Nunca antes um presidente questionou abertamente a
situação dos direitos humanos em outro membro pleno do Mercosul, como fez Macri
em relação à Venezuela.
Martín Granovsky // www.cartamaior.com.br
O Mercosul viveu ontem sua cúpula mais conflitiva
em termos de enfrentamento político entre Estados desde a criação do bloco, em
1991. Nunca antes um presidente questionou abertamente a situação dos direitos
humanos em outro membro pleno do organismo, como o fez Mauricio Macri ao se
referir à Venezuela. Nunca antes o Ministério de Relações Exteriores de um país
foi tão confrontador em sua resposta, como foi a chanceler venezuelana Delcy
Rodríguez, que primeiro criticou a ingerência de Macri, e logo retrucou o
presidente argentino usando dados equivocados. Rodríguez questionou Macri por
ter liberado a repressores e cessado os juízos por direitos humanos na
Argentina, algo que não aconteceu.
A falha profissional e política da chanceler
agregou um tom ainda mais brusco ao um clima já afetado pela postura também
brusca de Mauricio Macri, que pediu em seu discurso “a rápida libertação dos
presos políticos na Venezuela”, porque “nos Estados parte do Mercosul não pode
haver lugar para a perseguição política por razões ideológicas nem a privação
ilegítima da liberdade por pensar diferente”.
O caso ao que se referia era o do líder opositor
Leopoldo López, preso por ter instigado protestos violentos que geraram 43
mortes. A oposição venezuelana critica o processo judicial. O governo de
Nicolás Maduro defende que a sentença é justa e que o país não possui presos
políticos.
Macri não pediu a aplicação da cláusula democrática
para separar a Venezuela como membro pleno. Inclusive definiu como “um passo
adiante” e disse ver “com agrado” o fato de o governo ter “assumido o resultado
eleitoral que teve como protagonista a sociedade venezuelana”, uma alusão à
derrota do chavismo nas últimas eleições parlamentárias, no dia 6 de dezembro.
Sua mensagem foi uma declaração de fé no Mercosul.
Ele definiu o bloco como “um projeto de longo prazo, um verdadeiro projeto
estratégico”.
Disse que não existe uma fórmula única para avançar
com a integração, o que “quer dizer que podemos construir um melhor caminho,
nosso próprio caminho”.
E pediu para que seja resgatado o valor “da
flexibilidade, da capacidade de nos adaptar às necessidades do mundo e dos
nossos vizinhos em cada momento”.
Até esse momento, sua postura não marcou pontos de
conflito com Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela, os outros quatro sócios –
nem a apelação de Macri a favor de chegar a um acordo entre o Mercosul e a
União Europeia, negociação que já está em marcha, nem seu apelo a uma
aproximação com a Aliança do Pacífico, que já começou há mais de um ano.
A dúvida é se com tanto ruído político será
possível que o eixo Brasil-Argentina funcione com eficácia, já que sem ele não
se pode ter um Mercosul sólido.
Dilma Rousseff, diferente de Macri, felicitou a
Venezuela por seu comportamento democrático, e não somente no âmbito eleitoral.
Como a Venezuela não é governada por uma ditadura
(nenhum presidente sul-americano diz que é, nem mesmo o próprio Macri),
qualquer desprezo público sobre a qualidade democrática do país gera uma
tremenda fricção. Luiz Inácio Lula da Silva, que continua sendo um dos
principais dirigentes do continente, costuma contar uma anedota sobre a
Venezuela. Depois de ver uma série de ações e reações entre Washington e
Caracas, ligou para George W. Bush e pediu a ele que não criticasse Hugo
Chávez. Em troca, garantiu que trabalharia para atenuar as manifestações contra
os Estados Unidos na Venezuela. Bush aceitou. Logo, Lula conseguiu o mesmo
compromisso por parte de Chávez. E as tensões diminuíram.
Para Lula, assim como para Néstor Kirchner, toda a
tensão na América do Sul era ruim por definição. Ninguém poderia dizer que
Macri pensa exatamente o oposto. Quando visitou Santiago do Chile, ele disse
que a saída ao mar para a Bolívia deveria ser resolvida em benefício “dos dois
países irmãos”. Por algum motivo, ele quis evitar um conflito. Ainda que Macri
busque se mostrar como o campeão da flexibilidade, continua vigente o direito a
pensar que a tensão com a Venezuela é um conflito buscado.
Carlos Menem fez o mesmo com a Cuba de Fidel Castro.
Atacou Havana e buscou ser atacado por ela, como um modo de se aproximar dos
Estados Unidos.
A diferença é que a Venezuela é um membro pleno do
principal bloco econômico em que pertence a Argentina: o Mercosul.
“Se somos respeitosos dos demais temos que ser
respeitosos desde diferentes óticas e formas de pensar”, afirmou ontem a
chanceler argentina, Susana Malcorra.
Nas entrelinhas, fica a dúvida de se a
flexibilidade funciona entre sócios quando é tensionada com um ataque tão
aberto e sistemático. Outra pergunta é se o Mercosul aguenta essa polarização.
A resposta mais provável para as duas questões é a
mesma: não.
Deveremos esperar pela intervenção de Lula?
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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