sexta-feira, 9 de agosto de 2019

SOS: Chamada Internacional de Socorro para o Brasil, por Cintya Floriani Hartmann

Portugal e Brasil sabem que a Independência se declara, mas a ditadura se instala


Jair Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

do Público 


por Cintya Floriani Hartmann*

Um semestre de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil fez voltar o pesadelo com o fantasma da ditadura. A cada dia os brasileiros são atropelados por uma avalanche de decisões de um Presidente visivelmente desequilibrado, que se comunica pelas redes sociais para anunciar mudanças drásticas que está a realizar de forma veloz sem possibilidade de diálogo e reação das instituições democráticas. Não é raro ouvir brasileiros que sentem tristeza e medo. O deterioro das relações interpessoais (iniciado na violenta campanha eleitoral) está a piorar a situação de desconsolo generalizado.

É o inicio do seu governo, mas o Presidente não deixou de enaltecer a violência e a ditadura militar; ameaçar jornalistas; defender o trabalho infantil, o uso de recursos públicos para fins pessoais, o nepotismo, o recorte nos direitos trabalhistas e humanos e a compra de votos de deputados para aprovação de projetos de lei; anunciou a privatização do ensino universitário, o fim do acesso à universidade para negros e pobres e ameaçou professores que se posicionem politicamente; celebrou o exilio de políticos e pensadores; indicou a volta da censura; iniciou o controle de reuniões e prisões de lideres dos movimentos sociais; atacou projetos de educação sexual e de defesa das mulheres e dos homossexuais; apoiou o avanço da exploração agropecuária da Amazônia, a invasão de terras indígenas e liberou mais de 260 agrotóxicos para produção agrícola; defendeu o porte de armas; dissolveu todos os conselhos da sociedade civil para políticas publicas nas áreas de Saúde e Educação; demitiu especialistas e técnicos do Governo nas áreas da Ciência, Educação e Meio Ambiente que questionaram sua atuação.

Os atropelamentos ruidosos com capítulos diários do desmanche do país vêm acompanhados de silêncios ensurdecedores.

São silenciadas as investigações que apontam envolvimento da família Bolsonaro com o crime organizado para o trafico de influências, drogas e armas no Rio de Janeiro, onde há 30 anos Jair atua sem nunca ter alcançado uma projeção nacional positiva até converter-se em Presidente em 2019. Silêncios sobre fatos que favoreceram a família Bolsonaro como o suposto atentado durante a campanha eleitoral, o apoio do juiz Sergio Moro na execução de processos de forma irregular e o assassinato da vereadora Marielle Franco.

O pesadelo que se vive entre os absurdos e os silêncios tem como resultado a apatia da população e a omissão do Estado de direito.

A oposição encontra-se esfacelada pela avalanche das eleições e não conseguiu organizar-se para articulação unificada. A imprensa está a juntar cacos da sua credibilidade. Vítima e cúmplice do pacto para uma virada de poder no Brasil, a imprensa fez da desinformação a sua matéria prima, sem reportagem investigativa e, ao acordar tarde, pode ficar na história como um dos poderes que abriu as portas para a ditadura além do judiciário e do legislativo.

Segue ativa a estratégia de comunicação utilizada para a eleição de Bolsonaro, a mesma de Donald Trump: fabricação de notícias espalhadas pelas redes sociais a públicos específicos que se transformam em multiplicadores do discurso “em nome de Deus, combater a esquerda e todo o mal contra a tradição familiar e a propriedade”. A cegueira é provocada pelo excesso de desinformação entre fatos.

A manipulação da comunicação com o discurso do medo e do ódio estão a justificar os atos privados, institucionais e inconstitucionais, além de provocar uma polarização sem precedentes no país. Uma cisão social que enfraquece as relações interpessoais e políticas e cria uma cidadania voluntariamente aprisionada.

O governo de Bolsonaro é militar. Os civis que aceitaram cargos não possuem experiência política e profissional relevantes ou reconhecimento técnico nas suas áreas de atuação. Obedecem a ordens sem justifica-las tecnicamente.

Há suspeita (difícil de comprovar) de que o país está sob o comando de uma estratégia internacional ao serviço de interesses da geopolítica no continente americano desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Neste contexto, o desequilíbrio do Presidente brasileiro não deve ser subestimado por assumir o papel de espantalho para quem governa de fato. O espantalho e a apatia permitem que se devore aos poucos os direitos universais e as liberdades individuais.

Portugal e Brasil sabem que uma ditadura não se declara, ela se instala. Como uma rede de esgoto planejada há anos, a corroer os movimentos sociais, os poderes legislativos, executivos, judiciário, a imprensa e as relações humanas, a ditadura esta em processo de instalação no Brasil.

Com o clima de asfixia, muitos brasileiros têm se autoexilado. Milhares deles em Portugal. A nova onda migratória de brasileiros ao país tem ganhado perfil de resistência política. Coletivos como o Andorinha (fundado por estudantes universitários) e o Fibra (Frente Internacional de Brasileiros – contra o golpe e pela Democracia), e um grupo de produtores de notícias independentes (Midia Ninja), dão indícios de que Portugal será um centro de resistência para que o “SOS Brasil” seja ouvido enquanto é tempo. Porque o pior pode estar por vir.

A soberania brasileira está em risco e Portugal sabe que a independência é uma conquista impossível quando solitária.

Pela herança histórica que une Brasil e Portugal e as cicatrizes que deixaram em ambos países a desigualdade social e a ditadura, este é um pedido de socorro, um SOS emitido desta costa da Europa contra o colapso.

Porque o colapso brasileiro é um colapso civilizatório. Todas as gentes e suas culturas ali miscigenadas são um laboratório para o êxito ou o fracasso global.

O Brasil está mais triste e medroso e somos todos responsáveis pela asfixia de um país capaz de renovar o ar do mundo inteiro. SOS: Save Our Souls.

*Jornalista, gerente de projectos e doutoranda na Universidade de Lisboa

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