segunda-feira, 20 de julho de 2020

O silêncio geral em relação ao BTG e à licitação da Zona Azul

Entre os negócios do BTG Pactual está a rede de estacionamentos Estapar, que ganhou polêmica licitação da Zona Azul em São Paulo

       Por Patricia Faermann
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Foto: Divulgação/Secom/Santarém

Por Luis Nassif e Patricia Faermann

Peça 1 – os negócios do BTG Pactual com a Zona Azul

Entre os negócios nebulosos do BTG Pactual está a Allpark, dona da rede de estacionamentos Estapar, que é administrada pelo grupo de André Esteves, o maior acionista do BTG. No final do ano passado, a Estapar venceu uma licitação para a operar a concessão da Zona Azul em São Paulo por um período de 15 anos. O negócio na capital paulista que inclui 43.521 vagas, com a possibilidade de ampliação de mais 8.085, está sendo questionado judicialmente.

O pagamento da outorga, pela Estapar, foi de R$ 595 milhões iniciais, além de uma outorga mensal de R$ 4 milhões desde o início das atividades.

Desde 2002, a empresa já conquistou o domínio do negócio da Zona Azul em diversos municípios de São Paulo, além de Belo Horizonte (Minas) e Salvador (Bahia). Ganhando a licitação da capital paulista, o grupo Allpark comemorou o fato de ser “o único aplicativo” para a “gestão completa da Zona Azul da maior Metrópole do país”, em seu formulário de referência, documento destinado aos investidores do grupo econômico, obtido pelo GGN.

Peça 2 – os questionamentos judiciais

A ação civil pública, movida pelo Ministério Público de São Paulo, aponta uma sequência de irregularidades e ilegalidades no edital da concorrência em que a empresa saiu vencedora, no final do ano passado. Em fevereiro deste ano, o MP-SP solicitou, por meio de liminar, que a licitação fosse suspensa, o que não foi atendido pela Justiça de primeira instância.

Segundo a peça, “o edital para a concessão do serviço possui diversas irregularidades e ilegalidades que colocam em risco o patrimônio público e social”.

A peça, que tramita na 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, aponta que a cidade de São Paulo saiu prejudicada na concessão, pelo fato do edital não prever as chamadas receitas acessórias – receitas indiretas – com potencial muito maior do que a própria venda de cartões.

Além disso, mostra irregularidades como a centralização da operação em um único grupo econômico; violação da Lei de Responsabilidade Fiscal por antecipar receita em ano eleitoral; e o valor alto estipulado de pagamento da segunda parcela até o final deste ano, além da exigência de experiência prévia com estacionamentos, uma exigência que automaticamente excluiu outras empresas interessadas em participar da licitação, beneficiando assim a Allpark.

Em fevereiro, ao negar o pedido de suspensão da licitação, a 5ª Vara da Fazenda Pública decidiu pela manutenção do contrato, defendendo a suposta inexistência de provas que justifiquem a suspensão. E, apesar de a ação ainda estar tramitando, no dia 7 de março, o resultado da concorrência foi homologado pelo Tribunal de Contas do Município, mesmo o edital não atendendo às questões centrais formuladas pela área técnica do Tribunal. A mudança de voto do presidente do TCM, João Antônio, foi decisiva para a liberação da licitação.

Além dessa, há uma ação civil pública e uma ação popular ainda em tramitação, nas quais a Estapar figura como ré, e mais duas ações populares, dois mandados de segurança e outros procedimentos judiciais de questionamento à licitação.

Na Justiça, a empresa nega irregularidades e afirma que “apresentou a melhor proposta comercial e foi declarada vencedora” e caracteriza como “remota” a possibilidade de perder esta ação. Ainda, ao analisar o caso específico no relatório destinado aos investidores, a Estapar afirma que “não há comprovação de dolo para a prática do ato impugnado”, ou seja, não há provas dos ilícitos.

Reprodução do Formulário de Referência Julho/2020

A estratégia da Prefeitura com a Estapar, obedeceu ao seguinte roteiro:

1. Definiu um alto valor de outorga. Por aí, se poderia concluir que a Prefeitura defendeu o interesse público, devido ao alto valor obtido.

2. Escondeu as receitas acessórias, o conjunto de receitas adicionais decorrentes da exploração da outorga e não previstas na licitação.

Vamos por partes.

