Abu Dhabi / São Paulo
Acordo dos produtores para reduzir oferta eleva preços e retoma otimismo do setor.
Notícia é boa para a Petrobras, mas deve impactar valor da gasolina para o consumidor
Dezenas de homens vestidos com a kandura — a impecável veste branca usada pelos árabes tradicionais — e algumas mulheres envoltas em suas abayas pretas esperam ansiosos a chegada do sultão Ahmed al Jaber, ministro, diretor-presidente da companhia petrolífera nacional e um dos homens de peso dos Emirados Árabes Unidos. Ao descer as escadas que se conectam com a parte mais nobre da ADIPEC — a feira internacional do petróleo realizada em novembro em Abu Dhabi —, Al Jaber surge caminhando com sua interminável comitiva e cumprimenta sorridente alguns dos executivos mais importantes da indústria do petróleo. São os mesmos que, no dia 19 de novembro, se reuniram nesta cidade para analisar o estado do setor do qual todos dependem.
"Diante das expressões sisudas do ano passado, agora o otimismo predomina. Acima de tudo, devido ao acordo entre os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e o restante dos produtores, o que sugere uma certa estabilidade dos preços", disse uma das 24 pessoas presentes nesta reunião de presidentes de grandes petrolíferas.
Os ventos do otimismo vão além dos salões lotados da feira de Abu Dhabi. Há um ano, a Arábia Saudita, a principal potência petrolífera do mundo, era forçada a dar um passo inédito: promoveu um acordo para reduzir, pela primeira vez em oito anos, a oferta de petróleo. Apesar das dúvidas quanto à sua capacidade de chegar a um acordo com o resto dos produtores, a ideia parece ter funcionado:pela primeira vez em mais de dois anos, a cotação do petróleo supera a barreira de 60 dólares, 30% acima do preço médio pago em 2016 pelo barril Brent.
Esta valorização tem muitas explicações. Mas, acima de todas, destaca-se a ideia de que a OPEP conseguiu impor uma política que suscitava muitas dúvidas. E que países fora desse cartel, especialmente a Rússia, se incorporaram às restrições à produção. "É evidente que o acordo mudou as expectativas. Agora, vemos que foi respeitado e que, provavelmente, será estendido para 2018. Consequentemente, todos os analistas correram para elevar suas previsões de preços, embora de forma moderada", afirma Gonzalo Escribano, chefe de energia do Real Instituto Elcano.
A escalada do preço do petróleo é particularmente importante para o Brasil, já que o país – que hoje produz 2,6 milhões de barris por dia – tem programada para 2018 novas rodadas de leilões de blocos de exploração do pré-sal, a maior reserva de petróleo brasileira. "O aumento do barril significa que todo o petróleo que o país exportar será mais bem pago no mercado internacional, o que melhora a balança comercial do país e impulsiona investimentos e interesse no setor. Se eu quero transformar o Brasil em uma nação petroleira, o aumento do valor da commodity é bem positivo", explica a pesquisadora da FGV Energia, Fernanda Delgado.
Se por um lado a disparada dos preços dá um novo ânimo ao setor, principalmente a Petrobras, e atrai investidores, a especialista alerta que a mudança pesa no bolso dos consumidores, já que reflete em um aumento da gasolina e dos derivados do petróleo. "Hoje a Petrobras possui uma política distorcida de preços atrelada aos preços internacionais, apesar de produzir praticamente todo o óleo que o país precisa. Se sobe o barril, a gasolina também aumenta", diz Delgado. A alta dos combustíveis acaba se estendendo também por toda a cadeia de produtos que depende dos combustíveis em sua produção ou transporte, pressionando a inflação no país.
“É muito cedo para escrever o obituário do petróleo”, diz a AIE
A nova política de preços da Petrobras, em vigor desde julho, baseia-se na paridade internacional dos produtos no exterior e na flutuação do câmbio. Desde então, os preços da gasolina e do diesel estão sendo alterados para cima ou para baixo, às vezes, de um dia para o outro. O impacto das variações de preços para o consumidor final dependem, no entanto, da decisão das redes de combustíveis e das distribuidoras.
A mudança da petroleira não foi a única do setor no último ano. Em julho, um decreto assinado por Michel Temer autorizou a elevação da alíquota do PIS/Cofins que incide sobre o preço dos combustíveis, o que representou uma alta de 41 centavos por litro de gasolina e de 21 centavos por litro de diesel.
