A estreiteza ideológica dos
dirigentes europeus tem suas raízes em uma discreta batalha pela hegemonia
intelectual, que não acontece apenas na mídia. Apesar das contradições teóricas
e do fracasso das políticas que inspira, a doutrina neoclássica domina mais do
que nunca a universidade.
por Laura Raim // http://www.diplomatique.org.br/
Partidários da livre concorrência, os
economistas dominantes a experimentam pouco quando os convidamos a aplicá-la em
sua profissão. Retomando uma promessa de seu predecessor, Benoît Hamon, a
ministra francesa da Educação Nacional, Najat Vallaud-Belkacem, se engajou em
dezembro de 2014 na criação a título experimental de uma segunda seção de
economia no seio do Conselho Nacional das Universidades (CNU), o órgão que
administra a carreira dos professores-pesquisadores. Intitulada “Instituições,
economia, território e sociedade”, esta poderia ter se tornado um refúgio para
os economistas heterodoxos, mal-amados pelos representantes das correntes
dominantes. A escola dita neoclássica, que repousa sobre a hipótese da
perfeição dos mercados e da racionalidade dos indivíduos (ver esquema abaixo),
reina há vinte anos sobre a atual seção das ciências econômicas no CNU, a “05”.
Trezentos pesquisadores heterodoxos se preparavam para juntar-se a essa nova
seção de economia política pluralista, crítica e aberta às outras ciências
sociais.
No entanto, eles não contavam com o
veto dos ortodoxos, totalmente decididos a matar o embrião de qualquer
possibilidade de pensamento econômico distinto. Mal sentiu o vento do projeto
ministerial, o presidente da “05”, Alain Ayong Le Kama, já estava enviando uma
mensagem ao governo, bradando a ameaça de uma “demissão coletiva” da seção. Mas
a ofensiva mais decisiva foi a de Jean Tirole, vencedor em 2014 do prêmio do
Banco da Suécia em ciências econômicas, em memória de Alfred Nobel (abusivamente
qualificado de “Prêmio Nobel de Economia”). Ele dirigiu uma carta a
Vallaud-Belkacem para impedir uma “catástrofe”. Missão cumprida: o projeto foi
rapidamente enterrado.
Essa batalha aparentemente
corporativista é na realidade altamente estratégica. As representações e
preconizações das economias exercem uma forte influência sobre as políticas
públicas. Há cerca de vinte anos, os pesquisadores heterodoxos, quer dizer,
aqueles que não se inscrevem na escola neoclássica – cerca de um terço dos economistas
franceses –, estão excluídos das posições-chave da profissão. Ainda que eles
consigam ser convidados como conferencistas, a corrente majoritária tranca seu
acesso ao nível superior dos professores universitários.1 Enquanto, entre 2000
e 2004, a heterodoxia representava 18% dos novos recrutamentos de professores
na universidade, essa porcentagem caiu para 5% entre 2005 e 2011; ou seja, seis
heterodoxos para 120 cargos.2
Como chegamos a isso? A escola
neoclássica cresceu na chegada ao poder da economia moderna, no final do século
XIX, depois recuou nos anos 1930. A abordagem de John Maynard Keynes, que tirou
lições da Grande Depressão, conferindo ao Estado um papel central, se impôs
como a nova ortodoxia econômica das políticas públicas. Quando o keynesianismo
atingiu seus limites diante do contexto de estagflação (crescimento fraco e
inflação forte), no final dos anos 1960, a teoria neoclássica retornou com
força com os monetaristas e a corrente das antecipações racionais.
Os heterodoxos atuais emergem no
mesmo momento, em oposição a essa ressurreição do paradigma neoclássico.
Marxistas, pós-keynesianos, regulacionistas e convencionalistas têm em comum o
fato de inscreverem sua disciplina no campo das ciências sociais e de darem uma
atenção particular aos aspectos históricos, jurídicos e políticos do
funcionamento da economia. Procurando descrever a sociedade tal como ela
realmente existe, eles se opõem a uma representação mecânica e individualista
da economia, na qual agentes sob racionalidade instrumental interagem em
inúmeros mercados.
