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ANÁLISE TÉCNICA E RESUMIDA DA DECISÃO DO JUIZ SÉRGIO MORO QUE RECEBEU A DENÚNCIA CONTRA O EX-PRESIDENTE LULA E OUTROS ACUSADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Inicialmente, volto a ressaltar que não tenho nenhum interesse pessoal que me motive a escrever este singelo texto. Não advogo e não conheço os advogados do ex-presidente Lula e dos demais acusados. Minha conduta é impulsionada pelo meu temperamento irrequieto, pela minha constante luta por justiça e pelo fato de ser, por trinta e seis anos, professor de Direito Processual Penal. Até por que, meus alunos vão fazer indagações a respeito de todas estas questões jurídicas … Cabe esclarecer, ainda, que não tenho tempo agora para me aprofundar nas questões que vou suscitar abaixo. Por outro lado, vou me ater à parte da decisão que acolheu a imputação feita em face do ex-presidente Lula, que ocupa cerca de 95% da decisão ora examinada. Note-se que, em relação à esposa do ex-presidente, o magistrado se utiliza de apenas um parágrafo, no qual até suscita dúvida sobre o dolo da Dona Marisa.
Feitas estas considerações preliminares, vamos à análise jurídica da decisão do juiz Sérgio Moro. Entretanto, adiantamos uma assertiva relevante: NÃO ENCONTRAMOS, NESTA DECISÃO, O RECONHECIMENTO DE QUALQUER PROVA, AINDA QUE MÍNIMA, DE UMA CONDUTA ESPECÍFICA DO EX-PRESIDENTE LULA QUE O TORNASSE AUTOR, CO-AUTOR OU PARTÍCIPE DOS CRIMES PRATICADOS PELOS FUNCIONÁRIOS DA PETROBRÁS. TAIS CRIMES SÃO COMISSIVOS E NÃO HÁ PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO EM CRIME COMISSIVOS. SABER DE UM ESQUEMA CRIMINOSO NÃO TRANSFORMA A PESSOA EM PARTÍCIPE DE TODOS OS CRIMES QUE TERCEIROS VENHAM A PRATICAR. ALIÁS, NÃO SE AFIRMOU SEQUER, NA DENÚNCIA E NA DECISÃO JUDICIAL, QUE ESTE ACUSADO SABIA QUE UM OU OUTRO CONTRATO DA PETROBRÁS ERA ILEGAL … Para facilitar o nosso entendimento, vamos apresentar os questionamentos em tópicos distintos e objetivos:
1 – De há muito vínhamos alertando para a indesejável litispendência, já que a denúncia dos promotores de justiça de São Paulo ainda não tinha sido submetida ao necessário juízo de admissibilidade pelo Poder Judiciário. Pela primeira vez, ao que saibamos, um juiz rejeitou uma denúncia em autos distintos daqueles onde ela se encontra. Pela primeira vez, vi um juiz disfarçar a decisão de rejeição, ainda que parcial, por meio da seguinte expressão: “deve ela ser devolvida, com a supressão porém de todas as imputações relacionadas ao ex-presidente da república e seus familiares e igualmente em relação a qualquer fato envolvendo o apto. 164-A do condomínio Solaris” (fls14 da decisão). Percebe-se que o Dr. Sergio Moro evitou dizer que os promotores de São Paulo acusaram o ex-presidente Lula, neste particular, sem suporte probatório mínimo, até por que, logo adiante, diz que o Ministério Público de São Paulo se equivocou ao vincular o Triplex às fraudes no âmbito da Bancoop.
2 – O magistrado esclarece que haveria justa causa para todas as imputações, mas não explicitou o que ele entende por esta categoria jurídica processual. Venho tratando desta controvertida questão em vários trabalhos recentes, que se encontram publicados no site Empório do Direito e na última edição do livro que publiquei, em coautoria com o prof. Pierre Souto Maior Amorim. Ressalte-se, ainda, que o magistrado, a todo momento, confunde duas categorias processuais distintas, confunde ação com processo, numa total falta de técnica.
3 – Vale a pena repetir: ciência genérica (não provada) de esquema criminoso não transforma esta pessoa em autor, coautor ou partícipe. É preciso que se tenha prova, ainda que mínima, de alguma ordem específica dada para o autor imediato praticar o crime. Ademais, os diretores e gerentes da Petrobrás sequer são nomeados pelo presidente da república .
4 – Ainda sobre a questão supra, a fls.5 de sua decisão, o magistrado, após consideração sobre outras condenações por fraudes na Petrobrás, afirma que “questão diferenciada diz respeito ao envolvimento consciente ou não do ex-presidente no esquema criminoso”. Que conduta do Lula caracterizaria este “envolvimento consciente”? Se existe, qual a prova mínima neste sentido? O certo seria verificar e mencionar uma conduta específica de participação direta nos contratos lesivos e individualizados da Petrobrás.