Apesar da mudança de expectativas, especialistas alertam sobre riscos para o setor
As medidas geraram impactos rapidamente. Na semana passada, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgou que o preço médio da gasolina havia atingido um novo recorde nos postos ao subir 2,6% e superar a o valor de quatro reais por litro. Desde que os reajustes diários de preços foram aplicados, a gasolina já subiu 24,82%, e preço do diesel 23,77%.
Petróleo segue sendo principal fonte de energia
Lá fora, a alegria dos magnatas do ouro negro vai além do aumento conjuntural dos preços. Diante daqueles que previam um fim precoce da era do petróleo, o setor agora reafirma sua boa saúde. Tanto a OPEP como a IHS Markit publicaram relatórios este mês afirmando que o petróleo continuará a ser a principal fonte de energia nas próximas duas décadas. "A demanda por petróleo continuará em trajetória ascendente até 105 milhões de barris diários. A maior fonte de crescimento virá da fabricação de produtos petroquímicos, seguidos de perto pelo crescente uso por caminhões, aviação e transporte marítimo", segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), que certifica categoricamente que "é muito cedo para escrever o obituário" do setor.
"O uso do petróleo para o transporte continuará crescendo, especialmente graças às economias emergentes. O desenvolvimento de carros elétricos não deslocará a demanda por gasolina ou diesel", disse por e-mail Harry Tchilinguirian, analista-chefe de commodities do BNP Paribas.
Mas, à margem do acordo da OPEP, o que mudou para explicar esse otimismo renovado? "Basicamente, o acúmulo de boas notícias inesperadas. As recentes tensões geopolíticas — disputa Irã-Arábia Saudita, tensões no Curdistão ou o ‘default’ da dívida venezuelana — pressionam os preços", responde Escribano.
Em Abu Dhabi, mais de 100.000 pessoas visitaram os estandes de 2.000 empresas na ADIPEC. Na feira, era possível pesquisar os últimos modelos de tubos ou uniformes e até participar de um seminário sobre o papel das mulheres no setor e energia. Em meio ao burburinho, a Cepsa — petrolífera de origem espanhola atualmente controlada pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes — apresentou sua visão para os próximos 15 anos, razão pela qual organizou a viagem da qual o EL PAÍS participou. "O petróleo continuará sendo fundamental não só por causa do transporte. O crescimento das classes médias asiáticas aumentará o consumo de produtos que, em 95% dos casos, precisam da química para sua fabricação", afirmava durante a feira Héctor Perea, diretor de estratégia da Cepsa.
Apesar de tudo, o futuro não está livre de riscos. A própria AIE alerta sobre a pressão altista sobre os custos para enfrentar a necessidade de "um investimento permanente em larga escala" e sobre a margem de aumento da oferta depois de alguns problemas de produção específicos em países como Líbia, Nigéria e Iraque. Nos últimos dias, também surgiram dúvidas sobre a disposição da Rússia de continuar com a política de cortes. Na reunião em Viena no próximo dia 30, espera-se que os produtores decidam por estender os cortes até o final de 2018, além do prazo já estabelecido no próximo mês de março. Embora o presidente russo Vladimir Putin tenha demonstrado disposição de manter o pacto, fontes citadas pela Bloomberg afirmavam que nada havia sido decidido ainda.
RUMO A UMA ESTABILIDADE EM TORNO DE 50 DÓLARES
Uma das razões para o otimismo de executivos do setor de petróleo reunidos esta semana na capital dos Emirados Árabes Unidos era a previsão de um futuro iminente em que o barril Brent se estabilize em uma faixa de 50 a 60 dólares, algo que há apenas alguns meses parecia fora de alcance. Os especialistas consultados admitem que o mínimo em torno de 50 dólares parece garantido, mas acreditam que é muito cedo para falar sobre um equilíbrio próximo aos 60 dólares.
Harry Tchilinguirian, analista do BNP Paribas, acredita que tudo dependerá da capacidade da OPEP e do restante dos produtores de manter uma oferta limitada e da evolução do fracking nos EUA. "Se a OPEP e a Rússia não continuarem com os cortes, o forte crescimento da produção e das exportações nos EUA colocará os preços facilmente mais perto dos 50 dólares, ou um pouco menos, do que dos 60", afirma Tchilinguirian. O barril Brent era negociado na sexta-feira passada por 62,72 dólares.
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