Estou tentando desde ontem encontrar palavras para descrever as cenas hediondas que a TV Senado tem mostrado nos últimos três dias transmitindo supostas sessões de um suposto julgamento a respeito de supostos crimes que supostos senadores estão levantando contra a primeira presidente da República da nossa história.
Não sei em que outro momento da história do Brasil reuniram-se tantas pessoas pusilânimes, indecentes, caricatas, subhumanas, canalhas, imbecis, malandras, obtusas, espertalhonas, malvadas, descerebradas, ignóbeis, celeradas, picaretas, irresponsáveis, inconsequentes, traidoras, imorais, insensíveis, alienadas sobre as quais recaiu a suprema tarefa de decidir os destinos de um país tão grande, tão belo, tão rico quanto a sua população. Mas a população, que tem mais o que fazer, ocupada em sobreviver como pode, a maioria ou em escolher onde vai passar o fim de semana, se em Campos de Jordão ou em Miami, a minoria não assistiu o que eu e alguns poucos milhares de brasileiros assistimos e não vai saber pelo noticiário da TV Globo nem pelos jornais na dimensão exata, somente vai ter que aguentar as consequências desse pandemônio.
Não sou capaz de reproduzir tudo o que meus olhos viram e meus ouvidos ouviram. Talvez consiga um dia, mas não hoje. O que posso dizer é que algumas pessoas inteligentes, estudiosas, sensatas, normais, insuspeitas, honradas, decentes, responsáveis, generosas mostraram pacientemente e de forma irrefutável e cabal que o impeachment está nu, que os dois crimes de responsabilidade arrolados no processo não existiram e, no entanto, além de não serem ouvidas foram achincalhadas por aquelas que eu descrevi acima.
Estávamos no momento-chave de qualquer julgamento – penal ou político-penal – que é quando são ouvidas as testemunhas, mas pasmem (primeiro sinal de nulidade) somente as testemunhas de acusação receberam atenção. E (segundo sinal de nulidade) elas deram um tiro no pé, expondo um conluio dentro do Tribunal de Contas da União que serviu de base para o duplamente réu deputado Eduardo Cunha dar o sinal verde para a ignomínia que arrasta o Brasil para a companhia dos países mais vergonhosos do planeta.
Na hora e vez das testemunhas de defesa o que se viu foram cadeiras vazias. Os poucos pusilânimes que permaneceram (terceira nulidade, mas nunca a última) ou tentaram desqualificá-las, presentes ou ausentes ou fizeram discursos que não tinham nada a ver com os assuntos em pauta, condenando a ré por haver 12 milhões de desempregados, inflação e “uma crise sem precedentes” apesar da decisão do STF de que não podia ser assim, de que todos deveriam se ater às duas acusações. Eles usaram, claramente, argumentos parlamentaristas (quarta nulidade), o que caracteriza de forma ainda mais veemente o golpe contra a constituição e contra a população, pois o parlamentarismo já foi derrotado em plebiscito por duas vezes.
O STF estava lá, na figura de um presidente que rebateu alguns absurdos da maioria celerada, mas que fechou os olhos a essa desobediência às regras do jogo e que em poucos momentos prestou atenção ao que estava acontecendo, na maior parte do tempo flagrado em conversas com sua assessoria, alheio a tudo, distraído, trocando as bolas, chamando um senador de Cristóvão Colombo, fazendo piadinhas (“notei que pela manhã vocês estão com mais energia para brigar, mas à tarde a energia vai declinando”), um juíz aquém das responsabilidades das quais estava imbuído.
A ausência de crimes de responsabilidade não demanda muito esforço para ser entendida. A negociação do Plano Safra (primeira acusação) não tem nenhuma participação da presidente da República, e, ainda assim, só poderia ser enquadrada em crime se constituísse operação de crédito, o que não foi o caso. Os decretos de verbas suplementares (segunda acusação) são assinados pela presidente depois de serem submetidos e aprovados por mais de trinta técnicos, que não viram neles ilegalidade alguma porque vinham sendo feitos dessa maneira há 15 anos, tendo sido reprovados somente em 2015 pelo TCU (no conluio de que falei antes) e (absurdo dos absurdos) foram aplicados de forma retroativa! Ou seja: a decisão exarada em outubro valeu para o que foi feito em julho! E mais ainda: não implicaram em nenhum gasto, apenas em remanejamento de verbas.
Mas, acreditem: essas duas acusações, que não se sustentam por 15 minutos de um debate sério foram usadas pelos pusilânimes para explicar a “crise sem precedentes no país”. E milhões de brasileiros acreditam nesses palermas!
“O Processo” de Kafka, onde o réu tem que se defender de acusações que não conhece é fichinha comparado com o que temos diante de nossos olhos. O julgamento de Sacco e Vanzetti é apenas uma vírgula. O Caso dos Irmãos Naves foi menos escandaloso.
Das muitas situações esdrúxulas mostradas ao mundo pela TV Senado quero apresentar apenas duas, para ratificar as sábias palavras de Renan Calheiros, personagem principal de “Julgamento no hospício” de que ali “a burrice é infinita”: o senador Magno Malta, que mais uma vez repetiu que é “analfabeto funcional” e sempre se gaba de ter tomado pau três vezes no vestibular de Direito revelou mais uma vez a pobreza de seu caráter atacando uma testemunha (ou informante) que acabara de se retirar: “Quem é esse Luiz Gonzaga Belluzzo para nos ensinar Economia se quebrou o Palmeiras quando foi presidente do clube”?
Mas chocante mesmo foi a conclusão a que chegou o supostamente bem formado senador Cristóvão Buarque, a quem Lewandowski chamou de Cristóvão Colombo e ele, para completar o chiste involuntário aduziu “prefiro que me chame de Cristóvão Colombo Buarque de Hollanda”.
Do alto de seus diplomas, ele, que já foi ministro da Educação e governador do Distrito Federal, depois de acusar a presidente com os mesmos argumentos parlamentaristas de outros (“provocou uma crise econômica sem precedentes”) admitiu que tinha dúvida se houve ou não crime de responsabilidade, mas, em vez de adotar o “in dubio pro reu”, que é a regra nos tribunais brasileiros saiu-se com “in dubio pro società”.
Se para ele Temer é a “società” deve ser uma “società secreta”.
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