sábado, 10 de dezembro de 2016

Maria Vai com as Outras

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Comentando a política nacional, um amigo me disse - "esse Temer é um Maria Vai com as Outras e transformou seu governo na Casa da Mãe Joana".
Concordei com ele, mas depois fiquei me perguntando: e se tivesse que explicar para um estrangeiro o significado desses comentários, o que diria?
Hoje, quem tem dúvidas, vai no Google.
Foi o que fiz.
Ali deparei com uma relação de ditados e provérbios brasileiros, catalogados por Luís da Câmara Cascudo, inclusive o que fala da tal Maria e tal Joana, e achei isso tão interessante que resolvi dividir com meus poucos leitores a descoberta.
Antes de lembrar algumas dessas expressões, é preciso falar alguma coisa sobre o autor.

Câmara Cascudo nasceu e viveu sempre em Natal, no Rio Grande do Norte, de 1898 a 1986. Foi historiador, antropólogo e jornalista. Sua obra mais conhecida é o Dicionário do Folclore Brasileiro. É um dos poucos brasileiros, foi homenageado com sua estampa numa cédula do nosso dinheiro.
Sete anos depois da sua morte, em 1993, ele apareceu numa cédula de 50 mil cruzeiros.
Aqui vão algumas expressões coletadas e comentadas por Cascudo em seu livro Locuções Tradicionais no Brasil.

Bicho-de-sete cabeças. Usado, normalmente, na forma negativa. Não é um bicho-de-sete- cabeças. Significa que uma tarefa não é assim tão difícil. Referência ao mito grego da Hidra, cujas cabeças foram decepadas por Hércules.

Com o rei na barriga. Sujeito que se acha importante. Alusão às rainhas que quando grávidas eram tratadas com mais deferência ainda.

Ver passarinho verde. Significa estar apaixonado. No passado, conta lenda, jovens adestravam passarinhos para levar no bico uma carta de amor a sua apaixonada.

Com a corda toda. Pessoa agitada, que não para quieta. A origem está em velhos brinquedos animados com uma mola chamada corda.

Favas contadas - Disputa que já tem um vencedor previsto. No passado, se votava sim ou não, usando favas brancas ou pretas.

Fazer ouvidos de mercador - Fingir que não está ouvindo. Mercador seria uma corruptela de Marcador, o carrasco encarregado de marcar suas vítimas e que deveria fingir que não estava ouvindo seus gritos.

Tapar o sol com a peneira. Esforço inútil de esconder alguma coisa. Expressão originária de uma experiência prática.

O pomo da discórdia - Pessoa ou objeto que dá origem a uma disputa. Sua origem é uma lenda grega. Hera, Afrodite e Atena, as mais importantes deusas gregas, disputavam a Maça de Ouro, jogada por Éris, a deusa da discórdia. Zeus atribuiu a Páris, filho do rei de Troia, a missão de fazer a escolha. O príncipe concedeu o t&iacut e;tulo a Afrodite em troca do amor de Helena, casada com o rei de Esparta. A rainha fugiu com Páris para Tróia, os gregos marcharam contra os troianos e a famosa maçã passou a ser conhecida como "o pomo da discórdia.

Afogar o ganso -  Ato sexual. No passado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima.

Ave de mau agouro - Pessoa portadora de más notícias. Os romano s usavam a águia, a coruja, o corvo e gralha para levar para Roma as notícias da guerra distante.

Santa do pau oco -  Pessoa falsa. Nos séculos XVIII e XIX, contrabandistas usavam imagens de santas, ocas por dentro, para esconder ouro em pó e pedras preciosas.

Mais vale um pássaro na mão que dois voando - Não correr risco. Antigos caçadores tinham o hábito de segurar nas mãos as aves feridas, antes de tentar caçar outras que ainda estivessem voando.

Apressado come cru - Não fazer as coisas direito por causa da pressa. Quem n ão espera que a comida fique no ponto certo, não vai gostar do que irá comer.

Chorar as pitangas - Estar a se lamentar. Quando, por descuido, as pitangas tocam os olhos de uma pessoa, elas provocam lágrimas.

Farinha do mesmo saco -  Pessoas que tentam aparentar diferenças, mas que no fundo são iguais. Sua origem seria uma expressão latina: "Homines sunt ejusdem farinae"

Aquela que matou o guarda - Usada para identificar uma aguardente muito forte.Segundo Alberto Campos de Moraes, num livro sobre a família real no Brasil, uma mulher chamada Canjebrina (sinônimo de cachaça) teria matado um guarda que trabalhava para D. João VI.

