Analisa-se o processo legislativo orçamentário e os limites de cortes às emendas individuais ao orçamento. Contraria-se a tese de que o interesse político determinou a preservação dessas emendas ao corte orçamentário realizado pelo governo.
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Foi noticiado em diversos meios de comunicação que o corte no orçamento da União em 2016 alcança a cifra de R$ 21,2 bilhões e atinge planejamento de pastas ministeriais fundamentais, como defesa, saúde e educação. Neste último ministério, por exemplo, o contingenciamento foi na ordem de R$ 4,277 bilhões, correspondendo a 12% do montante da reprogramação orçamentária e financeira federal.
A despeito da anunciada e evidenciada necessidade de cortes ao orçamento, as emendas individuais a que parlamentares têm direito foram poupadas em sua totalidade. A interpretação corrente dada a esse fato é a de que, diante do cenário conturbado em que necessita de apoio contra o processo de impeachment, o Palácio do Planalto tomou o caminho de não melindrar os parlamentares, buscando com isso tornar mais fácil o caminho da busca de apoio contra a queda do governo. Todavia, revela-se importante indagar se essa impressão se mostra verdadeira – a liberação de emendas parlamentares é de fato moeda de troca? – ou se a sistemática do processo legislativo orçamentário afasta essa lógica que o senso comum aponta.
As emendas parlamentares ao orçamento são previstas no artigo 166 da Constituição Federal, e na fase de discussão do Projeto da Lei Orçamentária Anual são a oportunidade que se abre aos parlamentares para conseguirem destinar recursos às suas bases eleitorais. A alocação dessas emendas orçamentárias individuais, a despeito de distorções políticas em sua distribuição, promove benefícios distributivos nas comunidades para as quais são destinadas, tendo impacto positivo em diversos indicadores sociais (RENNÓ JUNIOR; PEREIRA FILHO, p. 45). Tal conclusão começa por deixar menos intensas a cores da crítica que se faz a esse tipo de ação parlamentar.
Certo, porém, é que entre a previsão orçamentária e a efetiva aplicação dos recursos da emenda vai um longo caminho que passa pela chamada “programação financeira”, ou seja, a fixação, por parte do Executivo, dos valores necessários à execução daquela despesa prevista. A finalidade da programação financeira é a busca do equilíbrio entre receitas e despesas, ou, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas. O corte de R$ 21 bilhões feito pelo Executivo significa uma alteração na programação financeira, e, por evidente, poderia regularmente ter alcançado as despesas previstas nas emendas individuais dos parlamentares. Mas essa reprogramação poderia atingir as emendas em sua totalidade tendo por parâmetro do corte pura e simplesmente o viés político? Ou há limites procedimentais na sistemática do processo legislativo orçamentário que condicionam o contingenciamento feito pelo Executivo?
Em linhas gerais, o parágrafo 11 do artigo 166 da Constituição Federal prevê que é obrigatória a execução orçamentária e financeira das emendas individuais no montante de 1,2% da Receita Corrente Líquida prevista do Projeto de Lei Orçamentária Anual. Essa seria uma primeira baliza condicionante a que o Poder Executivo teria de respeitar quando pretendesse algum corte no orçamento que alcançasse as emendas individuais dos parlamentares.
É bem verdade que o citado artigo da Constituição prevê a possibilidade de que se alegue um fundamento técnico para o contingenciamento dessas emendas individuais classificadas como obrigatórias. O § 12º do mesmo artigo 166 estabelece que, em caso de impedimento de ordem técnica, essa obrigatoriedade de execução não teria lugar. Aqui, a despeito da previsão de impedimento de ordem técnica indicar uma avaliação objetiva, não se pode deixar de perceber algum espaço para ingerências políticas. Tal ingerência política, entretanto, seria bastante mitigada pela exigência contida no § 14 de que o Executivo teria de explicitar ao Congresso Nacional as razões que levaram ao contingenciamento, ou seja, o desvirtuamento do critério técnico exigido poderia ser evidenciado pelo juízo das contas exercido pelo Parlamento.
De igual modo, é bem verdade que o viés político poderia influenciar na decisão de contingenciar as despesas previstas em emendas individuais quando se percebe que o § 17 do mesmo artigo 166 permite a redução do percentual dito obrigatório se sua aplicação resultar no descumprimento da meta fiscal. Essa previsão torna o que seria obrigatório em algo com forte traço discricionário. Mas, no caso em análise aqui – da suposição de que o resguardo das emendas individuais ao corte de 21 bilhões ao orçamento desse ano se deu a manobras políticas do governo –, é de se ver que o próprio teto da meta fiscal está em discussão, e, a rigor, o corte baseado nessa limitação técnica poderia servir de manobra contra aqueles que apoiam o impeachment. Mas, contrariamente a isso, todas as emendas – dos opositores e dos favoráveis ao governo – foram preservadas, indicando que outros fatores parecem ter influenciado, e não o alegado jogo político contra o impeachment.
A previsão do § 18 do artigo 166 impacta essa eventual seletividade que atendesse os interesses do governo e o viés político que determinasse corte nas despesas oriundas de emendas individuais. É que a execução das emendas apresentadas deve ser feita de forma equitativa, atendendo de forma igualitária e impessoal as proposições feitas. Por esse dispositivo seria questionável, por exemplo, um corte de emendas individuais apenas de parlamentares opositores ao governo.
Outra baliza que restringiria um desmedido viés político no contingenciamento de emendas individuais está na própria Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016. O artigo 67 da LDO ressalva da limitação de empenho e pagamento as despesas oriundas de emendas que tenham relação com o PAC ou com ações e serviços de saúde, conforme detalhamento já divulgado pelo Executivo. Essa divulgação prévia, portanto, seria fator extra que tornaria mais dificultosa ingerência política nos cortes.
Sem prejuízo de outras análises que melhor expliquem a influência política na decisão do governo de preservar cortes as emendas individuais dos parlamentares, o que deve ser percebido é que existem fatores contidos na própria sistemática de elaboração e execução do orçamento federal que limitam a ingerência política. Nesse caso, portanto, a afirmação pura e simples de que uma negociação por votos contrários ao impeachment teria sido a motivação para a preservação das emendas individuais mostra-se simplista e pouco fundamentada, e ignora que, apesar de haver alguma dissipação dos recursos oriundos dessas emendas, elas conseguem promover inclusão social nas localidades para as quais são destinadas.
REFERÊNCIAS CITADAS:
RENNÓ JUNIOR, Lucio Remuzat; PEREIRA FILHO, Carlos Eduardo Ferreira. Gastos Públicos, Emendas Orçamentárias do Legislativo e Inclusão Dissipativa nos Municípios Brasileiros: 1998 a 2010. Disponível em: www.camara.gov.br/internet/agencia/pdf/EmendasOr%C3%A7amentoEfeitoPositivo.pdf
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