Peça 3 – o valor da outorga

Em geral, os valores mínimos, previstos nas licitações, deve guardam proporcionalidade com os investimentos previstos. Nessa licitação, os investimentos previstos são de apenas R$ 43 milhões. O valor de outorga exigido na frente é de R$ 595 milhões, com ampla indefinição sobre os prazos de pagamento. Podia ser em 12 meses, em menos de 12 ou à vista. Obviamente, é beneficiado o competidor que dispuser desse capital.

A licitação é para um serviço de vendas de cartões digitais de Zona Azul (CAD). Incompreensivelmente, nas especificações técnicas, incluiu-se a exigência de histórico de vendas de CAD (Cartões Digitais) e também de controle veicular – isto é, trabalho de estacionamento, que nada tem a ver com venda de cartões de Zona Azul.
Exigiu-se um capital subscrito e integralizado igual ou superior a R$ 25.823.889,00. Não tinha lógica. O capital deve ser proporcional aos investimentos futuros exigidos. Nessa licitação, o investimento é mínimo, de R$ 43 milhões ao longo de 15 anos. E o peso maior, o pagamento pela concessão, é feito no início. O valor serviu apenas para criar barreiras à competição.

Obviamente, beneficiou quem possui capital, estacionamento, não tem experiência prévia, tem garantia de reajuste imediato no valor da cartela e tem capital social superior a R$ 25,8 milhões.
Peça 4 – as receitas acessórias

Uma concessão pública deve obedecer a alguns princípios gerais:

1. Deve prever todas as receitas possíveis da concessão, não apenas aquelas diretamente relacionadas com a licitação (no caso, venda de CADs), como outras decorrentes da exploração do negócio.

2. A Zona Azul gera dois tipos de ganhos. O primeiro, a venda de bilhetes de estacionamento – previstos na concessão. O segundo, a possibilidade de exploração de uma clientela cativa de 3,5 milhões de usuários, com aplicativos instalados.

Essa base de dados vale ouro. Permitirá, por exemplo, explorar hábitos de consumo dos usuários e mapear sua localização em cada estacionamento, assim como as lojas das imediações.

O Banco Inter, de Belo Horizonte, é um banco digital. Estreou na bolsa há um ano e meio e já tem valor de mercado estimado em R$ 16 bilhões. Em agosto passado, o Softbank, do Japão, adquiriu 8,1% das ações do Banco Inter, pela quantia de R$ 790 milhões. Têm 3,3 milhões de correntistas.

Hoje em dia, o banco digital do BTG tem um número inexpressivo de clientes. Com o controle do Zona Azul, terá uma cliente potencial de 3 milhões de usuários absolutamente fiéis – porque sem alternativa para adquirir CADs. Mais ainda. Saberá as regiões frequentados pelos veículos, as lojas no entorno. Essa base de dados tem um valor potencial imensamente superior ao do próprio contrato da Zona Azul.

Pelos estudos da Globapppark, uma concorrente que tentou suspender a licitação, “na hipótese mais conservadora, (as receitas acessórias) estão estimadas em R$ 3.085.791.000,00/ano, mais que o dobro, portanto, do que a soma das outorgas oferecidas no referido certame, objeto de apreciação da admissibilidade de contratação, não considerando as receitas auferidas no próprio negócio.

Essa receita potencial não foi considerada na licitação, para definição do preço mínimo.

Peça 5 – o IPO da Estapar

Assim que foi definida a licitação, a Estapar fez um IPO (venda de ações) visando captar R$ 345,3 milhões no mercado. A estreia ocorreu no dia 15 de maio de 2020



Segundo informações de mercado, André Esteves, controlador do BTG Pactual, comprou a participação de quase todos seus sócios na Estapar, devido aos problemas enfrentados com o advento da Covid-19.

O GGN entrou em contato com a Allpark/Estapar, solicitando o plano de negócios apresentado na licitação pública e um posicionamento da empresa sobre as ações judiciais que enfrenta relacionadas a este edital da Zona Azul na capital paulista. Em resposta, a empresa afirmou que “não irá se posicionar sobre o tema”.

PS – Mesmo com toda polêmica gerada no âmbito do Tribunal de Contas do Município, nos indícios claros de direcionamento da licitação, das possíveis perdas da Prefeitura com o negócio, o BTG Pactual continua imune, com uma cortina de silêncio da mídia em torno de suas operações.

O Jornal GGN permanece fiel ao seu compromisso de defesa do interesse comum, apesar de ameaçado por ações judiciais penais e criminais do BTG Pactual, banco presidido pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim.

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