Integrando aos poucos as críticas
heterodoxas, a teoria neoclássica se lapidou, admitindo que a informação pode
ser assimétrica, e a concorrência, imperfeita... Porém, resta o fato de que “os
neoclássicos não se impuseram pela força nem pela justeza de suas ideias, mas
por estratégias de colonização institucional”, insiste Sophie Jallais, da
Universidade Paris 1. Na maioria das disciplinas, para serem recrutados como
conferencistas ou professores, os candidatos devem ser “qualificados” pelo CNU,
antes de serem selecionados pelas “comissões de especialistas” de cada
universidade. Mas, até 2014, a seção de economia deixava de lado esse princípio
para o recrutamento de professores.
Uma colonização institucional
Esse vestígio do século XIX subsiste
apenas em seis das 77 seções. Ele se caracteriza pelo conservadorismo,
ensimesmamento e ausência de autonomia em relação ao poder político. E com
razão: o governo nomeia o presidente, que, por sua vez, indica os sete membros
do júri. “Cada mandarim coopta em seguida seu aprendiz, a quem ele sugere mais
ou menos sutilmente se candidatar”, conta Liêm Hoang-Ngoc, da Paris 1. Há cerca
de quarenta anos, “são os presidentes de banca mais frequentemente ortodoxos
que escolhem bancas ortodoxas, que selecionam quase exclusivamente candidatos
ortodoxos”, resume Jallais. Essa homogeneização foi reforçada, a partir dos
anos 2000, pelo efeito de um novo método de avaliação dos candidatos: sua
produção científica passou a ser apreciada não em função de sua qualidade
intrínseca, mas das revistas nas quais foi publicada. Um bom pesquisador seria
aquele que publica em uma revista bem colocada na classificação do Centro
Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), ele próprio estabelecido segundo o grau
de conformidade com as abordagens dominantes.
Diante disso, os heterodoxos se
defendem mal. Absorvidos por seus trabalhos, eles não se preocupam
suficientemente em se “reproduzir” institucionalmente, dirigir teses e
laboratórios ou recrutar potenciais sucessores. Assim, o fundador da escola da
regulação, Robert Boyer, não tem um herdeiro. Heterodoxos ainda presentes nas
instâncias de recrutamento se deixam por vezes impressionar pelo aparelho
matemático neoclássico. Alguns, como Michel De Vroey e Marie-Claire Villeval,
chegam até a mudar de campo e abrem amplamente as portas da universidade aos
jovens candidatos ortodoxos.
Resultado: os professores heterodoxos
estão literalmente em via de extinção na universidade. “Eles estão se
aposentando, perto de partir, o que significa que daqui a dois anos não haverá
mais nenhum”, adverte David Flacher, da Paris 13. São os professores que
dirigem os mestrados, as escolas de doutorado, os laboratórios, que presidem as
bancas de teses e compõem os comitês de seleção de seus pares. Sem eles, é
impossível fazer viver uma escola de pensamento. De fato, quase todos os
grandes laboratórios heterodoxos desmoronaram nos últimos anos, com apenas
algumas exceções, como o Centro de Pesquisa em Economia da Paris Norte (CEPN),
dirigido por Flacher, e o Centro de Estudos e de Pesquisas Sociológicas e
Econômicas de Lille (Clersé), da faculdade Lille 1, onde trabalha, por exemplo,
Laurent Cordonnier.
A lógica de fusão entre
estabelecimentos encorajada há mais de dez anos pela União Europeia e
intensificada pela lei relativa às liberdades e responsabilidades das
universidades (LRU), de 2007, reforçou o fenômeno, fazendo os pequenos centros
heterodoxos serem absorvidos pelos grandes. “Esse processo de concentração
culmina hoje com um oligopólio estabilizado de três estruturas: a Paris School
of Economics (PSE), a Toulouse School of Economics (TSE) e o Grupo de Pesquisa
em Economia Quantitativa de Aix-en-Provence e Marselha [Groupement de Recherche
en économie quantitative d’Aix-Marseille (Gregam)], que trocam entre si
financiamentos, bolsas de doutorado, promoções, mas também prêmios
internacionais e cadeiras de prestígio”, explica Bruno Tinel, da Paris 1. O
“Prêmio Nobel” da economia foi assim atribuído ao presidente da TSE, Jean
Tirole, e a cadeira de economia no Collège de France, ao professor da PSE,
Philippe Aghion.
