sábado, 29 de abril de 2017

A greve geral contra a escravidão e o atraso, por Roberto Bitencourt da Silva

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A greve geral contra a escravidão e o atraso: quando os trabalhadores querem, eles podem

por Roberto Bitencourt da Silva

Os empresários brasileiros do campo e da cidade nunca engoliram as leis trabalhistas. Nos primórdios da República Velha, as reivindicações sindicais e operárias por uma legislação que protegesse os trabalhadores eram tratadas como problema policial, pelo sistema político oligárquico e econômico agroexportador, então vigente.

As leis trabalhistas, após duras e longas lutas sociais dos trabalhadores brasileiros, sobretudo urbanos, são uma conquista social derivada de uma (semi)revolução, inicialmente política, contra o império liberal e vende-pátria das oligarquias paulistas do café.

Além da trajetória das atividades das organizações e das mobilizações dos trabalhadores, colocando o tema na agenda pública, foi necessária a atuação do Exército, como um dos pilares da Revolução de 1930, para que se desenhasse o escopo das leis do trabalho.

A Revolução de 1930 desenvolveu o seu conteúdo econômico até os anos 1940, sob a batuta do presidente Getúlio Vargas. Acompanhando os ideais de industrialização autóctone e de menor dependência do capital estrangeiro e da tecnologia forânea, a integração social das amplas massas de trabalhadores superespoliados e abandonados à própria sorte nas cidades teve como expressão maior a Consolidação das Leis do Trabalho (1942). Registre-se, contudo, que, então, os trabalhadores rurais não foram contemplados por essas leis.

Afastado do governo o presidente Getúlio Vargas, em 1945, as elites bacharelescas, oligárquicas, entreguistas e colonizadas surpreenderam-se com o amplo movimento popular “queremista”, que advogava a redação de uma nova Constituição sob a liderança de Vargas. Temiam os trabalhadores a perda de direitos duramente conquistados.

Mas, como? Defender um ditador? A racionalidade dos trabalhadores era muito superior ao que atribuíam, preconceituosamente, parcelas das elites comprometidas com a ordem anterior a 1930 e saltitantes de alegria com a destituição de Vargas.

Cumpre ainda lembrar que foi no Estado Novo que se introduziram os primeiros parâmetros da impessoalidade e da racionalidade no serviço público, adotando-se o Concurso Público como meio de admissão de funcionários. Os velhos fisiologismo e clientelismo das mesmas elites pré-1930 recebiam um bom e importante golpe. Hoje, pretendem dominar amplamente o acesso aos postos dos serviços públicos, acabando com os diretos do funcionalismo.

Os trabalhadores urbanos, após intensas manifestações durante meses, conseguiram alcançar os seus intentos e as leis trabalhistas foram asseguradas. Mas, na República de 1946, os representantes políticos conservadores não deixavam de alegar, sistematicamente, que as leis trabalhistas "corrompiam" o sistema político, "manipulando" a opinião das "massas", "ignorantes e irracionais". O udenismo e os velhos e reacionários jornais O Globo e O Estado de S.Paulo se encontravam na linha de frente da veiculação desse perfil de ideias.

Sintonizado e associado com os interesses empresariais, o senador fluminense Alfredo Neves, acompanhado do senador pela Paraíba, e poderoso proprietário dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, tinha o despudor de afirmar o seguinte: “O sentimentalismo, que domina o espírito dos homens públicos do nosso país, tem resultado na substituição do estímulo ao trabalho pelo incitamento à preguiça coletiva, que se vai estendendo até os meios rurais. O trabalho já não é mais tão eficiente como em outros tempos” (Diário do Congresso Nacional, 21/06/1952, p.5626).

No acalorado debate que aí transcorreu, o senador gaúcho e então notório “teórico do trabalhismo”, Alberto Pasqualini, acicatava o oponente, ironizando o “ilustre colega”, como defensor da escravidão. É precisamente o que pretendem hoje os agentes do atraso entreguista e antipopular no governo federal, no Legislativo e na mídia: defender a escravidão.

