domingo, 1 de abril de 2018

O filho da fake news

REUTERS/Adriano Machado


Os imprevisíveis caminhos da tragédia brasileira que levaram aos maiores postos da República figuras tão desprezíveis como Michel Temer e Henrique Meirelles agora nos ameaçam com Rodrigo Maia. Quem é o deputado Rodrigo Maia? Quais são suas idéias? Quais projetos apresentou na Câmara? Que tipo de credencial tem para assumir a Presidência, na hipótese do afastamento de Temer? Qual é sua relação com o povo e com a nacionalidade?

É filho de César Maia. Mas quem é César Maia, senão o pintor de periferias de favelas do Rio mais afeito ao marketing pessoal, como o favela-bairro, do que com o serviço público decente. Se o filho puxou o pai, é um neoliberal assumido. Lembro-me de César Maia retardando e finalmente sepultando um projeto de regulamentação bancária e financeira do país sob o argumento de que assumia, como relator, a posição inequívoca de liberal.

Tenho que me ater à personalidade do pai porque o filho que fizeram presidente da Câmara para ajudar Temer, por absoluta irresponsabilidade da maioria, é um desconhecido político. Estamos descobrindo-o aos poucos, inclusive no seu esforço ingente de fazer passar a reforma da Previdência, no rastro de outros esbulhos da era Temer. Agora acham que pode saltar para a Presidência, sem voto para, depois, já no poder, comprá-la.

Voltemos ao pai. Sua atuação política mais importante, além das fake news da favela-bairro, foi a denúncia da Proconsult, no longínquo 1982, na eleição de Brizola para governador do Rio. Foi seu primeiro “kaô”. Os brizolistas que me perdoem, mas não houve nenhuma tentativa de manipular o resultado das eleições em favor de Moreira, que, aliás,foi muito bem derrotado pelo grande líder gaúcho, independentemente de eventuais tentativas.

Foi César Maia quem inventou a manipulação, tendo em vista o descompasso entre os ritmos de apuração no interior do Estado, onde Moreira tinha seus currais eleitorais e, na capital, onde Brizola ganharia disparado. Conheço muito bem o que aconteceu porque era repórter da Folha de São Paulo e o jornal me mandou apurar o que acontecia no Rio. Fiz meu trabalho, desmontei as “fake news”, e a reportagem está lá, publicada para a história.

Para compreender o que aconteceu deve-se entender, inicialmente, que aquelas eram as primeiras eleições gerais no Brasil, exceto para Presidente, e incluindo governadores e senadores. Na apuração, havia no boletim eleitoral nada menos que 72 campos a serem preenchidos de acordo com a apuração. Todos os órgãos de imprensa se prepararam para a apuração, que consistia em totalizar os valores dos boletins, ao ritmo mais rápido possível.

Ora, o interior apurava e totalizava os votos em seções mais tranqüilas, enquanto, na capital e Região Metropolitana, o processo era necessariamente tumultuado e lento. A tevê Globo, com brutal incompetência, dava os resultados de acordo com a totalização dos boletins, isto é, mediante preenchimento de 72 campos, usando-se as informações oficiais colhidas no interior, que eram repassadas por telefone mais rápido.

Isso colocava Moreira na frente, embora com totalização mínima dos votos. Aconteceu, então, que a rádio JB, associada ao jornal, compreendeu que o interesse do povo eram os cabeças de chapa, isto é, governador e senador, abandonando a apuração dos candidatos proporcionais. Com isso, apurou os votos majoritários no Rio, segundo os boletins oficiais, enquanto a Globo se arrastava atrás, fazendo a totalização completa.

Foi o descompasso da apuração entre rádio JB, acelerada, e Globo, retardada, que levantou a suspeita de Brizola. Obviamente que ele não tinha conhecimento detalhado da apuração, de forma que embarcou na tese de César Maia para denunciar a tentativa de roubo eleitoral. Seus demais assessores e militantes acompanharam a onda alimentada por artifícios “técnicos” de Maia. Inventaram até um fator delta, que seria o instrumento do roubo.

Brizola ganhou, provavelmente sem saber que ganharia de qualquer maneira, independentemente das fake news de César Maia. Mas este último, por conta de suas “denúncias”, ganhou grande status como um dos principais da assessoria econômica dele. Anos depois inventaria a expressão “factóide” para designar, em seu favor, o que seria hoje fake news. Assim, fator delta e Proconsult foram suas primeiras fake news. O filho é o segundo.

Jose Carlos de Assis

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