Essa hegemonia talvez fosse mais
aceitável se não andasse junto com uma abissal fraqueza teórica. Em 2007, a
coisa começou a aparecer, mesmo aos olhos dos não especialistas. Não apenas os
ortodoxos foram incapazes de prever ou até mesmo compreender a crise dos
subprime, mas suas hipóteses sobre a eficiência dos mercados tinham permitido
legitimar cientificamente a desregulamentação financeira que foi em grande
parte responsável pela crise. Daí o apetite do público por outras análises, o
que ilustra o sucesso nas livrarias francesas do manifesto dos “economistas
aterrados”. Esse coletivo, lançado em 2010 e composto majoritariamente por
conferencistas heterodoxos, desmonta o dogma que rege as políticas públicas
europeias.
“Antessala do obscurantismo”
No entanto, o retorno à moda de
Keynes e Marx que observamos na imprensa e nas editoras não atinge o mundo da
pesquisa, impermeável a qualquer questionamento. Em sua missiva, Tirole se
orgulhava dos “centros de excelência em economia que surgiram na França nas
últimas três décadas” e que “formam hoje economistas que os reguladores, os
órgãos internacionais e as empresas lutam para ter”. O fato de que esses
“centros de excelência” não tenham formado economistas críticos, capazes de
alertar sobre os perigos da financeirização, manifestamente não vem à tona.
Inflexível, ele continua desprezando de modo soberano as correntes
minoritárias, falando delas como um “conjunto heteróclito em dificuldade com as
normas de avaliação internacionalmente reconhecidas” e os chama a entrar na
linha: “Procurar se subtrair desse julgamento [dos pares] promove o relativismo
dos conhecimentos, antessala do obscurantismo”.
Os estudantes, por sua vez, não se
enganam e militam contra o monolitismo de seus cursos. “O pluralismo que
exigimos é teórico, mas também metodológico”, explica Louison Cahen-Fourot,
porta-voz do coletivo Pour un enseignement pluraliste dans le supérieur en
économie [Por um ensino pluralista no curso superior de economia (PEPS Économie)].
“O curso deve abrir espaço, além da matemática, da estatística e da
econometria, para cursos de história do pensamento econômico.” Sua associação
analisou os títulos das 54 licenças de economia na França: os módulos de
história do pensamento representam apenas 1,7% dos cursos propostos e quinze
universidades não julgam útil ensiná-la.
Um obstáculo finalmente foi levantado
em setembro de 2014, com a quase suspensão do concurso de agregação do
superior. O procedimento para se tornar professor é agora o mesmo que nas
outras disciplinas: ser qualificado pelo CNU, depois se candidatar a um cargo.
Tratava-se de uma das reivindicações da Associação Francesa de Economia
Política (Afep), criada em 2009 para restaurar a diversidade na pesquisa.
Infelizmente, essa vitória chegou tarde demais: agora majoritários nas
instâncias de recrutamento, os ortodoxos não precisam mais da agregação para
instalar seu poder. Liberados dos concursos, os candidatos heterodoxos não
encontram meios, confrontados à barragem da seção 05 do CNU, estreitamente
controlada pelos ortodoxos. Daí a necessidade de uma segunda seção. Depois de
vivos debates internos quanto aos riscos de tal “divórcio” no seio da
disciplina, os membros da Afep finalmente se resignaram em 2010 à ideia de que não
havia “mais nenhum futuro possível para as abordagens pluralistas dentro da
seção 05”. A nova seção surgia como a “única solução viável”.
