segunda-feira, 8 de junho de 2020

Só há um caminho: derrubar todos

(Foto: ABr)

Por Luis Costa Pinto
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“Cuidado com o que você pede a Deus, menino. Há um sério risco de ele atendê-lo e você se enrolar com os seus desejos”. A primeira vez que ouvi essa frase foi em 1981, quando João Figueiredo, o último dos generais-ditadores brasileiros, enfartou e teve de ser operado em Houston (EUA). Ao ser perguntado sobre o que mais desejava para o futuro imediato, não pestanejei e respondi: “a morte de Figueiredo”.

Fechadas as urnas do segundo turno de 2018 e contabilizados os votos, ainda assistindo pela TV à celebração insana da boçalidade que vencera com os votos de 39% dos eleitores aptos a eleger um presidente naquela data (e o auxílio luxuoso e complacente de quem se abstive de votar, ou votou em branco), desejei a quente: “que o mundo descubra logo a incompetência, a inaptidão e o vezo autoritário desse pilantra”. Conheci Jair Bolsonaro em 1991, por razões profissionais, na Câmara dos Deputados. Desde sempre o desprezei. Fiz o possível para alertar a todos os potenciais e pretensos eleitores dele dos riscos que a assunção à Presidência de um ser grotesco como ele representaria para o Brasil e para o futuro. Lembrar os que ignoraram os sinais de alerta, muitas vezes com ignorância e sempre alegando toscamente que “qualquer coisa” seria melhor que nova vitória do PT, renovava e intensificava meu desejo: “que o mundo – e, em especial, os eleitores deles, e, dentre estes, especialmente os metidos a isentos – descubram logo a incompetência, a inaptidão e o vezo autoritário do pilantra”.

Quando desejei a morte imediata de Figueiredo estava na 7ª série do ginasial, como chamávamos antigamente o Ensino Fundamental, e participava de uma reunião da Pastoral de Juventude Estudantil com o padre Hilário Dick. Personagem singular, Padre Hilário, um ser iluminado e crucial na formação política de gerações, aconselhou-me prudência na relação com o divino. Não estava em questão a eliminação de Figueiredo da vida nacional. Sobre tal ponto havia consenso. O conselho de Hilário – “prudência e planejamento, sempre” – tratava de estratégia de ocupação dos vácuos de poder, e também de gestão imediata em torno do cenário que se abriria.

A espiral de desmandos, de retrocessos, de atos insanos e de desmonte operada por Bolsonaro e sua equipe de ministros e assessores desqualificados opera como uma broca perfuratriz a cavar o solo brasileiro na direção das profundezas do inferno. O país está a ser tragado pelos abismos criados, consolidam-se os estigmas contra nós e cada dia completado pelo bolsonarismo no poder significa mais uma geração de aflições que teremos de passar. A Nação não aguenta. Nenhum de nós, obrigados a conservarmo-nos sãos e a lutar contra tudo isso, aguentamos. A providência divina operou com rapidez a projeção para o mundo de todas as perversidades, inaptidões e crueldades que aqui se cometem com chancela e carimbo oficiais.

Estudei com jesuítas, e Hilário era um deles. Um dos melhores, posso dizer. Ombreava nesse ranking com Padre Pedro Vicente Ferreira, Padre Fred Solano, Padre Xuárez (ou Xu). Naqueles tempos, recebíamos aulas de “táticas inacianas” que nos ajudariam ao longo da vida – em tudo. Não sei se Inácio de Loyola, o santo forjado nos exércitos cristãos das Grandes Cruzadas, criou mesmo o método “Ver, Julgar e Agir”. Mas, tínhamos aulas de “VJA” e de solução de problemas do cotidiano, da vida, do dia a dia nas aulas de religião, nos retiros festivos e, sobretudo, nos retiros para quem era da PJE – a pastoral que tentava reviver a força e relevância da Juventude Estudantil Católica. “A morte de Figueiredo”, ensinou-me Padre Hilário naquele longínquo 1981, “não porá fim à ditadura. Ao contrário, vai fazê-la recrudescer. Os militares, incompetentes, terão de sair do governo mortos de vergonha porque se revelaram incompetentes e corruptos para gerir o país”. Daquela forma, apontava uma trajetória, um caminho, pelo qual deveríamos seguir. E aconselhava: “enquanto isso, a oposição traça um projeto para o país”. Deu-se mais ou menos assim, porém o destino levou Tancredo Neves e entregou a transição a José Sarney. Aos trancos e barrancos a ditadura acabou, humilhada, exposta, envergonhada, e a milicada voltou à caserna.