 Colocar panos quentes - Esconder algo errado. Vem do costume de usar compressas panos quentes para provocar sudorese em pessoas com febre alta.

Cor de burro quando foge - A frase original era "Corra do burro quando ele foge". Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e "corra" acabou virando "cor". Usa-se também no Sul, a expressão Cor de burro quando chove.

Pagar o pato - Assumir a culpa. A origem está num antigo jogo em Portugal. A cavalo, os jogadores deveriam arrancar um pato preso num poste. Quem perdia, tinha que pagar a aposta.

É de pequenino que se torce o pepino Educar as crianças desde cedo. Os plantadores de pepino têm o hábito de arrancar as suas pontas para que eles cresçam mais bonitos.

Salvo pelo gongo - Pessoa que livra de um problema no último minuto. O ditado teria surgido na Inglaterra no século XIX para evitar que se enterrassem pessoas ainda vivas (catalepsia). Um cordão, ligado a um congo, era colocado no caixão para que, se fosse o caso, o candidato a ser enterrado, que "acordasse" a tempo, o pudesse ser salvo pelo gongo.

Elefante branco - Algo que não serve para nada. Seria um costume de antigos reis da Tailândia de dar de presente para alguém que caísse em desgraça um elefante branco. Como não poderia desprezar um presente do rei, o agraciado ficava com um enorme problema em sua casa.

Amigo da onça - Pessoa falsa. Um caçador contava a história que, sem armas, espantou uma onça apenas com seu grito. Como seu ouvinte duvidou, o caçador perguntou se essa pessoa era seu amigo ou da onça.

Com a corda no pescoço - Enfrentar problemas financeiros. Veio do fato de alguns condenados à forca terem sido salvos no último momento por algum tipo de perdão.

Como sardinha em lata - Viajar em condução lotada. A origem é da Sardenha, onde as sardinhas eram muito abundantes e eram enlatadas superpostas umas às outras.

Pior cego é o que não quer verPessoa que se recusa a ver a realidade. Sua origem seria em 1647, em Nimes, na França, onde o doutor Vicent de Paul D'Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via e pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa.

Casa da mãe Joana -  Lugar confuso e sem ordem. Joana condessa de Provence (1326/1386) liberou os bordéis em Avignon, na França e foi por eles homenageada.

Onde Judas perdeu as botas- Lugar muito distante. Depois de trair Jesus, Judas teria perdido suas botas e os 30 dinheiros num lugar que os soldados romanos procuraram sem sucesso.

Quem não tem cão caça com gato - Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. A expressão, com o passar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia "quem não tem cão caça como gato", ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.

Dá pá virada - Pessoa criadora de casos. A pá virada tem pouca utilidade prática.

Deixar de Nhenhenhém -  Conversa fiada. Na língua Tupi "nhee" significa falar. Como os índios não entendiam o que os portugueses falavam, diziam que eles faziam nhen-henh-nhém.

Não entender patavina - Não entender nada. A origem seria o fato de Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), usava um latim horroroso, originário de sua região, que poucos entendiam

Jurar de pés juntos - Afirmação definitiva sobre o assunto. Durante a Santa Inquisição, as pessoas tinham os pés e mãos amarradas juntas e deveriam jurar obediência à Igreja.

Testa de ferro Exercer o poder em nome de outro. O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro.

Erro crasso - Alguém que comete um erro enorme. Crasso, integrante do primeiro triunvirato romano, com Júlio Cesar e Pompeu, foi derrotado pelos Partos pelos enormes erros militares que cometeu.

Lágrimas de crocodilo - Choro falso. O crocodilo, quando devora uma presa, faz uma força tão grande com suas mandíbulas, que pressiona as suas glândulas lacrimais, provocando lágrimas.

Passar a mão na cabeça - Perdoar alguém. Vem do costume judaico de abençoar cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronuncia a bênção.

Gatos pingados Pouca gente assistindo algo. Sua origem seria japonesa e se referia a um tipo de tortura - pingar óleo fervente em pessoas e animais, principalmente gatos - que poucas pessoas queriam assistir.

Queimar as pestanas - Estudar muito. Antes da descoberta da eletricidade, as pessoas liam à luz de velas. Quando se aproximavam muito da chama, poderiam queimar as pestanas.

Sem papas na língua -  Ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana "no tener pepitas em la lengua". Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.

Maria vai com as outras -  Pessoa sem opinião. Dona Maria I, a mãe de D.João VI, chamada a Rainha Louca, foi declarada incapaz de governar e afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: "Lá vai D. Maria com as outras". 

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS


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