Recusando até o momento essa opinião,
o governo garante que vai vigiar a seção 05. Esta então tomou a frente, “qualificando”
alguns heterodoxos durante a sessão de fevereiro de 2015. “Uma manobra tática e
cosmética, destinada a acalmar o jogo e a esconder uma lógica estrutural que
permanece imutável”, analisa o presidente da Afep, André Orléan, que acaba de
dirigir a redação de um “Manifesto por uma economia pluralista”.3
Falta entender o porquê da energia
gasta para sabotar a segunda seção. Se os heterodoxos são tão ruins, por que
não deixá-los ir? “Não se trata para nós de rejeitar as abordagens neoclássicas
nem de substituir uma hegemonia por outra, mas de permitir a coabitação de
todas as correntes”, lembra Orléan. O discurso oficial invoca uma luta contra a
“balcanização” e uma preocupação com a unidade. Um argumento fraco, se
considerarmos que a física, a biologia, o direito e a história ocupam diversas
seções. O motivo é sem dúvida menos nobre: “Eles temem principalmente ver os
estudantes desertarem dos cursos de microeconomia, que são de matar de tédio, e
se inscreverem nas licenças ‘Instituições, economia, território e sociedade’”,
estima Florence Jany-Catrice, da faculdade Lille 1. De fato, os efetivos estão
em queda livre: o número de inscritos no primeiro ano diminuiu 64% entre 2002 e
2012.4 A ponto de as faculdades de economia serem obrigadas a se fundir com as
de administração, julgadas mais profissionalizantes, para tentar segurar os
alunos.
Empurrados para outras disciplinas
Para o sociólogo Luc Boltanski, a
violenta oposição dos ortodoxos se explica de outra maneira: eles lutam “para
preservar o monopólio sobre o conceito de economia”.5 Eles não suportam que
pesquisadores que não praticam a modelização matemática e questionam a
eficiência dos mercados possam migrar para uma seção que conservaria o selo
“economia”. Quando Giovanni Dosi, economista heterodoxo italiano, submeteu uma
contribuição ao Journal of Mathematical Economics, ele recebeu uma resposta
clara: “Seus agentes não maximizam, seu artigo não é de economia, submeta-o a
um jornal de sociologia”. A recusa deve ser entendida ao pé da letra: os
neoclássicos querem que os pesquisadores das correntes minoritárias partam para
outras disciplinas e desapareçam como economistas.
De certa forma, eles têm razão em
esperar por isso, pois já está acontecendo. Bernard Friot, por exemplo, foi
para a sociologia: “Eu era conferencista em Nancy, com uma tese de Estado em
economia do trabalho. Mas não tinha coragem de aceitar doutorandos para fazer
uma tese sob minha orientação, pois isso os conduziria a grandes dificuldades
para serem contratados pela universidade. Então prestei uma habilitação para
orientar pesquisas em sociologia, para me tornar professor de sociologia do
trabalho em Nanterre”, conta o teórico do salário vitalício.6 “A vitalidade da
socioeconomia na França se deve, inclusive, em parte, à passagem dos
economistas para a sociologia.” De fato, os sociólogos François Vatin e
Philippe Steiner também são antigos economistas. Frédéric Lordon, especialista
das crises, principalmente financeiras, por sua vez migrou para a seção de
filosofia do CNRS. “Aqueles que se cansam de serem bloqueados também vão
conquistando território nas ciências da educação, nas políticas e nas da
comunicação”, acrescenta Flacher. Importante saber: se quisermos ouvir
economistas que têm algo a dizer sobre a sociedade, logo não será mais nas
faculdades de ciências econômicas que deveremos procurar.
Laura Raim
Jornalista
1 Estes títulos
designam os professores-pesquisadores titulares no ensino superior. Em novembro
de 2014, a seção de ciências econômicas contava com 1.270 conferencistas (e
semelhantes) e 536 professores (e semelhantes).
2 “Evolution des recrutements
des professeurs de sciences économiques depuis 2000. La fin du pluralisme”
[Evolução dos recrutamentos dos professores de ciências econômicas desde 2000.
O fim do pluralismo], Afep, set. 2013.
3 André Orléan para a Afep
(org.), À quoi servent les économistes s’ils disent tous la même chose?
Manifeste pour une économie pluraliste [Para que servem os economistas se todos
dizem a mesma coisa? Manifesto por uma economia pluralista], Les Liens qui
Libèrent, Paris, 2015.
4 Pierre-Cyrille Hautcoeur,
“L’avenir des sciences économiques à l’Université en France” [O futuro das
ciências econômicas na universidade francesa], relatório para a ministra do
Ensino Superior e da Pesquisa, Paris, 5 jun. 2014.
5 Luc Boltanski, intervenção
na Assembleia Extraordinária da Afep, Paris, 13 jan. 2015.
6 Ler Bernard Friot,
“Retraites, un trésor impensé” [Aposentadorias, um tesouro impensado], Le Monde
diplomatique, set. 2010.
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