Note-se que no curso daqueles anos, a consciência política, as organizações e as mobilizações dos trabalhadores rurais e urbanos foram bastante incrementadas, alargando direitos trabalhistas e sociais e estendendo-os também para o campo.

Desse modo, não foi gratuita a posição da ditadura empresarial-militar que se instaurou em 1964, a respeito das leis trabalhistas. Estas praticamente não foram alteradas, mesmo sob o regime ditatorial. Era melhor não cutucar a onça com vara curta, pois a crescente e vibrante trajetória de lutas sociais, econômicas e políticas dos trabalhadores eram de memória recente. Somente um regime explícito de força para encarcerar, perseguir, silenciar e obscurecer o movimento sindical. Mesmo, assim, os ditadores de plantão não ousaram mexer nas leis.

O coveiro da ditadura, uma vez mais, saiu das forças do universo do trabalho. As grandes greves do ABC despontaram ao final da década de 1970, contribuindo para a retirada da legitimidade do regime ditatorial. A mobilização e politização de operários, servidores públicos e trabalhadores rurais abriram, definitivamente, o caminho da redemocratização, de novos direitos sociais e da redução da jornada de trabalho – de 48 horas para 44 h – nas leis.

Ao mesmo tempo, não foram poucas as bobagens ditas por personagens atuantes naqueles movimentos sociais, especialmente ligados ao Partido dos Trabalhadores, no curso do final dos anos 1970 e na década de 1980 – diga-se, Lula à frente –, contra as pretensas “leis fascistas e populistas”, a “Carta del Lavoro de Getúlio Vargas”. Uma triste página da história de setores das esquerdas, que levaram água para o mofado moinho reacionário.

Uma autocrítica aí, assim como em função do apassivamento de enormes frações dos trabalhadores brasileiros, legado pelo lulopragmatismo, é mais do que necessária.

Esse apassivamento corresponde a uma variável decisiva da facilidade e do despudor com que as forças do atraso, capitaneadas pelo golpista Michel Temer (PMDB) – a serviço dos bancos, das multinacionais, dos latifundiários, das empresas prestadoras de serviços e de parasitas especuladores em geral –, têm desmontado o País e promovido uma aberta guerra de classes contra os trabalhadores.

Em uma Nação que registra um dos maiores índices de concentração de rendimentos e riquezas no mundo, em vez de propor absurdos como a supressão de direitos trabalhistas, o que se deveria fazer, entre outras medidas, é reduzir a jornada de trabalho, sem diminuição de salários. Isso para elevar a oferta de emprego e fazer justiça social para com os trabalhadores: desde os anos 1940, quando o limite era de 48 horas semanais, apenas em 1988 a jornada foi reduzida (para 44h).

Peço ao leitor pensar no incremento técnico-cientifico e na elevação da produtividade do trabalho durante todo esse longo período. É uma infâmia o que o governo golpista de Temer, abjeto testa de ferro do grande capital nacional e estrangeiro, está fazendo contra o mundo do trabalho.

Nesse sentido, o grande capital e o seu governo títere só podem entender a linguagem da força. A força que afeta a capacidade de circulação e reprodução do dinheiro. Ilusões em torno de eleições e do sistema político e jurídico imperante – totalmente enclausurado por entreguistas, larápios dos cofres públicos e reacionários – em nada podem contribuir para nos tirar da situação deprimente e de ameaça a um giro histórico para antes da era Vargas.

A principal força que os trabalhadores possuem só pode ser traduzida pela união, a cooperação, a organização e a mobilização. Nesta sexta-feira é greve geral! E que se torne o quanto antes por tempo indeterminado.

Diversos momentos da trajetória proletária no Brasil República demonstram que quando querem, os trabalhadores podem alcançar os seus objetivos. Precisamos fazer jus aos nossos gloriosos e aguerridos antepassados.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

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