Por Florestan Fernandes Júnior
Neste dia 31 de março não temos nada para comemorar. Só temos a lamentar as atrocidades cometidas por uma ditadura que foi cinicamente justificada para "impedir" outra ditadura que viria de um governo democrático.
É terrível que alguns oficiais do Exército, incentivados pelo capitão-presidente, comemorem a data do início de um regime que se impôs pela força, censurando, reprimindo e prendendo opositores. Nos anos 60/70, em plena guerra fria, os EUA através da CIA articularam e financiaram golpes em cadeia contra as democracias na América Latina. Nos transformamos, naquele período, no maior agrupamento de países sob regimes militares do planeta.
Portanto, é uma falácia dizer que o golpe militar veio para salvaguardar os direitos e as liberdades democráticas dos pobres cidadãos. Na realidade, os golpes orquestrados de dentro da Casa Branca em Washington serviram para garantir a subserviência do Brasil e de outros países da região aos interesses políticos e econômicos do capital americano.
Para os desinformados, o "milagre" brasileiro dos anos 70 nada mais foi do que a entrada de bilhões de dólares em empréstimos numa dívida monstruosa que nos colocou no triste papel de país devedor, leia-se, inadimplente. Por conta da dívida, perdemos nossa soberania tendo que recorrer constantemente a novos empréstimos para pagar os juros da dívida. Durante anos nos submetemos às regras impostas pelo FMI. Só na primeira metade da década de 2000 conseguimos pagar a dívida externa e criar reservas internacionais invejáveis. Reservas estas que ainda temos hoje.
É bom lembrar também que os militares devolveram o poder no Brasil em 1985 com uma economia em frangalhos. Saques em supermercados, corrupção desenfreada, pobreza, inflação de dois dígitos, crime organizado comandando as favelas e muito desemprego. Outra herança que os generais nos deixaram foi seus líderes políticos no Congresso Nacional: Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor, Agripino Maia e tantos outros.
Infelizmente o país não passou a limpo este período de arbitrariedades como ocorreu no Chile, Uruguai e Argentina. Como na Alemanha pós-nazismo, que julgou os militares da SS, os tribunais civis dos países do Cone Sul julgaram e prenderam os responsáveis pelos crimes cometidos durante as ditaduras. Mas isso não ocorreu no Brasil.
Em uma nova roupagem, o fascismo reaparece em vários cantos do planeta. No Brasil, as estruturas e os dinamismos da nossa democracia pluralista garantiram o espaço necessário para esse ressurgimento. O novo golpe foi tramado nos mínimos detalhes dentro e fora do país a partir de 2014. Mas vai ser realizado de fato entre 2016/18 com o impeachment ilegal de Dilma e com a prisão do ex-presidente Lula, numa condenação sem provas materiais.
Como em 1964, quando teve um papel fundamental na preparação do golpe militar, a imprensa conservadora alertava, no início de 2014, que Dilma seria afastada antes do fim de seu segundo mandato. Em seguida, o presidente Michel Temer também cumpre seu papel na trama. Dá início à privatização do pré-sal, da Embraer e de outras empresas públicas sedimentando o caminho para o retorno dos neoliberais. Só assim, a burguesia hegemônica, utilizando-se do poder político do Estado, conseguiu estancar e impedir os avanços sociais implementados pelos progressistas no país. Em 2018 a porteira estava aberta para a eleição do capitão-presidente tuiteiro que chega ao poder nos braços do generalato. Ainda não somos uma ditadura. Estamos bem perto dela. Por enquanto, podemos ser chamados de "República Militar do Brasil" sob a influência do comando central do Norte.
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