sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os bastidores da viagem de Hollande à Argentina

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Há um ponto importante dedicado a temas de acordos militares na agenda: tornar as empresas francesas as grandes provedoras da Força Aérea argentina.

Martín Granovsky, para o diário Página/12 // www.cartamior.com.br

O evento mais importante da visita de François Hollande à Argentina sucederá nesta quinta-feira (25/2), quando o presidente francês assistirá a um ato no Parque da Memória e se reunirá com organismos de direitos humanos. Essa parte da agenda, como se sabe, já produziu um fato de política interna: acelerou a entrevista de Mauricio Macri com os organismos humanitários. O mesmo ocorreu com os sítios de memória instalados na antiga Escola de Mecânica da Marinha (ESMA). O presidente Mauricio Macri se apressa para visitá-los antes da visita que fará o seu colega estadunidense Barack Obama, que tem viagem a Buenos Aires agendada para este mês de março.

Durante a ditadura, os repressores argentinos mataram opositores seguindo a doutrina de segurança nacional – um protocolo com o copyright dos Estados Unidos – e a doutrina da contra-insurgência, provada pelos esquadrões franceses na Argélia. Nos anos de chumbo, os exilados argentinos reclamaram por uma aproximação do governo da França à causa dos direitos humanos na Argentina, alegando ser uma luta em comum com líderes políticos e sociais franceses. Os atos de hoje teriam sido impossíveis sem essa luta, e sem a vigência dessa demanda. Essa persistência levou ao Colóquio de Paris de 1981, origem da Convenção contra a Desaparição Forçada de Pessoas, um dos documentos mais importantes do mundo com respeito aos direitos humanos.

Outro ponto da agenda de Hollande é a apresentação da visita por parte do governo de Mauricio Macri. O argumento diz que a Argentina estaria voltando a um mundo do qual havia estado fora, e que a prova disso seria os quase vinte anos transcorridos desde a última visita de um presidente francês – então Jacques Chirac. É uma falácia: inclusive se o mundo fosse somente os mercados financeiros. Em 2014, o governo de Cristina Fernández de Kirchner assinou um acordo com o Clube de Paris, integrado por 19 credores da Argentina. O acerto comprometeu o cancelamento de 9,7 bilhões da dívida em cinco anos. A rigor, muitas das empresas francesas deixaram a Argentina ou reduziram seu peso na economia nacional, por não aceitarem se adaptar à tarifa da convertibilidade, que já não se baseavam na paridade fictícia de um peso igual a um dólar ou em condições que já não eram as da Era Menem.

Os conflitos incluem, entre outros, o da empresa de águas Suez Lyonnaise des eaux e a radioeléctrica Thales Spectrum. Neste último, o caso envolveu um crime de corrupção. Com a Suez, as rusgas foram permanentes até 2007, quando o então presidente Néstor Kirchner rescindiu o contrato em favor da estatal AYSA.

Também há um ponto importante dedicado a temas de acordos militares na agenda. A intenção de Hollande com a Argentina é repetir o modelo acordado em seu momento com o Brasil, fazendo das empresas francesas as grandes provedoras e reequipadoras da Força Aérea argentina – algo que, no caso do Brasil, é muito mais atenuado hoje.

Um pequeno probleminha para que essa ilusão se torne realidade é que a Argentina tem a sua aeronáutica em estado de paralisia. Os aviões Mirage não estão em forma suficiente para completar os cinco aparatos necessários para integrar uma frota. Nessas condições, qualquer reequipamento seria uma medida improvisada e inútil. E comprar uma frota nova levaria o país a gastar fortunas que atualmente não tem. Mudar a estrutura do fornecimento seria, portanto, um objetivo impossível de ser alcançado, por sua enorme magnitude.

Outro problema seria a questão geoestratégica. A França está em guerra aberta contra o Estado Islâmico. Uma coisa é a solidariedade com as vítimas e o repúdio a toda forma de fundamentalismo violento. Outra coisa é elevar a cooperação militar a um nível perigoso para a Argentina: poderia torná-la um alvo que ela não é.


Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Reprodução

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