TEREZA CRUVINEL
O Brasil, por suas elites rompidas com a Nação, entregou-se de forma despudorada ao ridículo, à vulgaridade e à hipocrisia. Um “país nojento”, na definição do líder da esquerda francesa Jean-Luc Mélenchon. Os últimos dias foram pródigos em cenas e falas de vulgaridade sem par, terminando com o lance hipócrita da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Para ela, não foi uma capitulação o Supremo ter voltado atrás no caso de Aécio Neves, decidindo que a ordem de prisão contra parlamentares seja previamente autorizada pela respectiva casa. Resolvido o problema de Aécio, o STF deu nova meia volta, declarando que isso só valia para o Congresso, não para as assembleias legislativas. A do Rio havia usado a brecha para libertar três deputados estaduais. Mas para Cármen, o STF se apequenará se, depois da condenação do ex-presidente Lula sem provas pelo TRF-4, colocar em pauta as duas ações que já estão com o ministro Marco Aurélio, contra a decisão de 2016, favorável à prisão a partir da segunda instância. E se o ex-presidente desistir de sua candidatura presidencial, a revisão será possível? Esta pergunta não lhe foi feita mas sabemos a resposta.
Como um escravo posto no pelourinho, para ser açoitado até confessar crime não praticado, Lula será ameaçado de prisão, e acabará mesmo preso, enquanto insistir em sua candidatura a presidente da República. Afinal, tudo foi feito exatamente para impedir novos governos de centro-esquerda, aqui e na vizinhança. Agora que sua defesa entrou com o pedido de Habeas Corpus preventivo junto ao STF, já sabemos como votará Cármen, restando saber como vão se posicionar garantistas do passado, como Celso de Mello e o próprio Gilmar.
O reexame da normativa sobre prisão em segunda instância agora seria uma reverência à razão e à Constituição, e não apequenamento, como o foram as tantas genuflexões que o STF já fez ao poder político vencedor do golpe, começando por sua omissão diante dele e passando pelo não-exame do último recurso da ex-presidente Dilma contra seu afastamento sem crime de responsabilidade, num processo com desvio de finalidade já confessado. Não seria um casuísmo porque a matéria já tramita há alguns meses na corte, por sinal dividida quanto ao mérito. A própria decisão já foi tomada por um plenário rachado em 6 votos a 5. Não foi a condenação de Lula que suscitou o debate interno (e externo) sobre uma medida que o plenário tomou sob pressão da Lava Jato e de seus defensores. Embora a Constituição garanta a liberdade do réu até o completo trânsito da sentença em julgado, vale dizer, até o esgotamento de todos os recursos e até à ultima instância, o STF aprovou a condenação a partir da segunda porque a Lava Jato precisava destes espantalho para arrancar delações premiadas de seus prisioneiros e investigados. Foi a partir da certeza de que não poderiam mais se valer dos recursos para evitar a prisão que muitos passaram a colaborar com Sergio Moro.
Há alguns meses, entretanto, a correlação interna no STF mudou em relação ao tema, e não foi por causa de Lula, que ainda não havia sido condenado em segunda instância. Mudou porque foram ficando evidentes os perigos desta porta aberta para o punitivismo e o encarceramento em massa. Mudou também porque integrantes do atual “establishment” entraram na mira. Gilmar Mendes, que votara a favor, foi o primeiro a mudar de posição. Neste momento, ele está provando o fruto amargo do sectarismo. Suas posições não justificam o escracho num avião mas ele ajudou a arar o campo.
E com isso, fecha-se uma sequência de cenas e falas deprimentes, reveladoras de que não há mais limite para o mergulho do país na vulgaridade, na hipocrisia, no ridículo, no abominável e no desprezível. Lula foi condenado sem prova por desembargadores que combinaram o aumento da pena para lhe privar de recursos e apressar a prisão e a inabilitação. A futura ministra do Trabalho expôs-se em cenas e falas deploráveis num vídeo que faz corar. O juiz Sergio Moro pisa em falso ao mandar a leilão o tríplex da OAS, fazendo desaparecer tanto a penhora do imóvel pela Justiça de Brasília (a favor de um credor da empreiteira) como as evidências futuras sobre o fato de que Lula jamais teve sua posse ou sua propriedade. Moro aplaudido, como não? O presidente da República cancelou uma visita bilateral a Portugal temendo o sabão que ouviria do escritor e poeta Manuel Alegre na entrega do Prêmio Camões. Como disse ele num poema, "mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não". Mas aqui, estão todos cansados de resistir inutilmente ao tropel da reação. Passa o golpe, passam as reformas que tiram direitos, passa a entrega das riquezas, passam as denúncias contra um presidente encalacrado em corrupção, passa a condenação de Lula, espera-se a sua prisão, apenas a sua. Quando chegar a vez dos outros, a regra será mudada.
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