel de Economia de 2001 e autor do livro “Queda livre:
Estados Unidos, mercados livres e o afundamento da economia mundial” (Freefall:
America, free markets and the sinking of the world economy). Artigo publicado
no El País, de Madrid, dia 30 de agosto de 2015.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: White House
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