segunda-feira, 29 de maio de 2017

Que fossa precisa ser aberta para chamar o golpe de golpe?, por Armando Coelho Neto


Que fossa precisa ser aberta para chamar o golpe de golpe?

por Armando Rodrigues Coelho Neto

É redundante lembrar que o Congresso Nacional está acuado por denúncias. Ao que consta, só em 2014, a JBS teria beneficiado quase dois mil candidatos de 28 partidos, tendo sido decisiva na eleição de 167 deputados federais e 18 senadores ligados a vários partidos. Em igual sentido, aparecem os beneficiados pela Odebrecht. Ao sabor de mídia golpista e vazamentos criminosos, doações legais e ilegais ganham o mesmo tom criminoso e já não se sabe quem é quem. Em meio a tudo isso, há aqueles parlamentares objetivamente investigados e suspeitos, que de alguma forma tentam salvar a pele. Tentar salvar a pele, a essa altura, significa também obedecer a ordens da misteriosa cozinha do golpe. Quem recebeu dinheiro para votar assim ou assado tem que honrar o compromisso.

Em grau maior ainda de complexidade aparece o impostor Michel Temer. A qualquer momento, o traidor e usuário fajuto da Faixa Presidencial pode deixar o posto e sair direto para o presídio da Papuda. Questões econômicas, firulas legais, interpretações restritivas ou elásticas do ordenamento jurídico ainda seguram o golpista no arremedo presidencial. Mas, não apenas isso, pois até que outros alicerces sejam redesenhados, qualquer rompimento pode ter reflexos maiores na economia, já seriamente afetada pelo amadorismo politizado da Farsa Jato. Eis que o jogo já não transparece tão calculado quanto antes. As cartas não estariam tão bem marcadas quanto pareciam. É inegável que a nebulosa cozinha do golpe transformou Fora Temer em refém.

Mas, há pedras do golpe que não se encaixam tão bem. O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado participou de arrecadação ilegal para Aécio Neves em 2001. Aécio é citado também na delação de Delcídio do Amaral, como resultado de investigações da Farsa Jato. Por outro lado, Eduardo Cunha, para se defender, tentou mostrar o envolvimento de Fora Temer, mas Sérgio Moro não deixou, indeferindo 21 perguntas. Mais tarde, Moro se permitiu ser fotografado ao lado de ambos. Hoje, diante das novas revelações do novo fronte do golpe, já não se pode fazer a leitura dos fatos pela lógica linear e elementar anterior.

O trem do golpe está descarrilando. Os economistas da usurpação da República tropeçaram na lição de David Harvey (o capitalismo não resolve suas crises, mas as contorna). Não precisariam ir muito longe, já que a Farsa Jato ajudou na quebradeira. Pensavam ser fácil abandonar as leis de mercado, criar artificialmente uma crise, depor a presidente Dilma Rousseff e realinhar o mercado novamente. No amadorismo golpista, concluíram que a disseminação do ódio e a falsa ideia de combate à corrupção seriam suficientes para neutralizar reações. Ledo engano. De repente, os cheques do golpe começam a voltar e os rascunhos de e-mail e papéis sem assinatura de Sérgio Moro não surtiram o efeito esperado.

Não há luz no fim do túnel. Não existe congresso e o arremedo dos que lá estão para cumprir a função a ele inerente está prostituído. A saída, em tese, estaria na ex-suprema corte (minúsculas de protesto). Mas, esta sempre se omitiu, também achando que seria fácil. O judiciário, em instância máxima e irrecorrível, teve em mãos várias chances de frear o golpe. Não o fez. Assumiu o papel de iludir a opinião pública para dar ares de legalidade à farsa. Quando instado a respeito da lei, aquele poder limitou-se a ditar normas sobre como o golpe se processaria. Em momento algum, ainda que um de seus membros tenha dito que impeachment sem crime é golpe, não respondeu a questão básica. Qual o crime de Dilma?

Congresso perdido, mídia golpista atabalhoada, judiciário desmoralizado, se algum resíduo de seriedade houvesse nisso tudo, a mais cristalina saída estaria na anulação do golpe. Fazer isso esbarraria no suposto vício da chapa Dilma-Temer, que pode ser cassada a qualquer momento. A resposta poderia vir por meio da soberania popular representada por 54 milhões de votos. A vontade popular era outra e não se pode apelar para hermenêutica de Veja/Moro de que “o povo sabia”. Anular o golpe, respeitar a vontade popular não seria simples e nem colocaria ordem nas coisas. Mas é inequívoco que a questão legal e democrática estaria solucionada, mesmo que a volta da presidenta Dilma Rousseff fosse apenas para convocar eleições. Ainda que isso representasse a legitimação do próprio golpe, a solução para crise passaria pelo crivo do voto.

Mas, tudo trava na cozinha do golpe. Qualquer leitura seria imprópria sobre onde reside a tal cozinha. Ninguém arriscaria dizer hoje quem manda no Brasil. Mas, é inarredável a ideia de que, quem cria crise não resolve crise. O golpe está preso à ideia de pedalinhos e tríplex sustentada por Moros e Marinhos. Dentro ou fora do golpe ninguém mais se entende e Gilmar Mendes que o diga.

Tão logo a legítima presidenta do Brasil foi deposta, surgiram sinais. Gravações clandestinas divulgadas pelos próprios meios de comunicações golpistas se encarregaram de divulgar a pouca vergonha escondida. Começou com “estancar a sangria”, enveredou pelo “sempre se soube” e desaguou no “tem que manter isso”. A cada máscara que cai mais fica evidente o caráter criminoso do golpe de estado. Desse modo, já não se sabe que fossa precisa ser aberta para que o golpe seja tratado pelo nome, e o país retome a ordem jurídica e democrática.

A sociedade brasileira permanece ao sabor da obscura e maquiavélica cozinha do golpe, sob evidentes sinais de que seus títeres são manipulados além das fronteiras do País.

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