Um exemplo paradigmático ocorreu nessa semana, quando o Tribunal Regional do Trabalho de SP limitou o direito de greve dos metroviários, praticamente esvaziando a capacidade de mobilização
Parte significativa do Poder Judiciário, incluindo-se aí a Justiça do Trabalho, deixou de lado a função de guardião da Constituição e assumiu, sem ressalvas, a proteção da coalizão política que está terraplanando os direitos sociais. A função de interpretação da legislação, significativamente complexa e sobre a qual não teremos oportunidade de abordar aqui, vem sendo antecipada e os conflitos sociais têm sido resolvidos da forma mais previsível possível, pela pena de ministros e desembargadores.
Nessa semana, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região“deferiu liminar que impõe limites às paralisações nos serviços da Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM) e da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) previstas para ocorrer a partir da 0h da próxima terça-feira (01), por 24 horas” . As liminares foram deferidas pelos desembargadores Carlos Roberto Husek, vice-presidente judicial do Tribunal, e Willy Santilli, respectivamente.
A decisão do Dr. Husek determina que os ferroviários da CPTM mantenham 80% do efetivo, em todos os serviços de operação de trens, especialmente “maquinistas, pessoal de estações, segurança, manutenção e operação nos horários compreendidos entre 4h e 10h e 16h e 21h. Para os demais períodos, o efetivo deverá ser de 60%” (ibidem). A liminar também proíbe a “liberação das catracas”.
Dias antes, o desembargador Santilli “determinou os mesmos percentuais de metroviários na ativa, em caso de greve, para os seguintes horários: das 6h às 9h e das 16h às 19h” (ibidem). Ao assumir essa postura, o Tribunal Regional do Trabalho, já conhecido por suas posições conservadoras na interpretação/aplicação do Direito do Trabalho, ignora a Constituição e assume o seu papel que garante dos mais reacionários interesses do governo paulista – que é fiador dos interesses do Governo Federal, ao menos quando o tema é a máxima redução dos direitos trabalhistas e previdenciários.
A Constituição é bastante clara ao dispor a respeito da greve: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (art. 9º). Ora, se a Constituição, texto que define o pacto jurídico e político de um povo; fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte soberana, ilimitada e responsável pela construção dos valores e objetivos da sociedade brasileira, diz que cabe “aos trabalhadores aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, não há argumentação constitucionalmente legítima por parte do Tribunal para limitar – na prática vetar – o movimento reivindicatório dos metroviários e ferroviários.
A greve é um direito fundamental-social da categoria assegurado pelo núcleo de direitos imodificáveis da Constituição. Para que se compreenda a violação praticada, seria, mutatis mutandis, como se um Tribunal criasse uma exceção judiciária ao direito de propriedade (direito tão dileto às castas conservadoras); proibindo, por exemplo, determinado coletivo de pessoas de exercer o seu direito de propriedade. Como seria se, ao invés de proibir metroviários e ferroviários da greve, um Tribunal proibisse os proprietários e acionistas de empresas férreas e metroviárias de adquirir e exercer livremente o direito de propriedade? Pois a ilegalidade e injustiça de se proibir uma categoria de exercer o seu direito de greve possui o mesmo nível de arbitrariedade.
Sem os impactos da paralisação, não há argumento capaz de sensibilizar o lucro. Portanto, greve é sim para incomodar; causar transtorno, distúrbios, dificuldades. É o momento pelo qual o coletivo organizado traz para si a atenção social e coloca sob as luzes as dificuldades de vida e trabalho que são restritas a quem trabalha naquele setor. Daí ser especialmente grave que um Tribunal que deveria ser “do Trabalho” condene as reivindicações de metroviários e ferroviários – categorias das mais importantes em tempos de sociedade e transportes de massas – à escuridão; à margem; à periferia jurídica.
Sinaliza o Tribunal que a função do metroviário e do ferroviário – e logo mais esses precedentes serão replicados para quase todos os demais trabalhadores – é trabalhar sem reclamar; sem reivindicar; ignorar suas dificuldades, engolir os dissabores e ilegalidades e submeter-se a qualquer tipo de alteração prejudicial e ainda agradecer aos céus ao final do dia, pois poderia ser pior – poderia nem existir emprego. Esse discurso é extremamente sedutor em uma sociedade que sobra desemprego e desesperança.
Quem está há tempos desemprego talvez desejasse uma fonte de sustento, ainda que em condições precárias e vai se solidarizar com o censor de quem “reclama de barriga cheia”. Isso nos faz, todavia, caminhar firmemente para a banalização do mal, para o autoritarismo, o colapso dos direitos e da solidariedade. Mais do que vetar direitos, o Tribunal contribui para a quebra de valores sociais, para o fim da solidariedade e sinaliza que a justiça de São Paulo não é a justiça constitucional, mas a prevalência de uma falsa paz social, fruto de reivindicações e clamores ingurgitados e expectativas em desencanto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12