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por Juliano Giassi Goularti
Ao contrário do jovem Santiago Nasar, personagem de García Márquez, que desejava muito viver, o governo brasileiro, ao seguir a cartilha dos porta-vozes da austeridade do mercado financeiro, procurou o suicídio. E o suicídio leva consigo uma fração de classe da população brasileira
O livro Crônica de uma morte anunciada, escrito por Gabriel García Márquez (publicado em 1981) conta o último dia de vida de Santiago Nasar. No romance, acusado por Ângela Vicário de tê-la desonrado, todos ao seu redor ficam sabendo do homicídio premeditado algumas horas antes, mas não fazem nada para protegê-lo dos assassinos. Tarde demais. Santiago foi morto a facadas pelos irmãos de Ângela, os gêmeos Pedro e Pablo, que ajudaram a espalhar a notícia.
A questão é que, por conta de toda a publicidade, ninguém julgou necessário prevenir a vítima. Todos se eximiram da responsabilidade. A obra de Garcia Márquez gira em torno de anunciar a morte de Nasar, contada por um narrador não onisciente.
A crise econômica e política que está levando o país para o abismo é um pouco semelhante à morte anunciada de Santiago Nasar. Todos macroeconomistas que não estão na folha de pagamento do sistema financeiro sabem que a economia brasileira caminha para o abismo. Mas, ao contrário dos moradores do vilarejo em que vivia Santiago Nasar e não fizeram nada para protegê-lo dos assassinos, os macroeconomistas de postura social crítica e de comprometimento com a Nação têm alertado dia após dia o governo da presidenta Dilma dos perigos de adotar uma política de austeridade – corte de gastos públicos em programas sociais e de investimentos estruturantes para atender o rentier.
Ao invés de nos eximir de que a política econômica de austeridade é prelúdio de uma crise anunciada, nós, macroeconomistas de formação heterodoxa, apontamos que resolver a crise pela via da austeridade fiscal e política monetária de juros elevados à beira da recessão é suicídio.
Ao contrário do jovem Santiago Nasar que desejava muito viver para desfrutar dos prazeres que a vida tinha a lhe oferecer, o governo brasileiro, ao seguir a cartilha dos porta-vozes da austeridade do mercado financeiro, procura o suicídio. A questão é que o suicídio leva consigo uma fração de classe da população brasileira.
Ademais, ao invés de amenizar a relação dívida/PIB, impedir a queda na arrecadação, coibir a desaceleração do PIB e estimular o investimento público e privado na infraestrutura social básica, a austeridade agrava a crise econômica e fragiliza a democracia.
A economia brasileira já demonstrava sinais de esgotamento em 2011. O crescimento econômico que fora de 7,5% em 2010 caiu para 2,7% em 2011 até chegar a 0,1% em 2014 e (-3,8%) em 2015, a maior queda da série histórica iniciada em 1996.
Neste período, enfrentamentos importantes foram feitos. Diante de uma conjuntura internacional que se tornara desfavorável, o Banco Central baixou a taxa Selic, chegando ao patamar de 7,25% a.a. (out/2012), o Ministério da Fazenda estabeleceu controle de capitais (IOF sobre os investimentos estrangeiros de portfólio) e os Bancos Públicos forçaram uma redução do spread bancário. Colossalmente, essa tríade desagradou ao sistema financeiro e frações de classes que vivem do rentier. Mesmo assim, o investimento autônomo não reagiu com a rapidez requerida.
Prestes a entrar no olho do furacão, para contornar o ambiente de incerteza e criar expectativa de ânimo da demanda agregada, o governo apostou na horizontalização da política de desoneração tributária para agradar gregos e troianos – a projeção acumulada das desonerações (2010-2015) foi de R$ 956,53 bilhões – em detrimento do investimento público.
