terça-feira, 29 de outubro de 2019

Como incubar a fúria

          POR FERNANDO BRITO
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O Brasil é um país que ficou estranho, muito estranho.

As coisas parecem que não importam, ainda que sejam – ou sejam apresentadas – como urgentes, emergenciais.

A reforma da Previdência, que tinha de atropelar tudo, não podia sofrer emendas que atrasassem um dia sua tramitação, tão vital era para o país, depois de esperar a canonização da Irmã Dulce para ser aprovada, agora espera que as autoridades tenham vaga em sua agenda para a festa lúgubre de sua promulgação…daqui a uns quinze ou vinte dias, talvez..

O óleo nas praias, manchando há quase dois meses, agora está chegando ao santuário ecológico de Abrolhos – como já chegou aos Lençóis Maranhenses – dependendo de que pescadores, com suas redes, o “pesquem” para evitar maiores danos ambientais. Nem a providência básica de cercar as bocas da barra dos rios, portão de entrada dos manguezais, nossas Forças Armadas dão conta, embora ouçam calmamente de que tudo se trata de um malvado atentado contra o Brasil.

Não é demais lembrar que, constitucionalmente, as praias são bens da União (Art.20, IV) e que cabe a ela “combater a poluição em qualquer de suas formas” (Art. 23, VI). Mas Bolsonaro está passando a tarde com o príncipe saudita (aquele do esquartejamento do jornalista) e seu vice, o general Mourão, está colhendo as opiniões das prostitutas sobre o confronto de belezas entre peruanas e venezuelanas. Edificante…

Também o Judiciário entra neste clima do “é urgente, mas não sei para quando” e adia para daqui a dez dias o julgamento que arrasta-se há dois anos sobre a prisão sem condenação transitada em julgado. O resultado está aí, rindo como hiena do Supremo, tal como se disse aqui tão logo o ministro Dias Tóffoli anunciou a protelação do julgamento da questão.

Igual, na economia, Paulo Guedes pede “mais um ano ou dois” para as coisas melhorarem.

Tudo junto, a imensa estrutura mambembe que é o Brasil range e estala, enquanto em torno de nós a crise explode e, para preveni-la, o governo diz apenas que mandou os militares se prepararem para casos de convulsão social.

Ninguém diga, portanto, que foi surpreendido.

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