segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Mobilização popular freou o golpe do 'mordomo' Temer

Lula Marques/ Agência PT
Novos apoios se uniram à lista de combatentes contra o complô para derrubar Dilma, entre eles os dos cantores Chico Buarque e Gilberto Gil, além da CNBB

Darío Pignotti, de Brasília // www.cartamaior.com.br

Uma frente social para impedir o golpe do “mordomo” Michel Temer. A semana que passou será recordada como aquela na que Dilma Rousseff reafirmou sua força como presidenta da República e nomeou um novo ministro da Fazenda desenvolvimentista, Nelson Barbosa, fortalecida pelo respaldo de uma coalizão entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e os movimentos populares, que frustrou, pelo menos por enquanto, o plano destituinte para instalar o vice Michel Temer na presidência.

Nos últimos dias, houve uma mudança no cenário político do Planalto. Dilma, aconselhada por Luiz Inácio Lula da Silva, dedicou menos tempo às reuniões com tecnocratas especialistas em calcular o superavit fiscal para priorizar as reuniões com os jovens da União Nacional de Estudantes, dirigentes da Frente Brasil Popular e o religioso franciscano Leonardo Boff.

Novos apoios se uniram à lista de combatentes contra o complô para derrubar Dilma, entre eles os dos cantores Chico Buarque e Gilberto Gil, além da CNBB, cujas posições tomaram um giro progressista depois da eleição do papa Francisco.

A semana teve seu momento mais movimentado a partir da quarta-feira, dia em que a CUT, o MST e o PT reuniram cerca de 210 mil pessoas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e outras capitais por onde marcharam e gritaram o coro que dizia “não vai ter golpe”, e consignas contra Joaquim Levy, o então ministro de Fazenda, e Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados e cúmplice de Michel Temer, o vice-presidente que ganhou o apelido de “mordomo de filme de terror”.

Nos atos desta última quarta-feira, os defensores da democracia triplicaram os números das marchas do anterior domingo, que pediam o “Fora Dilma” e a “Intervenção das Forças Armadas”.

Semelhante presença de manifestantes fortaleceu o campo democrático, e ao mesmo tempo mostrou um certo desgaste das classes médias opositoras, além de desnudar as limitações da dirigência conservadora. Assim como os diagnósticos errados dos chefes do complô, que achavam que Dilma estava entregue à própria sorte, e se equivocaram.

Apressados, os dirigentes da Fiesp e do PSDB, liderados pelo ex-mandatário Fernando Henrique Cardoso, imaginaram que iriam impor o impeachment e consagrar a Michel Temer como presidente de “unidade nacional”, um novo integrante da nova onda conservadora governante na América do Sul.

Temer é um político hábil para as intrigas dentro do Palácio, mas carece de liderança e apoio popular. Na última vez em que foi candidato a deputado, em 2006, ele foi o 54º mais votado entre os 70 eleitos pelo Estado de São Paulo.

Uma pesquisa publicada ontem pelo instituto DataFolha revela que 68% dos entrevistados consideram Temer um dirigente regular ou péssimo, e 58% acham que um governo do atual vice seria igual ou pior que o de Dilma, governo que apresentou leve melhora em sua popularidade.

Segundo a pesquisa, “a população brasileira não vê com bons olhos” uma administração de Temer, que chegou a elaborar um programa de governo, que foi apresentado aos banqueiros e aos empresários, com promessas de ajuste severo e privatizações.


Fim do “austericídio”?


Outra mudança importante no cenário político e econômico do país foi a queda do ministro da Fazenda Joaquim Levy, um neoliberal com experiência no FMI, substituído por seu adversário no gabinete, o desenvolvimentista Nelson Barbosa, que era ministro do Planejamento até então.

Barbosa vinha sendo um dos inimigos do “austericídio” defendido por Levy Joaquim dentro do governo, e após ser nomeado prometeu uma política que dê importância às obras de infraestrutura e à dinamização do crédito, mas sem romper com a disciplina fiscal.

