http://www.revistaforum.com.br/ Maria Frô
Eu tenho 52 anos. Eu eu ainda sofro assédio na rua e nos transportes públicos.
Eu já me desvencilhei inúmeras vezes no aperto dos ônibus e metrôs de homens com pau duro roçando em minhas nádegas. Eu sinto raiva, eu sinto ódio, eu tenho vontade de chutá-los, mas nossa primeira reação é proteger o nosso corpo violado sem nosso consentimento e, instintivamente, empurramos outros para conseguir se afastar do agressor e mudar de lugar e se livrar do abuso. Isso é cotidiano na vida de todas as mulheres.
Não faz muito tempo, eu fui seguida e brutalmente agredida verbalmente por um homem mais jovem do que eu que me dizia em alto e bom som que iria ‘bater punheta’ com a imagem de minha bunda na mente. Eu apertei o passo e mesmo assim ele me seguiu por mais de 500 metros na hora do almoço, num dia de chuva e rua deserta me falando os maiores absurdos. Eu não sabia se o desgraçado estava ou não armado. Não havia a quem gritar ou pedir socorro. Era um dia frio e de chuva, eu estava com um vestido cujo comprimento era abaixo dos joelhos, eu estava de casaco. Meus seios, meu corpo estavam cobertos, só parte de minhas pernas estavam descobertas.
Aos 52 anos eu senti o mesmo asco e o mesmo pavor que senti aos 4 anos, quando minha mãe com meus dois irmãos menores não conseguiu me levar com ela a uma farmácia dentro de uma rodoviária e pediu para um senhor cuidar de mim. Minha mãe se deslocou com minha irmã, à época um bebê recém-nascido e meu irmão com 1 ano e dois meses de idade poucos metros para entrar na farmácia e comprar antitérmico para meu irmão. Foi o suficiente, o velho começou a me tocar, chegou a colocar a mão em minha calcinha. Meu desconforto era visível em todo o meu pequeno corpo de criança, eu tinha vontade de gritar, comecei a chorar, implorando para que a minha mãe viesse logo, sem entender o que estava acontecendo. Uma mulher ao perceber o abuso chamou a polícia. Essa é uma das memórias mais profundas que tenho da infância. A cultura do estupro não poupa sequer as crianças.
A cultura do estupro não tem nada a ver com a idade, com as roupas que vestimos, ela tem a ver com a impunidade, com a naturalização da violência contra a mulher, com a relação de poder estabelecida na sociedade entre os gêneros, onde o sexo feminino é visto como objeto sexual e não como ser humano dotado de direitos.
Só a cultura do estupro pode explicar Alexandre Frota teatralizar um estupro em tv aberta sob aplausos e não ter qualquer sanção para o seu ato (leia: Em rede nacional Frota confessa estupro e povo aplaude).
Só a cultura do estupro dá o direito a Alexandre Frota se sentir ofendido com a reação das mulheres após suas declarações em tv aberta e entrar na Justiça contra ativistas que repudiaram aquela excrescência e ainda ameaçá-las no Facebook (veja aqui: Após declaração sobre estupro e ameaça, Alexandre Frota denuncia à polícia ativista que o repudiou).
Só a cultura do estupro permite que a sociedade brasileira continue a admitir as declarações criminosas de Bolsonaro sobre estupro em pleno Congresso Nacional, nas redes sociais nos programas de tv, nas manifestações de rua.
Só a cultura do estupro permite que o ministro da educação do governo provisório e golpista considere que uma figura como Frota tenha contribuições a dar a educação pública brasileira.
Está na hora de os homens discutirem seriamente e agirem contra a cultura do estupro. Não é possível que aceitemos tamanha violência e barbárie que legitima Michel Temer como primeiro ato de seu governo golpista acabar com a Secretaria das Mulheres, montar um ministério sem nenhum negro, sem nenhuma mulher e acharmos que isso é um ato legítimo.
Não é possível que consideremos que seja um caso isolado a barbárie de 30 homens estuprarem uma jovem e distribuírem fotos e vídeos de seu corpo sangrando nas redes sociais. Não é possível.
Destaco aqui dois comentários de homens que decidiram se posicionar diante da cultura do estupro, que suas reflexões possam servir àqueles que, reproduzindo o discurso de Bolsonaro, somam-se a barbárie de permitir que 30 criminosos violentem uma mulher e que milhares de criminosos diariamente ajam impunemente violentando mulheres em todos os espaços sociais.
Por Rogerio García Fernández em comentário neste post
Mas de onde vem essa barbárie cultura do estupro na sociedade que aceita de modo bovino que casos como esse acontecem sempre?
A) Do Poder Público
– A primeira ação, repito PRI MEI RA, da ditadura Michel Temer foi acabar com a Secretaria de Políticas para Mulheres, única instituição do Estado que promovia o debate sobre a cultura do estupro.
– A cultura do estupro divulgada e difundida pelos meios de comunicação jamais são punidas. É prática corriqueira do Deputado Jair Bolsonaro, por exemplo, ofender mulheres com ameaça de estupro. Na lei brasileira isso é “quebra de decoro parlamentar”. Bolsonaro jamais foi punido porque é membro da quadrilha de Michel Temer e Eduardo Cunha. Da mesma forma, e no mesmo dia do estupro coletivo o ministro da Educação recebeu o ator pornô que se notabilizou contando, de modo escrachado em um programa assistido massivamente por público jovem, que estuprou uma mulher. Também sem nenhuma punição para o programa, quanto a ele, foi prestigiado pela ditadura Michel Temer como especialista em Educação.
– Ataque constante às mulheres no parlamento e nas igrejas por parte do fundamentalismo evangélico que também é parte na ditadura Michel Temer, seja sobre o direito de escolha, seja sobre a discussão da igualdade de gênero nas escolas.
– Não se esqueça que milhares de coxinhas mandaram a presidenta Dilma tomar no cu, inclusive mulheres, inclusive políticos. Há um óbvio componente sexista no afastamento de Dilma. Para os políticos em torno de Michel Temer, “mulheres não podem chegar ao poder, elas atrapalham as reuniões”. Isso está embrenhado na cultura política brasileira.
B) De nós, Homens
– Mulheres estão cansadas de discutir entre si sobre estupro. Isso tem que chegar às rodas de homens e aos grupos de whatsapp de homens, que são antros de difusão de misoginia.
– Os espaços públicos, empresas, bares, ruas e seus rituais são desenhados semioticamente para uma cultura machista e que exclui a mulher. Tudo é configurado para o homem, branco, rico e hétero. O que for diferente deve se adaptar. A diferença é vista como um desabono, porque nos organizamos como em clubes fechados. É um sistema preconceituso, baseado na necessidade constante de autoafirmação que proporciona a liderança sob o subdesenvolvimento, em outras palavras, o homem, branco, rico e hétero brasileiro (mas não só brasileiro) é inseguro porque é imbecil e inculto e é cobrado para ser assim.
Não quero terminar a discussão aqui, há muito mais o que dizer, mas saibam os misóginos, que mesmo que não sejam capazes de criar empatia por uma mulher conhecida ou desconhecida, que não seja sexual, ao menos não esqueça que você tem mãe, irmã e talvez filha e que ela um dia vai pra faculdade e ficará vulnerável para aqueles que você considera aliados hoje: os estupradores de mulheres e da democracia.
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