Enviado por Henrique O
Do Justificando // http://jornalggn.com.br/
Grazielle Albuquerque
Diante de segmentos da imprensa nacional que, na fala do atual chefe de gabinete do Governo, Jaques Wagner, “militam por uma tese”, finalmente a Presidência da República cria uma estratégia midiática mais ofensiva ao centrar esforços nos veículos internacionais. Estabelecido o plano, a primeira ação ocorreu nessa quarta-feira, 24 de março, em que a presidenta Dilma Rousseff concedeu uma entrevista para cinco correspondentes estrangeiros no Palácio do Planalto.
O fato novo é que, além de tentar um espaço mais receptivo para se colocar, Dilma parece que encontrou uma voz. Sua fala às vezes truncada nos debates da televisão costuma crescer quando ela parte para a ofensiva. O discurso firme e direto feito no dia 17 de março, durante a cerimônia que tentava dar posse ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil, usava enfaticamente o termo “golpe” em um ato público. Ano passado, quando o impeachment começou a ganhar fôlego, em agosto, a expressão começou a ser usada por Lula, mas não como uma marca tão forte.
As afirmações por parte de Dilma contra a ofensiva golpista se repetiram dia 22, quando a presidenta recebeu o apoio de juristas “Pela Legalidade e em Defesa da Democracia” e, na sequência, durante a conversa com os jornalistas estrangeiros no dia 24. O Governo precisa não só agendar um tema como romper a espiral do silêncio que sufoca a opinião sobre a ilegalidade do impeachment. Nominar o golpe e fazer ecoar um posicionamento pela defesa da democracia são seus grandes desafios nessa estratégia de comunicação.
Na conversa com os jornalistas estrangeiros, antes mesmo das primeiras perguntas, a presidenta começou falando firme, fazendo uma relação direta entre o processo de impeachment – que ameaça sua destituição em menos de um mês – e a chantagem feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que sofre um processo de cassação no Conselho de Ética. Em seguida, Dilma vai além e toca num ponto central: “Nós tivemos golpes militares por toda a América Latina. Em um sistema democrático de governo, implica que os golpes mudam de característica. Não se trata de golpes nos termos do passado. O pacto entre nós é a Constituição de 1988. Ela assegura que não se pode tirar um presidente da República legalmente eleito, a não ser que haja prova de crime de responsabilidade. Não tendo, é golpe contra a democracia. As consequências disso nós não sabemos, porque não temos a capacidade de prever o futuro". O trecho, transcrito da matéria do El País, feita pelo correspondente Antonio Jiménez Barca, deixa explícito a nova e incisiva estratégia do Governo.
Além do El País, que possui uma edição brasileira, a fala da presidenta Dilma repercutiu no The Guardian. Antes mesmo da entrevista, no dia 18 de março, o jornal inglês trouxe um artigo da jornalista brasileira Eliane Brum sobre a crise. Longe de maniqueísmos, o texto de Eliane, intitulado “Brazil is in danger of turning the clock back on democracy”, tocava em pontos centrais, como a convulsão popular, o papel de herói nacional desempenhado pelo juiz Sérgio Moro e, sobretudo, os riscos à democracia que o País vive. Mesmo sem assumir uma defesa do governo brasileiro, o espaço e a cobertura dados ao tema pelo The Guardian sinalizam exatamente do que o Governo precisa: uma arena mais neutra para fazer ecoar seu recado.
Outro exemplo está no jornal norte-americano New York Times, que, além de cobrir a entrevista de Dilma com os correspondentes, já havia feito, em agosto de 2015, um editorial centrado na questão da democracia e no papel das instituições para a estabilidade do País. Jornais mais à esquerda, como o francês Le Monde Diplomatic, têm sido enfáticos na retaliação ao golpe. A lista também ganha nomes como Der Spiegel (Alemanha), Público (Portugal) e Página 12 (Argentina). Até mesmo a distante rede Al Jazeera fez uma longa matéria televisiva que abordava não só a crise política, como também a cobertura tendenciosa da mídia local. É claro que este não é um movimento uníssono. A revista The Economist, por exemplo, tem feito duras críticas ao governo brasileiro, chegando a pedir a renúncia da presidenta. Os matizes editorias de cada veículo se expressam nas “tintas” de suas matérias.
Contudo, três pontos devem ser observados nesse quadro. O primeiro é a cobertura diferenciada feita pelas redações locais de veículos estrangeiros, como El País, Deutsche Welle e BBC. Só para citar um exemplo, durante as manifestações contra o Governo no dia 13 de março, enquanto a massiva imprensa local fazia uma cobertura, digamos, “usual”, o El País procurou ouvir as reclamações dos moradores da periferia de São Paulo que, embora insatisfeitos com o Governo, possuíam pautas distintas da classe média alta que tomava as ruas naquele dia. A Deutsche Welle também resolveu cobrir os protestos tendo como foco o olhar dos moradores da comunidade do Pavão-pavãozinho, no Rio de Janeiro. Por esses dois casos, já se mostra como esses veículos se descolam da abordagem, de certa forma enquadrada, dos grandes veículos nacionais. Dito isso, fica claro como é melhor ser ouvido por quem tem mais disponibilidade para abordar a crise fora de um discurso pasteurizado.