“É uma pessoa com experiência na administração pública, sabe atuar com responsabilidade e que tem a sensibilidade, e capacidade de gerar empregos”, disse o diretor do Instituto Lula, Paulo Okamotto.

A saída de Levy foi confirmada pouco depois do fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo, onde todos já sabiam que o ministro, um ex-executivo do banco Bradesco, tinha as horas contadas. Por isso, a bolsa concluiu seus negócios com uma queda de 2,98%, com 43.911 pontos, a pior medição desde 2009. O poder financeiro acusou o golpe de ter perdido o seu representante dentro do gabinete de Dilma Rousseff. Há duas semanas, quando parecia que o impeachment seria aprovado, a Bolsa teve um dia de euforia, com as ações da Petrobras subindo cerca de 10 pontos. A banca privada nacional e estrangeira aposta que o governo que suceda a Rousseff, eventualmente com Temer no Planalto, revisará a legislação o marco regulatório do Pré-Sal, que concede papel dominante à estatal Petrobras.

O desgosto dos banqueiros pode gerar uma segunda-feira de mercados alterados, com a bolsa em baixa e o dólar em alta. Um risco seguramente calculado por Dilma, Lula e pelo chefe de gabinete Jaques Wagner.

Em meio aos rumores que percorrem Brasília, pode-se perceber que o governo chegou à conclusão de que despedir a Levy traria riscos, mas mantê-lo no cargo seria pior ainda.

Depois de 11 meses e 18 dias de gestão, Joaquim Levy deixou uma inflação projetada de 10,7%, uma recessão de 3,5% e o mais preocupante, o desemprego, que estava por baixo de 5% no ano passado, subiu a 8,9% em 2015, com um incremento da precarização do trabalho.

Se o desemprego superar a barreira dos 10%, será difícil para o governo garantir o apoio popular neste verão, quando virão novas investidas golpistas, e a democracia voltará a ser disputada nas ruas.


Paraguai, Obama e Israel

Há duas semanas, Dilma reduziu drasticamente os gastos básicos e suspendeu sua agenda diplomática, devido à falta de fundos, por não ter o orçamento aprovado no Congresso. Cancelou uma visita ao Japão e colocou em dúvida suas viagens ao Paraguai, para a cúpula do Mercosul que se inicia nesta segunda-feira, e a Buenos Aires, para a posse de Mauricio Macri, no dia 10 de dezembro. A presidenta enfrentava um dos momentos mais críticos do seu mandato, chantageada por parlamentares que se negavam a votar o orçamento e ameaçavam iniciar o impeachment.

Mas, nos últimos dias, a crise foi aliviada. O Congresso votou o orçamento e o STF abortou a manobra realizada por Eduardo Cunha para viabilizar o golpe legislativo. Após receber uma ligação do presidente Barack Obama, entendida como um apoio, e contar com a voz das milhares de cidadãos que foram às ruas para repudiar o golpe, Dilma embarca fortalecida ao Paraguai. O Itamaraty não precisou os temas que serão tratados, mas existe a certeza de que haverá um debate sobre a Venezuela – tema que perdeu voltagem, pois Dilma já afirmou que apoiará a permanência do país no Mercosul.

A defesa de Caracas dentro do bloco sul-americano é uma posição defendida pela presidenta brasileira em vários encontros, assim como o seu rechaço aos assentamentos israelenses em territórios palestinos. Por isso ainda não foi aceita a nomeação do colono Dani Dayan, escolhido pelo premiê Benjamin Netanyahu para ser o futuro embaixador em Brasília.

Antes de viajar à Assunção, Dilma tomou conhecimento de um artigo assinado ontem por uma colaboradora do diário Folha de São Paulo em Tel Aviv, onde se menciona a “irritação” dos diplomatas israelenses devido ao atraso na aprovação de Dani Dayan como embaixador. As mesmas fontes israelenses ameaçaram deixar a embaixada acéfala se Dilma não revisar sua posição.

Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Lula Marques/ Agência PT

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