A fronteira do descrédito internacional para com o Brasil já foi ultrapassada. Não se trata mais de encarar os demais países (ou os eleitores de Bolsonaro em 2018, que ajudaram a pô-lo aonde está por atos ou omissões) e tentar convencê-los de que a noite que se faz aqui é transitória, ou que vai passar depois de contabilizados os votos das próximas eleições. Não! Não sabemos se haverá 2022 porque talvez tenhamos sucumbido em 2020. Viramos uma Nação à deriva e sem governo. O último ato de pró-atividade boçal, a tentativa de anular a contagem de mortos e contaminados por Covid-19 e mexer na História de uma país doente, catalisou a repulsa generalizada ao grupo repugnante de áulicos, fardados ou não, que gravita em torno do ser mais desqualificado que já envergou a faixa presidencial. Sabia-se que daria errado. Vimos que a intensidade do erro foi brutalmente maior do que as previsões mais catastróficas feitas já em 2018. Julgamos ser impossível seguir tendo esperança em dias melhores caso se conserve este estado deplorável das coisas em Brasília. Como agir agora?

Eis o ponto em que nos encontramos, e desenhos de trajetória têm sido traçados em grande velocidade quando comparamos a última semana com os últimos meses. Há convergência nas oposições e, da direita à esquerda, compõe-se uma frente ampla não só pela resistência; mas pela virada de jogo. É certo que algumas lideranças do Partido dos Trabalhadores erram ao ignorarem os manifestos como #Juntos, Basta!, ou #Somos70%. Têm razão em pedir uma inflexão dos signatários mais conservadores no rumo da admissão da parte que lhes cabe na culpa pelo estágio em que o Brasil se encontra: afinal, se não houvesse o golpe jurídico/parlamentar/classista de 2016 do impeachment sem crime de responsabilidade, não haveria Bolsonaro em 2018 nem o vexame trágico e a perigosa crise humanitária de 2020. Entre todos, há consenso de que programas de inclusão social como o Bolsa Família e os mecanismos de proteção social e de acolhimento dos mais pobres criados ou potencializados nos governos do PT são o caminho de saída do país desse inferno em que Bolsonaro nos meteu. Também é consensual a ocupação dos espaços deixados na gestão emergencial da crise, por consórcios criados por governos estaduais (Consórcio do Nordeste), ou por instituições de Estado como o Congresso e o Judiciário, ou por empresas e corporações (como a união de veículos de comunicação a fim de se manter crível e atualizada a tabela de evolução do contágio e das mortes por coronavírus em todo o território nacional). As ruas do domingo 7 de junho revelaram a centelha da união pela derrubada do grupo fascista, racista e inepto que ocupa o Palácio do Planalto. 

Se já há um projeto e se há vontade agir; se começa a existir conexão entre os movimentos; se há mais convergências que divergências; é chegado então o momento de não mais temer o atendimento divino a nossos preitos como me aconselhava Padre Hilário Dick. É hora de agir para derrubar Bolsonaro e também seu vice, Hamilton Mourão. O general da reserva se revelou personagem menor e sem capacidade de inferir a dimensão de seu papel nesse momento. Mourão não pode ser consequência da queda de Bolsonaro, pois é aberração e erro tão grande quanto o titular do cargo. Levados de volta ao Palácio do Planalto por um defeito do regime democrático, os militares precisam ser ejetados de lá com as ferramentas da democracia. Ou se faz isso, ou não haverá esperança nem futuro. O Brasil é um iceberg contaminado, à deriva, derrete aceleradamente e de nós se desvia o mundo inteiro.

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