POR FERNANDO BRITO // http://www.tijolaco.com.br/
O professor Renato Janine Ribeiro publica uma curta, mas instigante mensagem em seu facebook:
Os incluídos vão aceitar sua exclusão?
Penso que sim.
Nestas ocasiões, lembro a carta testamento de Getulio, em 1954. Algo assim: O povo que ajudei a libertar não será mais escravo de ninguém.
Dez anos depois, entrávamos em longas trevas.
Há incluídos que votaram contra as políticas de inclusão.
Conheci de perto três pessoas que melhoraram muito de vida graças às políticas de Lula.
Elas o odiavam.
O quadro mundial de ascensão de uma nova e mais selvagem direita deixa evidente que, também por aqui, não é só nossa a “culpa” deste avassalador quadro que se pintou nas eleições de 2016, ainda que com todos os “descontos” de ser uma eleição local e submersa na onipotência e onipresença da Operação Lava Jato, uma situação anômala que, se não desembocar numa ditadura policial-judicial, não poderá – ainda que o tentem – ser prolongada ad eternum.
Há, porém, nas palavras do professor, um erro do qual a esquerda ainda não se deu conta plenamente.
O da despolitização da ascensão econômica, reforçado pelo “republicanismo” do “todos e todas”, algo que abordei na minha participação no livro Golpe16:
Na visão ideológica que se irradia do topo ( da pirâmide) em direção à base social, sucesso é sempre de natureza pessoal – conquistado por talento, mérito, concurso, esforço, formação educacional etc –, enquanto o fracasso tem origem coletiva ou estatal: o povo ou o governo brasileiro são as razões das dificuldades econômicas dessa gente, de sua falta de condições para atingir seus objetivos ou das vicissitudes de suas relações com mundo real, como na questão da segurança: ou “sobra” pobre, ou falta polícia…
Nos momentos de afluxo econômico, acentua-se distanciamento do povo e a aproximação com a elite: suas ideias – e ideais – são tratadas como “bens” e, embora de natureza abstrata, em tudo se aproximam dos valores materiais com que identificam o topo da pirâmide social que sonham alcançar, embora tão distantes.
O discurso do “levamos XX milhões à classe média) substituiu, ideologicamente, o da ascensão coletiva do povão como obra de sua opção política pela esquerda. E ascensão pessoal, conjuntural, transitória tem efeitos não apenas limitados como egoístas.
Porque a correção de desigualdades não é um episódio, mas uma trajetória geracional, que exige tempo e, por exigir tempo, requer a construção de uma consciência de identidade como povo, para que o valor coletivo torne a população compreenda as dificuldades como um desafio coletivo.
O que se fez, ao contrário, foi reduzir tudo, ou quase tudo, a direitos e conquistas individuais ou de grupo:
O discurso da esquerda – e a falta de agressividade de sua política de comunicação – não conseguiu construir mais que uma vaga e bem fugaz simpatia – ou, menos que isso, temporária aceitação de sua presença política. Talvez seja mais exato dizer que, a partir do grande afluxo econômico do segundo governo Lula, o processo ideológico mais intenso foi a progressiva absorção dos valores do moralismo de classe média no discurso do governo de esquerda, que aceitou e até incorporou como prioritários conceitos como “gerência da máquina do Estado”, “faxina”,“institucionalização”, policialismo e judicialização da atividade política.
Transpôs-se para a gestão pública o ascetismo hipócrita da classe média, que proclama sua capacidade,pureza e sentimento de superioridade em relação a outrem, deixando que a “biodiversidade” social se reduza a questões de gênero, étnicas e de outros grupamentos, aceitando em parte a visão “tribalista” que correspondeu, no campo dos microcosmos sociais, à ascensão do neoliberalismo.
Não se quer, por óbvio, desmerecer ou mesmo desqualificar estes graus de agregação social, apenas frisar sua insuficiência para a formação de uma identidade plena como povo. Eles são parte – e indispensável – de um processo que é muito mais caudaloso mas que, olhado apenas de per si faz desaparecer a visão de que dependem de um contexto que os extrapola.
Não creio que este tipo e raciocínio se aplique apenas ao que fez o PT. Deve ser motivo, também, de alguma reflexão de quem acha que existe – ou pode existir – uma “nova esquerda”, que ondem uma amiga definiu com um paradoxal “esquerda udenista”.
A transformação do Brasil não é um passe de mágica, mas uma longa trajetória na qual só se está errado quando se está sozinho. O processo social é um rio cheio de meandros e é bom lembrar que, 12 anos atrás, estávamos chorando a eleição, em primeiro turno, de Fernando Henrique Cardoso, montado no jegue de um Plano Real que era tão unânime quanto a Lava-Jato.
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