segunda-feira, 27 de junho de 2016

A China vai às compras

O país asiático mira empresas de tecnologia na Europa e EUA para aumentar o seu peso internacional
por Carlos Drummond // http://www.cartacapital.com.br/

Acompanhada de seis ministros de Estado e dos presidentes da Volkswagen, BMW, Siemens, ThyssenKrupp, Lufthansa e Airbus, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, desembarcou em Pequim na segunda-feira 13 para tratar de assuntos estratégicos com o primeiro-ministro Li Keqiang e o presidente Xi Jinping.
Um dos temas principais, antecipou a mídia internacional, seria a preocupação com o assédio, pela China, de empresas de ponta da maior economia da Europa Ocidental. 

Os alarmes dispararam com a proposta de compra, por 5 bilhões de dólares, da indústria de robôs Kuka, apresentada no mês passado pela fabricante de utilidades domésticas Midea, da província de Guangdong.
A oferta é parte de uma intensificação das iniciativas do país asiático, neste ano, para incorporar companhias de alta tecnologia da Europa e dos Estados Unidos. Ao contrário do ocorrido em anos recentes, aspropostas de compra agora partem mais de empresas e grupos de investidores privados e menos de estatais.
Só em janeiro, firmas chinesas anunciaram planos para se apoderar de 66 companhias estrangeiras, com valor de mercado total de 68 bilhões de dólares. Em fevereiro, a estatal ChemChina ofereceu 43,8 bilhões de dólares pela suíça Syngenta, supridora global de pesticidas e sementes. 
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No primeiro trimestre, as fusões e aquisições externas somaram 108 bilhões de dólares, valor superior em 1 bilhão ao total de 2015. Nos próximos cinco anos, o investimento direto no exterior deverá aumentar em 1 trilhão de dólares, prevê o think tank Instituto Mercator.
A tentativa de a China Resources e de a Hua Capital assumirem o controle da fabricante de semicondutores Fairchild, no começo do ano, por 2,6 bilhões de dólares, provocou inquietação em Washington, por causa do uso daqueles componentes também na indústria militar.
Em 2010, a então secretária de Estado, Hillary Clinton, declarou no Vietnã que o Mar do Sul da China “faz parte do interesse nacional dos Estados Unidos”, que se sentem no direito e no dever de participar de qualquer conflito e negociação regional.
Quem esperava, entretanto, um embate em Pequim no estilo da Guerra Fria frustrou-se. Não queremos travar uma guerra comercial, disseram os estadistas. A mandatária alemã reafirmou que, em princípio, concorda em apoiar o reconhecimento da China pela Organização Mundial do Comércio como economia de mercado e Li Keqiang disse contar com o empenho da colega para convencer os europeus reticentes.
Aceita aquela mudança, a economia do país oriental não será mais considerada protegida pelo Estado e as suas exportações deverão aumentar. Merkel cobrou, entretanto, a abertura do setor bancário aos investimentos da Europa e o fim das restrições às ONGs estrangeiras atuantes no Mar do Sul.
As relações sino-germânicas são tão importantes quanto delicadas. Entre 2000 e 2014, os chineses investiram 7 bilhões de euros na Alemanha, 65% nos setores automotivo e de equipamentos industriais, mas o mix foi ampliado e agora inclui tecnologia da informação, serviços financeiros e empresariais e produtos de consumo.
Entre 2005 e 2014, as exportações do país europeu para o asiático triplicaram para 74 bilhões de euros e os grandes fabricantes de veículos, entre outros, ganharam dinheiro e compensaram parte das perdas resultantes da queda das vendas aos vizinhos do continente. No ano passado, entretanto, as exportações àquele mercado asiático caíram pela primeira vez em duas décadas.  
A China não vive seu momento mais exuberante, mas deverá crescer 6,5% neste ano, o dobro da média mundial, de 3,2%, e quatro vezes a taxa da União Europeia e da própria Alemanha, de 1,5%, prevê o Fundo Monetário Internacional.
