A Elite do Atraso - Jessé Souza - II

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"Mais abaixo ainda, dá-se a constituição histórica daquilo que chamo de “ralé brasileira”: composta pelos negros recém-libertos e por mulatos e mestiços de toda ordem para quem a nova condição era apenas uma nova forma de degradação. A submersão na lavoura de subsistência ou a formação das favelas nas grandes cidades passam a ser o destino reservado pelo seu abandono. Temos aqui a constituição de uma configuração de classes que marcaria a modernização seletiva e desigual brasileira a partir de então.

Para o negro, sem a oportunidade de competir com chances reais na nova ordem, restavam os interstícios do sistema social: a escória proletária, o ócio dissimulado ou a criminalidade fortuita ou permanente como forma de preservar a dignidade de “homem livre”. Ao perderem a posição de principal agente do trabalho, os negros perderam também qualquer possibilidade de classificação social. A ação concomitante da extinção das estratégias de acomodação do passado, que propiciaram a negros e mulatos ocupações compensadoras e até nobilitantes, mostra o grau dramático para esse setor da nova configuração de vida econômica.

O negro torna-se vítima da violência mais covarde. Tendo sido animalizado como “tração muscular” em serviços pesados e estigmatizado como trabalhador manual desqualificado – que mesmo os brancos pobres evitavam –, é exigido dele agora que se torne trabalhador orgulhoso de seu trabalho. O mesmo trabalho que pouco antes era o símbolo de sua desumanidade e condição inferior. Ele foi jogado em competição feroz com o italiano, para quem o trabalho sempre havia sido motivo principal de orgulho e de autoestima. Belo início da sociedade “competitiva” entre nós."

Jessé Souza - A Elite do Atraso 

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