No curto prazo, a expectativa era que a redução da taxa de juros, as desonerações tributárias e a política de concessões públicas (portos, aeroportos, ferrovias) tenderiam a aumentar a eficiência marginal do capital privado produtivo para impedir a queda brusca da demanda agregada. Em particular, oscilando no período entre 17,92% e 23,79% da Receita Administrada pela Receita Federal, o efeito multiplicador das desonerações para o conjunto da economia nacional não é claro, tanto que o resultado esperado pelas desonerações não ocorreu.
As desonerações tributárias para o empresariado gerou acumulação privada, mas não gerou crescimento sustentado. Deve-se reconhecer que a socialização das desonerações não resultaram em demanda agregada. Todavia é preciso reconhecer o seu fracasso. No que compete à redução da taxa de juros em 2012 e o esforço de concessões para por fermento no investimento autônomo, também não produziram os efeitos esperados. O ponto reflexivo é que os capitalistas de hoje não querem passar pelo calvário do D – M – D’, e sim transformar D – D’(1).
Quando os irmãos Vicário, com facas bem amoladas, correram em direção a Santiago Nasar anunciando sua morte, ele tratou de correr a toda velocidade. Já o governo federal, quando a crise foi anunciada, ao invés de correr da ortodoxia liberal conservadora, optou pela austeridade em uma economia à beira da recessão. De qualquer modo, o modelo teórico do mainstream que havia perdido força com o social-desenvolvimentismo de Lula, voltou a ganhar força no governo Dilma. Simultaneamente, assiste-se a uma “capitulação ideológica que desmoraliza as esquerdas e traz riscos severos aos trabalhadores que acenderam desde 2003” (2).
Neste contexto, o astuto ajuste fiscal que levou à contração da economia brasileira não restabeleceu a confiança dos agentes como também não conteve o rebaixamento das notas das corruptas e antidemocráticas agências de risco. Pelo contrário, aumentou desemprego, resultou em efeito negativo na arrecadação federal, elevou a relação dívida/PIB e o pagamento de juros, comprometeu o reajuste real futuro do salário mínimo e resultou num crescimento “rabo de cavalo”.
Numa economia subdesenvolvida, uma mudança de rumo tal como um cavalo de pau no Titanic não é passageira. As mudanças na política econômica realizadas, particularmente em 2015, aguçam as heterogeneidades estruturais e alteram profundamente o caminho do social-desenvolvimentismo. Dentro da autonomia do Estado, não absoluta, mas sim relativa, a heresia do lulismo (3) em valorizar o salário mínimo, aumentar o gasto social e permitir que 76% da PEA pudessem ter acesso a serviços públicos e privados que antes era monopólio da classe média e média alta, aguçaram o ódio de classe.
No fundo, a confusão entre desenvolvimento e intervencionismo (4) desagradou à classe média e média alta, a burguesia associada e seus rentier ideológicos. Sendo assim, a virada ideológica afastou o governo dos movimentos sociais e não o aproximou da burguesia associada, da classe média e alta nem dos credores internacionais.
O certo é que a presidenta Dilma queimou seu capital eleitoral e político colocando o lulismo numa situação de xeque. Sendo assim, se de um lado os irmãos Vicário assassinaram o jovem Santiago Nasar para lavar honrar a família, por outro a guinada à ortodoxia liberal conservadora do governo Dilma para não ter a nota rebaixada pelas agências de risco e atender expectativas do capital financeiro, produziu uma forte desaceleração econômica que certamente permanecerá pelos próximos três anos de governo.
Notas
(1)Luiz Gonzaga Belluzzo – O capital e suas metamorfoses (2013).
(2)Luiz Gonzaga Belluzzo; Pedro Paulo Zahluth Bastos – Austeridade pra que? (2015).
(3) André Singer – Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador (2012).
(4) Pedro Cezar Dutra Fonseca – Desenvolvimentismo não é sinônimo de intervencionismo (2016, Folha de S. Paulo).
Juliano Giassi Goularti - É doutorando em Desenvolvimentismo Econômico, IE-Unicamp
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