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O Ocidente domina, porém, a pesquisa de ponta e os chineses até agora só conseguiram emplacar um grupo global líder de setor, a Huawei, de equipamentos para telefonia, que há alguns anos desbancou a Siemens.
Não conseguiram fabricar aviões de grande porte e tornaram-se os maiores importadores da Boeing e da Airbus. O insucesso do esforço para desenvolver tecnologia de informações para o sistema financeiro foi seguido pelo domínio absoluto da IBM no setor. A importância de ter firmas globais em 16 setores está definida no último Plano Quinquenal.
A estratégia parte da constatação de que entre duas e dez empresas com marcas globais e progresso técnico contínuo, denominadas integradoras, controlam de 50% a 100% do mercado mundial em 22 setores-chave, uma concentração que se repete nas suas redes de fornecedores. 
Não será fácil ao Ocidente estagnado resistir ao assédio. A China responde por 25% do crescimento mundial e é parte necessária das decisões estratégicas tanto da Europa quanto dos Estados Unidos.
A competição entre os europeus pelo capital chinês intensificou-se e isso enfraqueceu o poder do continente diante de Pequim em importantes questões estratégicas, analisam os economistas Thilo Hanemann e Mikko Huotari, do Instituto Mercator e do Grupo Rhodium.
“A perspectiva de aumento dos ativos globais da China, de 6,4 trilhões de dólares em fevereiro deste ano para quase 20 trilhões em 2020, exigirá dos líderes mundiais ajustar a configuração das suas políticas econômicas ao rumo desse país, tanto para colher os benefícios do próximo estágio de integração global quanto para minimizar novos riscos potenciais”, recomendam. 
O plano Made in China 2025 prevê o aumento gradual do uso de componentes domésticos nos setores prioritários de informação avançada e robótica, para 40%, em 2020, e 60%, em 2025.
Segundo o estudo, a digitalização no setor automotivo é mais rápida na China, comparada à da Europa e a dos Estados Unidos, com governo e empresas de tecnologia da informação, smartphones, telecomunicações, seguros e equipamentos militares unidos no desafio de viabilizar a “internet dos veículos”.  
A autonomização do suprimento afetará as vendas externas dos fabricantes estrangeiros daqueles itens, mas a visão de um Ocidente encurralado pelo país oriental não procede. As multinacionais respondem por mais de dois terços da produção chinesa de alta tecnologia e 90% das exportações desse segmento, calcula o economista Peter Nolan, da universidade de Chong Hua e consultor de Pequim.
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“As firmas globais estão profundamente inseridas no sistema de negócios chinês e pressionam fortemente para aumentar a sua presença sem restrições.” Na comparação do investidor Andrew Hallam, “elas avançam como Gêngis Khan.” 
Apesar do alarde da mídia europeia e estadunidense quanto às incursões recentes, a base de comparação é pequena. Em 2010, as empresas chinesas possuíam 6% do investimento global nos negócios.
“O Reino Unido, em 1914, e os Estados Unidos, em 1967, chegaram a ter 50%”, compara Nolan. Os motivos da expansão externa, em todos os casos, foi a necessidade de adquirir matérias-primas, tecnologia e acesso a mercados externos.
Os planos chineses são meticulosos e de longo prazo.  “Não há necessidade de os Estados Unidos ficarem nervosos”, aconselha a revista The Atlantic. “A China não tem pressa para se tornar líder. Ela deverá deixar os EUA manterem a sua posição, enquanto isso for o melhor para os dois lados.”
A competição sino-ocidental por indústrias e alta tecnologia deveria estimular discussões correlatas no Brasil, onde o peso porcentual da manufatura no PIB caiu de 25% nos melhores momentos para cerca de 10% antes do início da recessão, há um ano e meio. A situação ruim vai piorar.
Segundo a Fiesp, o investimento da indústria de transformação em máquinas, equipamentos e instalações deverá diminuir em 50,4% neste ano diante de 2015

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