5 – Ainda, mais uma vez, sobre esta questão central da existência ou não de conduta de participação dolosa do Lula em face dos contratos, consta da decisão, a fls.6, a genérica expressão “conhecimento e participação dolosa” … Indago, participação dolosa através de que ato (conduta) do ex-presidente Lula?
6 – Note-se que o magistrado apenas se preocupa com a existência ou não de mera ciência do Lula em relação às fraudes em geral. A fls.11 de sua decisão, isto fica claro quando ele disse que iria individualizar as condutas, mas, na verdade, tudo deduz da suposta circunstância de que o ex-presidente, sendo beneficiário direto das vantagens concedidas pelo grupo OAS, “teria conhecimento de sua origem no esquema criminoso que vitimou a Petrobrás”. Pergunto novamente apenas para argumentar: ter conhecimento de um “esquema criminoso” transforma a pessoa responsável penalmente por todos os crimes que venham a ser praticados? Alguém pode ser partícipe apenas porque sabe da existência de crimes? E a prova deste conhecimento pode ser deduzida pelo fato de ser o beneficiário de vantagens?
7 – Aqui, já não mais vamos debater, em profundidade, a questão do apartamento Triplex de propriedade da OAS. No direito brasileiro, só é proprietário quem tem o seu contrato registrado no Registro Geral de Imóveis. Ademais, em havendo o crime de corrupção passiva, o que não estamos admitindo, a entrega do benefício dele decorrente seria mero exaurimento deste crime. Como se pode considerar ocultação uma eventual transferência de propriedade imobiliária, que pressupõe uma escritura pública e seu registro também público? Diversamente seria se o imóvel fosse simuladamente vendido ou doado a uma interposta pessoa (laranja) das relações do ex-presidente Lula. No caso em tela, nem transferência houve.
8 – Ademais, o próprio magistrado reconhece, a fls.8 de sua decisão, que “não foi formalizada a transferência do apartamento 164-A da OAS para eles”. Depois, apenas assevera que o imóvel tinha sido “destinado” ao acusado. Vejam, outrossim, o que está dito na decisão: “há razoáveis indícios de que o imóvel em questão teria sido destinado, ainda em 2009, pela OAS ao ex-presidente e a sua esposa, sem a contraprestação correspondente, remanescendo porém a OAS como formal proprietária e ocultando a real titularidade”. A destinação de um imóvel seria uma reserva em favor do pretendente? Destinação de um imóvel já exige o pagamento de seu preço? Que titularidade é esta sem título????
9 – Verifico que o magistrado traz à baila, em sua decisão, o sítio de Atibaia, que não é objeto deste processo … Aliás, deveria ser, para que amanhã não se faça imputação de outro crime, pois o sítio seria apenas uma parte das benesses em razão dos mesmos contratos …
10 – Com relação ao armazenamento de bens, está dito expressamente que foi o Paulo Okamoto quem providenciou a sua guarda, através das empresas Granero e OAS. Pergunta-se: qual a conduta do Lula que o transformaria em coautor ou partícipe da conduta de outrem neste suposto crime? Constatamos que, em nenhum momento, o magistrado se refere a qualquer conduta do ex-presidente em relação a este armazenamento. Vejam a narrativa de fls.10.
11 – Com relação à esposa do ex-presidente Lula, a fragilidade da acusação é reconhecida pelo próprio juiz. Visitar um apartamento e sugerir reformas para uma eventual compra deste não transforma o visitante em proprietário e não é crime de lavagem de dinheiro. Cabe ressaltar que o casal sequer teve a posse do imóvel, ainda que por um dia. O juiz não disse que fato, demonstrado no inquérito, lhe autorizaria dizer que haveria dolo da D. Marisa. Ao menos, deveria haver prova mínima deste fato. Na verdade, não há prova mínima deste necessário elemento do crime. Sem ele, a conduta é atípica (tipo subjetivo). De forma atécnica, eu diria que é uma “maldade” submeter esta senhora a um processo criminal nestas circunstâncias.
12 – Finalmente, mantenho o que tenho sustentado, reiteradamente, em relação à competência da justiça federal, do seu foro e do próprio juízo da 13ª.Vara Federal de Curitiba. Neste sentido, vejam os vários trabalhos que publiquei no site Empório do Direito. Cabe aqui acrescentar mais um argumento, tendo em vista uma assertiva do magistrado: o fato de um réu ser funcionário público federal, no caso, presidente da república, não determina a competência da justiça federal. Ela é fixada pela constituição, tendo em vista o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. A Petrobrás é uma empresa de economia mista, de direito privado. Vale dizer, a competência da justiça federal não é determinada intuito personae. Por outro lado, eventual conexão com outro crime não modifica a competência se não mais houver possibilidade de unidade de processo e julgamento. A prevenção é critério de fixação de competência entre foros ou juízos igualmente competentes. A prevenção não é critério de modificação da competência. Cuidei disso naqueles trabalhos supra referidos.
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual. Autor de obras sobre a matéria.
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