Essa direita sempre se
caracterizou pelo golpismo. Nunca foi boa em ganhar eleições. Sempre tentaram o
golpe, pela força ou por artifícios jurídicos.
Marcio Sotelo Felippe // www.cartamaior.com.br
Tocqueville dizia que quando o
passado não ilumina o futuro o espírito vive em trevas.
Ainda vivemos a luta entre forças
sociais e políticas que emergiram no final da II Guerra.
Derrotado o nazi-fascismo, dois
blocos se estruturaram globalmente. O reflexo disto entre nós está na gênese da
direita contemporânea brasileira, especialmente desprezível. Entreguista,
sempre de joelhos perante os interesses dos EUA, arrogante e incapaz de disfarçar o desprezo
pelo povo.
No imediato pós-guerra esta
direita se aglutinou e se articulou na oposição ao ditador Vargas na UDN,
abrigando alguns liberais de boa cepa, mas também, ao longo de seu triste
percurso, o mais deslavado golpismo.
Por uma opção estratégica, na
perspectiva dos dois blocos globais e não por alguma estima a Vargas, que havia
massacrado os comunistas, a esquerda e forças populares apoiam Getúlio e
Prestes divide palanques com o ditador que entregou sua mulher grávida, judia,
à Alemanha nazista, para morrer em um campo de concentração.
Essa direita sempre se
caracterizou pelo golpismo. Nunca foi boa em ganhar eleições. Perdendo-as,
seguia-se imediatamente a tentativa de golpe, pela força ou por artifícios
jurídicos.
Getúlio candidato em 1950, o
golpista Lacerda profere a célebre frase: "o Sr. Getúlio Vargas, senador,
não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito
não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de
governar." Começamos a ver que não há exatamente algo de novo neste nosso
momento: após a vitória de Vargas, a UDN vai ao TSE defender a tese,
extravagante diante da Constituição de 1946, de que havia necessidade de
maioria absoluta e assim impedir a posse do presidente eleito. Não é original a
prática de arregimentar juristas amigos para estraçalhar textos constitucionais
claros.
Eleito e empossado, Vargas no
segundo governo não se alinha automaticamente aos EUA e adota medidas
populares. Surge a Petrobrás, alvo permanente e obsessivo da direita
brasileira. O ministro do Trabalho João Goulart é forçado a demitir-se por
pressão dos militares ao conceder reajuste de 100% do salário-mínimo. Sob feroz
ataque da imprensa, a crise de agosto de 1954 leva Getúlio ao suicídio, gesto
que adia por 10 anos o golpe.
A UDN perde novamente as eleições
de 1955 e mais uma vez, liderada pelo renitente golpista Lacerda, recorre aos
Tribunais ressuscitando a tese da maioria absoluta para impedir a posse de
Juscelino.
A renúncia de Jânio dá ensejo a
nova tentativa de golpe, derrotada pela corajosa resistência de Brizola, que
garante a posse de Goulart.
Em 1964, por fim, triunfa o
ansiado golpe da direita que atrasou o desenvolvimento do país, manteve e
aprofundou a estrutura desigual da sociedade brasileira, alinhou
definitivamente o Brasil aos EUA e aos interesses imperialistas e, para tudo
isso, exilou, matou e torturou.
Olhando para 1946, 1950, 1954,
1961 e 1964 contemplamos agora algo de novo? Vimos nas eleições de 2014 que
Lacerda não morreu. Proclamado o resultado das eleições, imediatamente a
palavra de ordem da direita golpista é impeachment. Os fundamentos exatos eles
veem depois.
O espírito de Lacerda vive em
Aécio, Serra e cúmplices, mas suspeito que Lacerda talvez tivesse algum pudor
de dar sustentação e proteger a delinquência de Eduardo Cunha.
Realmente, nada de novo. Nos
métodos e nos fins. Nos anos 50, o objetivo era entregar o petróleo a
interesses estrangeiros, arrocho salarial, etc. Hoje, aprofundar o
neoliberalismo, eliminar direitos sociais, entregar o pré-sal, como persegue
obsessivamente Serra, garantir um superávit primário que remunere parasitas
rentistas, abocanhando recursos da saúde, educação, previdência, moradia, etc.
Nunca e nenhuma palavra, por exemplo, sobre a histórica e iníqua desigualdade
que condena milhões de brasileiros a uma subvida, ou sobre o massacre de jovens e negros nas
periferias.
Não se trata de barrar o
impeachment como defesa político-partidária do governo Dilma, o que, per se, é
uma tarefa inglória, do mesmo modo como era inglório subir aos palanques de
Vargas em 1945. Ela cometeu erros em série que aplainaram os caminhos da
tentativa de golpe. Isolamento das forças que a elegeram com um ajuste fiscal
torpe, lei antiterrorismo, indiferença ante a brutalidade do aparato repressivo
do Estado, completa ausência de uma política de direitos humanos (como ocorreu
também, aliás, nos anteriores governos do PT). O corpo humano não consegue
distinguir a porrada no Estado de Direito e a porrada nos regimes autoritários.
Elas doem igualzinho.
Há, no entanto, dois aspectos que
levam à defesa do seu mandato.
Em primeiro lugar, do outro lado
está o adversário extremo e histórico
das forças populares, a velha direita golpista brasileira e seu projeto
antipopular que, em seu arco de alianças, reúne hoje tudo que há na sociedade
de retrógrado, obscurantista e pré-iluminista.
Um segundo aspecto expresso com
as palavras de Ivo Tonet, professor de Filosofia da Federal de Alagoas: “Marx
já afirmava que a democracia burguesa é o melhor espaço para o proletariado
levar a sua luta contra a burguesia até o fim. O que significa que a democracia
é um meio, não um fim. O fim é a emancipação humana. Então, certamente,
defender a democracia é do interesse dos trabalhadores, mas, enquanto isso, é
preciso avançar em direção ao objetivo maior: a revolução, o socialismo, a
efetiva liberdade humana, o fim de toda exploração e dominação do homem pelo
homem”
De qualquer modo, e ainda que a
perspectiva não seja a estritamente marxista, não interessa aos excluídos a
quebra da ordem constitucional conquistada após a ditadura militar, mormente
com este assustador avanço das forças retrógradas.
Ajudaria se a presidenta Dilma
deixasse de adotar o programa dos que querem derrubá-la, supondo que de joelhos
defende melhor seu mandato e sua trajetória política. A lógica mais trivial
assegura que é melhor amparar-se nos aliados do que nos adversários e que não é
razoável esperar que seu mandato seja defendido nas ruas pelos que sofrem na
carne os efeitos das duras medidas adotadas no segundo mandato.
Enfrentando o histórico golpismo
da repugnante direita brasileira, que nada aprende e nada esquece, que Dilma
olhe o passado e não nos arraste de vez para as trevas.
Marcio Sotelo Felippe é
pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São
Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de
1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.
Junto a Rubens Casara, Marcelo
Semer, Patrick Mariano e Giane Ambrósio Álvares participa da coluna Contra
Correntes, que escreve todo sábado para o Justificando.
Créditos da foto: Valter
Campanato/Agência Brasil
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