Para o autor da ação que levou o
STF a se pronunciar sobre o tema, Cunha não tem a imparcialidade necessária
para conduzir o processo e quer atrasá-lo
Najla Passos // www.cartamaior.com.br
O presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), não ficou nada satisfeito com o fato do Supremo Tribunal
Federal (STF) ter desautorizado o rito de impeachment adotado por ele, no qual
constava, entre outras ilegalidades, a eleição por voto secreto de uma comissão
avulsa para avaliar a pertinência do processo contra a presidenta Dilma
Rousseff. Em entrevistas coletivas, ele vem levantando várias dúvidas sobre o
esquema decidido pela corte na semana passada. Garante que vai cumprir a lei,
mas alega que, primeiro, precisa entendê-la. E como a corte já está em recesso,
autorizou também o recesso dos parlamentares.
Autor da ação que provocou a
corte a reanalisar o rito do impeachment, o advogado do PCdoB, Claudio Pereira
de Souza Neto, tem opinião diferente. Para ele, o rito que deve ser seguido
ficou muito claro após a deliberação do plenário do STF e os questionamentos de
Cunha só visam atrasá-lo ainda mais - estratégia que favorece a oposição.
Apesar do STF não ter acolhido todas as propostas previstas na ação que
ingressou, Souza Neto elogiou a decisão da corte e acredita que não entrará com
novo recurso para questioná-la.
“A solução a que chegou o STF é
marcada pela moderação, com o propósito de racionalizar a política brasileira,
marcada pelo propósito de tornar o funcionamento e o relacionamento entre as
instituições mais harmônico. É a proposta que correspondeu a grande maioria do
plenário. Em princípio, acho que não é caso de recurso, mas vamos examinar a
publicação do acórdão, vamos verificar se há algum ponto que precisa ser melhor
esclarecido. Essa decisão será tomada em conjunto com o autor da ação”,
explicou.
Tão estarrecido com a postura de
Cunha quanto o resto do país, Souza Neto avalia que o deputado não poderia
estar a frente deste processo. “Cunha tem se comportado de uma maneira
absolutamente estranha às melhores tradições do legislativo brasileiro. O presidente da Câmara dos Deputados é o
primus inter pares [primeiro entre os iguais], ele é um deputado como os demais
que coordena os trabalhos. E é fundamental que esta atitude, que sempre foi a
atitude dos presidentes da Câmara, se mantivesse. Não é isso o que nós vimos,
tanto é que impugnamos o ato dele de recebimento da denúncia do impeachment,
sob o argumento de que ele estava sob suspeição”, afirma.
E mesmo embora esse argumento não
tenha sido recepcionado pelo STF, porque, conforme o advogado, a arguição de
descumprimento de preceito fundamental discerne a impugnação das leis em tese,
e não propriamente para a produção de provas que pudesse demonstrar a prática
de imparcialidade por parte do presidente da Câmara, o recente pedido de
afastamento de Cunha proposto pelo procurador-geral da República corrige o fato
dele utilizar do cargo para a prática de delitos e ilícitos. “Vamos agora aguardar
como o STF vai apreciar esta matéria. Tudo indica que ficará para fevereiro. O
fato é que a cidadania aguarda que Eduardo Cunha seja afastado. Ele não tem
condições, não tem a imparcialidade necessária para ser presidente de uma das
casas do Legislativo”, defende.
O rito na Câmara
Para o advogado do PCdoB, a
decisão da corte deixou claro que a comissão da Câmara que irá se pronunciar
sobre a admissibilidade do impeachment que deverá ter seus membros indicados
pelos partidos políticos. Não cabe, portanto, nem eleição de comissão avulsa,
como fez Cunha, e muito menos por votação secreta. “Tudo em um processo de
impeachment tem que se dar a luz do dia, tem que se dar à vigilância da
cidadania e este processo não se contabiliza com votações secretas”, sustenta.
