Hillary e seus marqueteiros claramente decidiram
que poderiam explorar a tragédia de 11 de setembro de 2001.
Paul
Street – CounterPunch // www.cartamaior.com.br
Hillary Clinton disse algo notável e inesperado
durante o segundo debate presidencial do Partido Democrata, em Des Moines, Iowa
- algo que deveria levar à suspensão de sua candidatura à Casa Branca. O
comentário veio em resposta ao moderador da CBS e a Bernie Sanders, que
apontaram que sua campanha recebeu milhões em contribuições eleitorais e
honorários de palestras de grandes instituições financeiras de Wall Street,
enquanto Sanders depende de pequenas contribuições da classe-média e da classe
trabalhadora norte-americana. Segue o que Hillary disse:
"Espere um minuto, senador. Você sabe que eu
não apenas tenho centenas de milhares de doadores, sendo a maioria deles
pequena, mas também estou muito orgulhosa de que, pela primeira vez, a maioria
dos meus doadores são mulheres, 60%. Então eu - eu represento Nova York. E eu
representava Nova York em 9/11, quando fomos atacados. Onde fomos atacados?
Fomos atacados no centro de Manhattan, onde fica Wall Street. E de fato eu
gastei muito tempo e esforço ajudando na reconstrução. Isso foi bom para Nova
York. Foi bom para a economia. E foi uma maneira de repreender os terroristas
que atacaram nosso país".
É positivo que a maioria dos doadores individuais
de Hillary sejam do sexo feminino e que ela tenha um grande número de doadores.
Sabemos que a candidatura principal dos grandes partidos tipicamente recebe
doações de centenas de milhares de pessoas. Mas o que chama a atenção é a
senhora Clinton ser forte e desproporcionalmente financiada pelas elites de
Wall Street, predominantemente do sexo masculino, que somente a apoiam por ser
compreendida (o que é bastante razoável) como boa amiga da elite corporativa e
financeira. Ela e seu marido Bill Clinton são líderes na expansão da elite corporativa
e neoliberal do Partido Democrata pelas últimas quatro décadas.
O maior problema com sua declaração, no entanto, é
a sugestão de que aquilo que motiva seu financiamento de campanha fortemente
inclinado a Wall Street é o fato de ter sido senadora de Nova York, lar de Wall
Street, quando Manhattan foi atacada pela Al Qaeda, em 11 de setembro de 2001.
É isso mesmo, América: se esqueça de que Hillary Clinton já era uma política
fortemente patrocinada por Wall Street quando concorreu pro Senado entre 1999 e
2000. Esqueça que esse patrocínio continua até hoje, refletindo longo registro
dos Clinton à serviço da elite financeira por - entre outras coisas - evitar
uma série de regulamentações financeiras graves. Esqueça que as sedes em Wall
Street da Goldman Sachs, da JP Morgan Stanley, da Citicorp etc foram deixadas
intactas pelos ataques de 9/11. Não importa que qualquer senador de Nova York
(ou mesmo qualquer outro senador dos EUA) apoiariam o repasse federal para
reconstruir as seções de Manhattan devastadas pelos ataques áereos. Esqueça que
9/11 tem quatorze anos de idade e que hoje a elite financeira faz investimentos
com base em cálculos políticos. E que essa elite deseja profundamente que
Hillary prevaleça sobre Sanders, que pode realmente estar falando sério quando
afirma que as principais instituições financeiras são parasitas da nação e
devem ser desmontadas ou estreitamente regulamentadas (pena que Bernie não
conclama uma nacionalização).
A mídia corporativa tradicional trata como uma mera
gafe tal observação surpreendente de Hillary. Mas esse comentário não foi um
erro. Outras insinuações semelhantes sobre o seu financiamento em Wall Street e
sobre o 9/11 foram feitas, em pelo menos uma ocasião anterior na atual
campanha. Ela e seus marqueteiros claramente decidiram que poderiam explorar a
tragédia de 9/11 - quando 3000 pessoas, muitas delas trabalhadores comuns,
morreram - e defender as suas contribuições financeiras para essa elite
hiper-opulenta. Eles não têm um senso ético básico e utilizam uma tática
sociopata.
Antes de seu comentário, o comedido e nominalmente
socialista Sanders (de quem eu não sou grande fã) disse algo importante, que
refletia o mais elementar bom senso. "Eu nunca escutei um candidato,
nunca”, Bernie observou, "que tivesse recebido enormes quantias dos
senhores do petróleo, do carvão, de Wall Street, do
complexo-industrial-militar; nenhum candidato”. “Ah, estas - estas
contribuições de campanha não vão me influenciar. Eu vou ser independente.
Agora, por que eles injetam milhões em campanha? Eles esperam obter alguma
coisa. Todo mundo sabe disso".
Hillary Clinton se ofendeu, dizendo que esta
declaração foi feita para "impugnar sua integridade". Sanders negou,
argumentando que a verdadeira questão aqui se trata de "um sistema de
financiamento de campanha corrupto", mas a verdade é que ele coloca a
integridade moral de Clinton em cheque, embora muito suavemente. Com efeito, a
subseqüente sobrancelha sensibilizada de Hillary sugere que ele estava certo -
e deve seguir assim com mais força e de forma abrangente nos próximos dias e
semanas, se é que ele fala sério sobre uma alternativa progressista para a
máquina de Clinton (algo sobre o que eu tenho sérias dúvidas). Onde fica a
integridade de quem se aproveita das mortes de milhares de nova-iorquinos em
2001 para defender o seu patrocínio por alguns poucos ricos?
Em uma cultura política decente, o comentário de
Hillary levaria à suspensão da sua campanha falsamente progressista. Na atual
cultura política midiática que reina nos EUA, sua "gafe"
provavelmente vai sumir rapidamente enquanto ela segue em sua inevitável
nomeação democrata encharcada de dólares.
Créditos da foto: reprodução
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