Há um ponto importante dedicado a temas de acordos
militares na agenda: tornar as empresas francesas as grandes provedoras da
Força Aérea argentina.
Martín Granovsky, para o diário Página/12 // www.cartamior.com.br
O evento mais importante da visita de François
Hollande à Argentina sucederá nesta quinta-feira (25/2), quando o presidente
francês assistirá a um ato no Parque da Memória e se reunirá com organismos de
direitos humanos. Essa parte da agenda, como se sabe, já produziu um fato de
política interna: acelerou a entrevista de Mauricio Macri com os organismos
humanitários. O mesmo ocorreu com os sítios de memória instalados na antiga
Escola de Mecânica da Marinha (ESMA). O presidente Mauricio Macri se apressa
para visitá-los antes da visita que fará o seu colega estadunidense Barack
Obama, que tem viagem a Buenos Aires agendada para este mês de março.
Durante a ditadura, os repressores argentinos
mataram opositores seguindo a doutrina de segurança nacional – um protocolo com
o copyright dos Estados Unidos – e a doutrina da contra-insurgência, provada
pelos esquadrões franceses na Argélia. Nos anos de chumbo, os exilados
argentinos reclamaram por uma aproximação do governo da França à causa dos
direitos humanos na Argentina, alegando ser uma luta em comum com líderes
políticos e sociais franceses. Os atos de hoje teriam sido impossíveis sem essa
luta, e sem a vigência dessa demanda. Essa persistência levou ao Colóquio de
Paris de 1981, origem da Convenção contra a Desaparição Forçada de Pessoas, um
dos documentos mais importantes do mundo com respeito aos direitos humanos.
Outro ponto da agenda de Hollande é a apresentação
da visita por parte do governo de Mauricio Macri. O argumento diz que a
Argentina estaria voltando a um mundo do qual havia estado fora, e que a prova
disso seria os quase vinte anos transcorridos desde a última visita de um
presidente francês – então Jacques Chirac. É uma falácia: inclusive se o mundo
fosse somente os mercados financeiros. Em 2014, o governo de Cristina Fernández
de Kirchner assinou um acordo com o Clube de Paris, integrado por 19 credores
da Argentina. O acerto comprometeu o cancelamento de 9,7 bilhões da dívida em
cinco anos. A rigor, muitas das empresas francesas deixaram a Argentina ou
reduziram seu peso na economia nacional, por não aceitarem se adaptar à tarifa
da convertibilidade, que já não se baseavam na paridade fictícia de um peso
igual a um dólar ou em condições que já não eram as da Era Menem.
Os conflitos incluem, entre outros, o da empresa de
águas Suez Lyonnaise des eaux e a radioeléctrica Thales Spectrum. Neste último,
o caso envolveu um crime de corrupção. Com a Suez, as rusgas foram permanentes
até 2007, quando o então presidente Néstor Kirchner rescindiu o contrato em
favor da estatal AYSA.
Também há um ponto importante dedicado a temas de
acordos militares na agenda. A intenção de Hollande com a Argentina é repetir o
modelo acordado em seu momento com o Brasil, fazendo das empresas francesas as
grandes provedoras e reequipadoras da Força Aérea argentina – algo que, no caso
do Brasil, é muito mais atenuado hoje.
Um pequeno probleminha para que essa ilusão se
torne realidade é que a Argentina tem a sua aeronáutica em estado de paralisia.
Os aviões Mirage não estão em forma suficiente para completar os cinco aparatos
necessários para integrar uma frota. Nessas condições, qualquer reequipamento
seria uma medida improvisada e inútil. E comprar uma frota nova levaria o país
a gastar fortunas que atualmente não tem. Mudar a estrutura do fornecimento
seria, portanto, um objetivo impossível de ser alcançado, por sua enorme
magnitude.
Outro problema seria a questão geoestratégica. A
França está em guerra aberta contra o Estado Islâmico. Uma coisa é a
solidariedade com as vítimas e o repúdio a toda forma de fundamentalismo
violento. Outra coisa é elevar a cooperação militar a um nível perigoso para a
Argentina: poderia torná-la um alvo que ela não é.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Reprodução
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