De acordo com ele, o termo
“eleição”, usado na Constituição para balizar a indicação da comissão, foi
empregado como sinônimo de “escolha’. “O ministro Barroso até mencionou ter
consultado os dicionários e ter visto que escolha é o primeiro significado dado
ao termo eleição. Então, na verdade, os partidos políticos escolherão os
deputados que irão integrar a comissão, porque não tem outro jeito sem violar a
proporcionalidade da comissão”, argumenta.
Como exemplo, ele cita a hipótese
de um partido que tenha cinco deputados, mas só um a favor do impeachment. “Se
a escolha for feita pelo plenário, pode ser que recaia sobre aquele parlamentar
que possui opinião minoritária e, portanto, não será capaz de representar sua
bancada na comissão. E isso violaria gravemente a autonomia partidária na
Câmara. Seria um absurdo se permitir um estímulo à prática da infidelidade
partidária. Portanto, a opinião a que chegou o STF é que os partidos escolherão
seus representantes, que serão indicados pelo líder do partido. E é importante
lembrar que o líder é eleito pela maioria do partido”, esclarece.
O papel do Senado
Pela decisão da corte, o Senado
terá grande protagonismo no rito de impeachment porque, ao contrário do que
defendia Cunha, poderá decidir se irá prosseguir ou não com o processo. A
divergência entre o definido pelo STF e o requerido por Souza Neto é que o
advogado pleiteava que a decisão do Senado fosse tomada por maioria qualificada
de dois terços, mas a corte decidiu que, neste primeiro momento, bastará a
maioria simples.
“A decisão do pleno é que o
Senado pode aceitar a denúncia por maioria simples. O nosso pleito é que fosse
necessário maioria de dois terços. Na nossa opinião, essa é uma decisão
gravíssima, porque implica o afastamento da presidenta da República, ainda que
temporariamente, até o julgamento final do processo. 54 milhões de pessoas
votaram na presidenta Dilma e a exigência de quórum qualificado é uma
deferência ao voto dessas pessoas. Mas não foi esta a compreensão que prevaleceu
no STF. A corte entendeu que, como já teria ocorrido a autorização para o
processamento na Câmara, e essa autorização já teria sido dada por dois terços
dos deputados, exigir-se maioria simples na primeira manifestação do Senado já
significaria garantia suficiente ao cumprimento do mandato presidencial”,
esclarece.
Por isso, segundo ele, o rito
funcionará da seguinte forma no Senado: chegando à casa, o processo será
admitido pela mesa, que montará uma comissão para elaborar um parecer acerca da
admissibilidade da denúncia. O parecer será submetido pela primeira vez à
apreciação do plenário, que deverá dizer se a denúncia deve ou não ser objeto
de deliberação. Se a oposição sair vitoriosa por maioria simples, o processo
está instalado e a presidenta é afastada. Neste caso, o processo volta para a
comissão, que produz novo relatório e há nova manifestação do plenário que irá
proferir uma decisão de pronúncia. Essa decisão se dará também por maioria
simples.
“Esse parecer é um típico juízo
de admissibilidade. A comissão deverá examinar se as condições de
processabilidade estão presentes. E o que significa isso? Examinar, por
exemplo, se o autor da denúncia é legítimo, se é de fato portador da cidadania,
se não está com seus direitos políticos suspensos. Deverá verificar se houve a
votação por dois terços da Câmara, que é uma das exigências”, explica.
Ainda conforme o advogado, depois
o processo volta para a comissão, produzem-se as provas, e há a decisão final
do Senado Federal. E essa decisão final, para que haja uma condenação,
necessitará de dois terços dos senadores. O interessante e inovador em relação
ao rito definido por Cunha é que, em qualquer uma das duas fases anteriores, se
não se obtiver a maioria simples, há a extinção e imediato arquivamento do
processo.
