Os policiais do Rio Grande do Norte entraram em greve porque não tem recebido salários, e não tem recebido salários porque técnicos do TCU e do Ministério da Fazenda deram parecer contrário a um empréstimo de R$ 600 milhões que havia sido solicitado ao Governo Federal para esse fim. Como conseqüência dessa decisão burocrática, o Estado, ente federado supostamente com algum grau de soberania, viu sua população ser exposta ao caos da insegurança e da bandidagem, rendendo-se finalmente à Força Nacional de Segurança.
Não sou adivinho, nem especialista em segurança. Sou apenas economista. Mas o economista menos atento, assim como qualquer observador da situação potiguar, sabe que não será a Força Nacional a entidade mítica capaz de resolver na força os problemas de segurança do Estado. Vemos isso no Rio. Bandidos de roubo de carga e de tiroteios, assim como de assassinatos, continuam sendo mais visíveis na cidade do que forças de segurança. Ontem, o número de policiais mortos neste ano chegou a 134. Cadê a Força de Segurança?
A estrutura financeira dos Estados está degradada. No Rio é uma decorrência de uma crise que tem três razões principais, uma das quais histórica: a dívida junto ao Governo Federal que vem sendo rolada desde 1997. As outras são a profunda crise econômica resultante da queda da economia depois das devastadoras conseqüências da Lava Jato no sistema produtivo brasileiro, e finalmente as isenções tributárias concedidas pelos governadores ao longo dos anos, para supostamente atrair empresas e empregos para seus Estados.
A dívida junto ao Governo, quando consolidada e paga pela União com títulos públicos federais, elevava-se a R$ 107 bilhões em 97. Dela, por força de taxas de juros de agiotagem, foram pagas até o ano passado R$ 277 bilhões. Restam a pagar mais de R$ 493 bilhões. Evidentemente que se trata de uma dívida injusta e impagável, mesmo porque foi paga mais de duas vezes. O que resta a pagar é um esbulho dos Estados. Se agissem de forma coordenada, não pagavam e colocavam o Governo Federal contra a parece no plano político. Em vez disso, aceitam a incrível imposição de privatizar ativos estaduais para garantir empréstimos, como é o caso da Cedae no Rio – em boa hora vedada pela Justiça.
Observei acima que a dívida consolidada dos Estados foi paga aos bancos privados pela União com títulos federais. Naturalmente, ele não poderia se investir em nenhum direito para receber essa dívida dos Estados. Na verdade, títulos públicos federais são um passivo de Estados e Municípios. São os cidadãos estaduais e municipais que pagam a divida federal em última instância. É portanto um verdadeiro assalto contra a Federação que a mesma dívida seja cobrada de novo aos Estados e Municípios. Não obstante, como disse, a União exige o pagamento de meio de trilhão de reais, o que inviabilizaria permanentemente os Estados.
Não há surpresa, pois, que alguns dos Estados não consigam pagar a polícia, negando a suas populações as bases mesmas da segurança pública. Acontece que a polícia não é toda a economia estadual. Há os servidores da educação, da saúde, e da infra-estrutura, entre outros. Quando não se tem dinheiro para pagar sequer a polícia, toda a contribuição do Governo à economia estadual se reduz ou desaparece. O comércio, a indústria, os serviços, a agricultura, todos os setores sentem o reflexo da crise financeira. O desemprego cresce, e a renda desaba. Não é este um ambiente próprio para o crime, os assaltos, os assassinatos, independentemente da presença ou não de forças federrais?
Pensar que tudo isso vai ser resolvido pela Força Nacional e o Exército é pura ficção. Ou o problema federativo é resolvido, com o ressarcimento da dívida indevida que foi paga pelos Estados e a anulação da dívida remanescente, ou não haverá mínimas condições de paz no país. Enquanto o ministro da Fazenda continuar manobrando a burocracia federal para estrangular os Estados e forçar a privatização de seus ativos, com a escusa de cumprir o teto congelado do orçamento federal, o país mergulhará cada vez mais na contração e no caos.
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