Não dá mais para governos autocráticos, definindo políticas de cima para baixo e entregando paternalmente aos beneficiários
Por Luis Nassif
Ontem, o PT lançou seu programa de governo, o Reconstrução. É um início de conversa, não uma proposta fechada se, de fato, o partido pretende negociar parcerias em torno da frente anti-Bolsonaro.
Ainda não li a íntegra do trabalho. Nos capítulos iniciais, há mudanças em relação às prioridades especialmente do governo Dilma Rouseff.
O desenvolvimento sustentado e o respeito ao meio ambiente passam a ocupar o primeiro plano do projeto, ao lado de bandeiras visando colocar o bem estar do cidadão como centro das políticas públicas, a universalização da saúde e da educação e a melhoria da renda. Enfim, a retomada dos componentes do incipiente estado do bem estar social, destruído no período Temer-Bolsonaro.
Outra bandeira deixada para segundo plano nos períodos petistas – e recuperada pelo projeto atual – é da melhoria dos serviços públicos. Em seu governo, Dilma chegou a anunciar um plano nessa direção, mas sem continuidade.
A reforma administrativa proposta pelo PT não visa abrir espaço para negócios privados, mas uma reforma não contracionista, com ênfase na digitalização e na transparência, como pressupostos para um estado eficiente.
Repito, ainda não li a íntegra do documento. Mas há alguns aprendizados que não podem ser esquecidos.
O primeiro, é a mudança de enfoque nas políticas públicas, visando consolidar as indústrias de bem estar.
Explico.
O padrão tradicional de políticas públicas – presente no Minha Casa, Minha Vida, nos estímulos à indústria automobilística e no PAC – consistia em estimular um determinado setor, sem se preocupar com externalidades negativas desse apoio.
Ao estimular a indústria automobilística, por exemplo, Dilma comprometeu profundamente a mobilidade urbana nas regiões metropolitanas. Ao restringir o Minha Casa Minha Vida a estímulos fiscais e financiamento, espalhou habitações por locais distantes das regiões de trabalho e estimulou a especulação urbana.
O modelo correto foi o desenvolvimento na área de saúde elaborado pela Fiocruz e batizado de Programa de Desenvolvimento Produtivo.
Consiste em olhar a saúde sob o ponto de vista do bem estar do público e ancorá-lo no poder de compra do governo.
A partir daí, no campo dos medicamentos, barganhar a transferência tecnológica. Ao mesmo tempo, estimular outros pontos da cadeia da saúde, como os atendimentos em casa.
Esse mesmo modelo deveria vigorar na questão do transporte. O ponto central não é o estímulo ao setor A ou B, mas a mobilidade urbana sustentável. A partir daí, definem-se as metas para cada setor, fabricação de ônibus, metrô, autoveículos etc.
Em relação a programas habitacionais, do mesmo modo, há que se analisar sistematicamente a questão, definindo regras claras para a localização dos imóveis, para a adequação à legislação municipal, visando combater os movimentos especulativos daí decorrentes.
Do mesmo modo, políticas industriais têm que ser montadas levando em conta as externalidades positivas. Desenvolve-se um país atuando sobre todos os elos da economia, das pequenas e micro empresas aos grandes conglomerados. E a definição de prioridades deve levar em conta os elos mais frágeis da cadeia produtiva, em vez da bobagem dos grandes campeões nacionais esmagando seus fornecedores, como ocorreu com a cadeia da carne.
Todos esses objetivos são atendidos com a radicalização da democracia. E, por tal, entenda-se abrir a montagem das políticas à sociedade civil, movimentos, sindicatos, associações empresariais, mercado. Não dá mais para governos autocráticos, definindo políticas de cima para baixo e entregando paternalmente aos beneficiários.
Quando vêm o golpe, nenhuma das políticas, mesmo as melhores, são assimiladas pela opinião pública. Morrem sem despertar paixão.
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