Souza Neto explica ainda que, a
qualquer momento, o Senado pode entrar na questão de mérito, porque pode haver
uma análise da tipicidade, em tese, da conduta. “O Senado poderá extinguir
desde logo o processo se verificar que a conduta é atípica. Se entender, por
exemplo, que a edição de decretos para créditos complementares, que é uma das
condutas imputadas à presidência na denúncia, não se identifica com a hipótese
de crime de responsabilidade”, exemplifica.
Pedalada fiscal é crime?
Para o autor da ação que
questionou o rito do impeachment, nem a presidente da república e nem o vice
podem ser responsabilizados por prática de crimes de responsabilidade por terem
subscrito os decretos de crédito suplementares ou autorizado as chamadas
pedaladas fiscais, conforme consta na denúncia que resultou na abertura do
processo contra Dilma. “A Constituição prevê que o crime de responsabilidade é
um atentado contra a Constituição. E isso é diferente de uma mera
inconstitucionalidade, de uma mera ilegalidade. O presidente da república
sanciona leis que podem ser declaradas inconstitucionais pelo STF. Imagina se
toda vez que ocorrer isso houvesse uma abertura de processo de impeachment.
Isso não faria o menor sentido”, afirma.
Para Souza Neto, impeachment é
uma coisa séria que não pode ser banalizada. “O processo de impeachment existe
para aquela hipótese em que há crime, e que esse crime é um atentado contra a
Constituição, uma conduta provida de muita gravidade. Deve haver um ato que
viole o texto constitucional, e me parece que nem a presidente nem o vice, ao
assinarem esses decretos, mereçam ser responsabilizados na esfera de um
processo de impeachment”, defende.
Segundo ele, é importante
destacar que não está em discussão a validade dos decretos e das chamadas
pedaladas fiscais. “É absolutamente respeitável que alguém diga que as
pedaladas não são a melhor forma de se fazer contabilidade pública. O que não é
sustentável é dizer que essas condutas configuram crime de responsabilidade
e justificam o afastamento da presidenta
da república. É importante perceber que essas mesmas condutas vinham sendo
praticadas pelo vice Michel Temer, mas também pelo ex-presidente Lula e pelo
ex-presidente FHC, além de prefeitos e governadores brasileiros na sua quase
totalidade”, lembra.
Segundo ele, essas condutas vêm
sendo tidas como válidas pelos órgãos de controle. “Então, não é possível que
condutas dadas como legítimas passem de uma hora para outra a serem classificadas
não só como condutas não legítimas, mas como condutas que consubstanciam um
atentado à Constituição, que é o que configura o crime de impeachment. Não há
nisso, nem de longe, qualquer conduta que possa ser caracterizada como
vocacionada a obtenção de proveitos pessoais. Isso não se confunde com
corrupção. Não há má fé, não há improbidade, não há desonestidade”, argumenta.
Impeachments Collor X Dilma
O advogado sustenta que as
condições em que em se deu o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de
Mello são absolutamente diferentes das de hoje. “As condutas atribuídas à Dilma
pelo presidente da Câmara são a edição desses decretos para abertura de
créditos suplementares e as pedaladas fiscais. No caso do impeachment do
ex-presidente Collor, antes de iniciar o processo de impeachment na Câmara, se
instaurar no Congresso uma CPI que apurou, com profundidade, provas relativas à
atuação do tesoureiro dele, desde a campanha, o PC Farias, vários
comportamentos que causaram uma crise nacional”, diferencia.
Além disso, ele lembra que havia
praticamente consenso entre os principais partidos do país, direita, esquerda,
centro, empregados, trabalhadores, empresários, estudantes. “Todos os setores
da sociedade brasileira estavam apoiando o impeachment de Collor. Algo que nem
de longe há hoje. O que há hoje é uma divisão da sociedade brasileira que não é
bom para o Brasil. O momento brasileiro exige união, exige a compreensão de que
nós resolvemos nossas diferenças políticas nas urnas, nas eleições periódicas.
No Brasil, há adversários, não há inimigos”, alega.
Créditos da foto: Lula Marques
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