O segundo ponto a ser considerado é que, com a proximidade dos Jogos Olímpicos, que vão acontecer no Rio de Janeiro em agosto deste ano, o fluxo de correspondentes chegando ao País aumenta e a atenção da mídia estrangeira também. Embora voltado à cobertura esportiva, o crescente aparato da imprensa internacional no Brasil, até agosto, não pode ser desconsiderado. Um exemplo curioso de como esse movimento pode ajudar na repercussão de fatos que seriam silenciados em outro contexto aconteceu em Recife, em junho de 2014, quando a violenta reintegração de posse do Cais José Estelita foi realizada no mesmo período em que uma série de repórteres internacionais estava na cidade para cobrir os jogos da Copa do Mundo. Aproveitando a oportunidade política, os manifestantes do movimento Ocupe Estelita conseguiram com que os atos de violência policial pautassem a mídia estrangeira enquanto a imprensa local se mantinha silente.
Deste ponto, ressalta-se o terceiro e mais simbólico aspecto: a estratégia de mobilização da mídia estrangeira como espaço de reprodução de uma voz dissonante, seja por parte dos movimentos sociais ou de governos, é típica dos dissidentes e opositores de regimes autoritários. Exemplos mundiais recentes não faltam, mas, para nos atermos à história do Brasil, essa foi uma estratégia muito usada durante a ditadura militar. Mesmo antes, na década de 1930, é emblemático o caso da campanha internacional movida pela mãe de Luiz Carlos Prestes, Leocádia Prestes, que correu o mundo angariando apoio para soltar Olga Benário e sua filha, Anita. Longe da parafernália de comunicação que temos hoje, as moções de apoio e a ajuda da Sociedade das Nações e da Cruz Vermelha foram uma espécie de embrião histórico do que se vê atualmente nas estratégias de ponta dos movimentos sociais, dos ativistas de Direitos Humanos e, sintomaticamente, do governo Dilma Rousseff.
À nova frente midiática soma-se uma série de petições e notas públicas assinadas por juristas, jornalistas, representantes da classe artística, da sociedade civil e dos mais diversos setores que – também de forma planejada – se destinam à comunidade internacional. A ideia não é só fazer frente aos grupos e entidades que apoiam publicamente o impeachment, mas também dar densidade a uma voz que pretende ecoar de fora para dentro. A ironia é ver essa estratégia, típica dos movimentos sociais, ser manejada pelo governo, que sancionou há pouco dias – ainda que com vetos – a Lei Antiterrorista, cujo foco é a repressão aos protestos.
No caldo da atual conjuntura política brasileira, muitos dos que participam dos movimentos em prol da democracia não necessariamente são entusiastas do governo. O que está em questão e costuma ser destacado nas manifestações é a falta de base legal para o impeachment, visto como uma ferramenta jurídica para uma insatisfação política. A justificativa das pedaladas fiscais, as quais até então nunca foram entendidas como crime, é tida como um factoide e, dada a normalidade de sua prática, inclusive nos governos estaduais, cabe perguntar se haverá um efeito em cadeia de impedimentos pelo país. Assim, o ponto-chave que liga o Governo e os manifestantes em prol da legalidade (governistas ou não) é ver a saída de um governo eleito pelo povo em um golpe branco, institucionalizado.
Em recente entrevista à BBC Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho lembra que, desde 1930, de 14 presidentes (incluindo a atual), apenas oito foram eleitos diretamente. Desse total, só cinco completaram os mandatos. Ao colocar a questão atual em uma perspectiva histórica, vemos a força das soluções arranjadas que interrompem a continuidade democrática dos governos eleitos no Brasil. Sem indícios concretos ou provas que envolvam a presidenta Dilma Rousseff em algum crime, mesmo no rol levantado pela Lava Jato, a questão do impeachment endossa a triste tradição das rupturas democráticas.
Sem verniz, o nome dado a isso é golpe. Não faltam justificativas jurídicas e históricas que comprovem esse argumento. As estratégias do Governo, que, mesmo com a máquina estatal, precisa se fiar em interlocutores externos para ter sua voz ouvida, parecem também não deixar dúvidas do ponto de vista da comunicação. É frágil um país cujos grupos fora da hegemonia – o que ironicamente acontece com um governo sem aliados políticos – precisam usar esse artifício para serem ouvidos. Ou seja, o que está em jogo, muito mais do que a sobrevivência de um governo, é a manutenção da democracia.
Grazielle Albuquerque é jornalista, pesquisadora do Sistema de Justiça e doutoranda em Ciência Política pela Unicamp. Twitter: @grazalbuquerque
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