ROBERTO AMARAL // http://www.brasil247.com/
As violações aos direitos do
criminoso de colarinho branco homologam as violências maiores diariamente
praticadas contra os pobres.
O combate à corrupção, em todos
os níveis nos quais se manifeste, deve ser levado a cabo com a exemplar punição
de seus agentes, onde quer que se acastelem, independentemente da cor do
colarinho. Esta obviedade não é objeto de questionamento nem mesmo pelos
defensores dos acusados mais notórios.
A ação apuradora-punitiva, porém,
salta dos trilhos de seus objetivos éticos e constitucionais quando
instrumentaliza perversa e impatriótica campanha midiática voltada para a
desmoralização da política, sem a qual – é preciso dizer mil vezes e mil vezes
repetir para quem não sofreu os idos da última ditadura – a democracia não
sobrevive.
Como não sobreviveu a liberdade
de imprensa (requisito da democracia) quando se instalou em 1964 a ditadura
militar, pleiteada e aclamada e sustentada e defendida pela grande mídia, a de
então, que é a mesma de hoje, em sua essência.
As ações de combate à corrupção,
são, presentemente, instrumentalizadas pela imprensa e pelos setores
partidários derrotados em 2014 com vistas a desestabilizar o governo
constitucional e fragilizar a economia brasileira, de si abalada, e mais
abalada pela crise internacional (em crescendo desde 2008), que nos acena com
uma crise similar ou superior à de 1929.
Com o agravamento da crise
econômica interna objetiva-se agravar a crise política (a crise permanente, a
crise alimentada, a crise política que alimenta a crise econômica, a crise
econômica potencializando a crise política) e, assim, levado às cordas, o
governo, condenado à paralisia mortal, passa a carecer de meios para enfrentar
como deveria a desaceleração da economia que sugere a crise social para um
amanhã cuja data de chegada ninguém pode precisar.
Conspira-se contra o País, no
curto prazo planta-se o caos, como se esse não fosse o fiador dos anos futuros.
Uma vez mais é necessário
recorrer ao óbvio, desta feita lembrando que o combate à corrupção, que a
sociedade reclama, deveria, necessariamente, concentrar-se na apuração das
irregularidades e suas respectivas responsabilidades, no ressarcimento do
erário e na punição exemplaríssima dos agentes.
No entanto, manipulado como vem
sendo, transforma-se em aríete com o qual a direita brasileira – em silêncio
até 2014 – tenta revogar, ao arrepio dos instrumentos da República, as
conquistas sociais e civis de muitas e muitas décadas e solapar o sentimento de
brasilidade, fazendo com que nosso povo, descrendo de si, termine descrendo de
seu País, renuncie à construção de seu futuro, transforme a esperança em
desânimo e se deixe dominar pelo trágico complexo de vira-lata.
Cria-se, assim, o ambiente
favorável às concessões cívicas que compreendem desde a desestruturação do
Estado social ao punitivismo, com aceitação da brutalidade como resposta, num
regressivismo penal que revoga as conquistas do direito moderno.
Qual o preço que uma sociedade
razoavelmente sadia e na plenitude de seu discernimento se dispõe a pagar para
livrar-se da ação criminosa de agentes da corrupção capitalista?
Aqui entra em debate uma questão
delicada, a sempre difícil relação entre fins e meios.
O combate à impunidade justifica
a violação do princípio constitucional (art. 5º, LVII) da presunção da
inocência? Justifica a derrogação do direito de ampla defesa, ou a imputação de
pena de restrição da liberdade sem prévio julgamento, ou a prisão para a
apuração de responsabilidade, substituindo a prisão que só se decreta após a
apuração do crime e seu julgamento passado em julgado?
A simples suposição do fato
delituoso justifica a prisão e a exposição midiática difamante?
Quando a investigação serve de
disfarce à disputa política, o réu escolhido passa a ser culpado até prova em
contrário, e dessa forma o ônus da prova (invertendo a lógica jurídica) passa a
recair sobre ele.
Nesse esquema, o indício passa a
ser tratado como evidência, e a suposição assume ares de certeza cabal. Se
fulano recebeu dinheiro, a remessa haverá de ter sido ilegal. Se um acusado
cita "L", ele é forçosamente "Luiz", e Luiz há de ser Luiz
Inácio Lula da Silva. Transporta-se para nossos dias a lógica da raposa em seu
diabólico diálogo com o cordeiro, imortalizado na fábula clássica e sempre
atual de La Fontaine.
Assim era na última ditadura
brasileira e assim é em toda ditadura e em todos os momentos de exceção
jurídica: prende-se, a partir de suposições ou ilações, para apurar a acusação.
Todo inquisidor tem sua lista de suspeitos prévios. Não é assim nas democracias.
Nelas, só a apuração do delito leva à condenação e esta, à prisão.
O Estado de direito democrático,
ou isso que logramos construir no Brasil (na realidade, isso que a duras penas
está em construção entre nós desde a Constituição de 1988), está nitidamente em
xeque.
Insatisfeitos com as respostas da
política, setores da população, sobretudo uma boa parte da classe média –
vítima de um processo ao mesmo tempo de lavagem cerebral e intoxicação
ideológica, levado a cabo de maneira permanente e sistemática pelos meios de
comunicação de massa –, parece encantada com a espetacularização e midiatização
do processo judicial, e os abusos correspondentes. Não se dão conta de que
quando um direito é violado para punir um acusado a vítima é toda a ordem constitucional,
e nela os direitos e garantias individuais que visam não à proteção do poderoso
– que não precisa do direito para defender-se –, mas do homem comum, o homem do
povo que mais desprotegido se encontra quando não pode contar, em sua defesa e
proteção, com o aparelho estatal.
Nessa reação, o sentimento de
justiça é contaminado pelo de vingança, a vingança de um povo cansado da
impunidade dos poderosos, e esse sentimento é mobilizado pelos meios de
comunicação de massa, espetacularizando as prisões e legitimando as violações de
direito.
Como explicar às pobres vítimas
dos meios de comunicação que uma agressão ao direito do outro é uma agressão,
também, a elas, ao direito delas?
Como explicar que as violações
aos direitos do criminoso de colarinho branco, ainda que aplaquem nossa raiva
interior, terminam homologando as violências maiores diariamente praticadas
contra pobres pelo sistema policial e pelo sistema judiciário, cego quando se
trata de vê-los?
Ora, o policial ou o juiz que
viola o direito do rico, que pode ameaçá-lo, terá limites quando em suas mãos
estiver a incolumidade física ou a liberdade do infrator pobre e sem proteção
política?
A normalização da violência é a
maior ameaça aos pobres, ainda quando possa atingir momentaneamente a uma meia
dúzia de empresários.
O direito precisa sempre ser
respeitado e só quando a estrita obediências às suas normas e princípios se
observa como regra vigente sobre todos os cidadãos, e apenas quando é observado
por todas as autoridades, é que se torna uma norma também para os pobres. Não
pense o homem do povo que, na sociedade de classes, a ordem autoritária ou o
arbítrio de um policial, de um promotor ou de um juiz poderão assegurar-lhe
qualquer sorte de proteção.
A pregação ideológica dos meios
de comunicação oligopolizados (em si uma inconstitucionalidade que os põe à
margem do direito e da legalidade) contribui para uma onda de reacionarismo e
primitivismo político que investe contra avanços sociais.
Os grandes meios apostam na
ignorância (que reproduzem), na intolerância (que incentivam), no
individualismo (que estimulam). Insaciáveis, agindo em uníssono, uniformizados
ideologicamente, coerentes no mesmo projeto político, assumem o papel de
construtores da história; para além de narrar, criam o fato e interferem em seu
andamento, constroem a realidade, comandam a política, dirigem o discurso da
oposição, pautam os partidos e o debate social ditando o que se deve ouvir e
principalmente excluindo o que não querem que seja discutido, e assim não se
discute que país queremos e que país estamos construindo.
Elegem adversários (que precisam
ser eliminados) e amigos que precisam ser protegidos. Olímpicos, assumem o
papel de supremos julgadores, e esgrimam o monopólio da verdade. Julgador e
justiceiro, o monopólio elege suas vítimas (poupando desassombradamente seus
aliados políticos) e as condena à execração pública, a pior das penas, pois não
admite recurso, apelação ou sursis.
O homem público previamente
condenado pelos meios de comunicação jamais conhecerá absolvição. A esta pena,
a propósito, já foi condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vítima
da vendeta dos meios de comunicação purgando não seus erros, mas os acertos de
seus oito anos de governo popular.
Este massacre mediático,
impiedoso, injusto, é caso exemplar de unidade de ação e propósitos de
policiais, procuradores e juízes, sob o comando político-ideológico dos meios
de comunicação, unificadas todas essas forças na caça ao ex-presidente, o réu
previamente condenado e punido, independentemente de culpa. A pena foi
decretada, e está em execução.
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