Urna eletrônica. José Cruz/Arquivo/Agência Brasil
Uff, a eleição acabou! Hora de esquecer a enxurrada de fantasias despejadas na propaganda eleitoral. Esquecer? Mas como, se as fantasias criadas e distribuídas a mancheias pelos bolsonaristas para justificar as atrocidades verbais de seu líder e dos integrantes da sua famiglia continuam a mil por hora, com ou sem eleição? Chegam a ser comoventes os malabarismos verbais dos defensores de Bolsonaro, desde os parlamentares aos que votaram nele e agora precisam justificar o voto, custe o que custar. Passando pelos ativistas das redes sociais e pelos que diariamente entopem os celulares com fake news. E, é claro, os jornalistas bolsonaristas, que diariamente se sujeitam ao ridículo de realizar perigosos rodopios de retórica na tentativa de ganhar o crédito de alguém.
Uma das fórmulas mais utilizadas continua a ser a comparação entre governos petistas e o de Bolsonaro. Parece que a ficha deles ainda não caiu. Os resultados dessa eleição apontaram o crescimento do centro ideológico com redução dos extremos. A vantagem que Bolsonaro teria explorando a polarização com o PT, que o elegeu em 2018, foi pro brejo. Mas a retórica bolsonarista não muda. O número de empregos da era Bolsonaro seria maior do que a do governo Dilma, bradam eles. Que bom! Embora nada indique que esse número tenha a ver com o desempenho de sua equipe econômica, que atua de forma errática e diariamente emite sinais trocados para os mercados interno e externo. O último desastre foi o ataque desgovernado do filho do capitão contra a China, com apoio do chanceler Ernesto Araújo. Ataque que mereceu, pela mesma rede social, uma resposta dura da embaixada chinesa. Ah, mas eles deviam ter usado os canais diplomáticos para a resposta! Sim, mas então porque os bolsonaros usaram o Twitter e não o Itamaraty para o ataque? E por que não respondem aos chineses no mérito, e não apenas criticando a forma como a resposta chinesa foi divulgada? A razão é simples: desde que seja útil, bolsonaristas se utilizam do caos econômico das famílias e das empresas para justificar o afrouxamento das regras de isolamento. E provocam a audiência indagando se você conhece quem teve de fechar sua empresa, quem perdeu o emprego, quem sofreu redução salarial etc. Mas, se o indicador for positivo em qualquer área da economia, mesmo se causado por fatores externos ao governo, como é o caso do agronegócio, historicamente responsável pela maior fatia do PIB brasileiro, então é hora de tocar tambor e colocar o número favorável na conta do governo Bolsonaro. Como dizem os portugueses, ora, pois.
A terra é plana e a vacina é comunista
Da mesma forma, comparar o número de mortes pela covid-19 (“todo mundo vai morrer um dia, não é mesmo?”) com o de óbitos causados pela pneumonia é, no mínimo, rir na cara da gente. Pneumonia, tal como doenças cardiovasculares, câncer e outras afecções, não são contagiosas. Sempre mataram, sim. E vão continuar matando. Bem diferente de um terremoto causado por uma doença altamente contagiosa e de abrangência planetária, contra a qual correm os cientistas atrás de uma vacina. Vacina que vem sendo usada política e irresponsavelmente pelos bolsonaristas. Eles são rápidos para sacar algum especialista que caiba em seu figurino, a fim de justificar o injustificável. Há um médico chamado Bruno Campello que vem defendendo que o isolamento em casa é mais perigoso do que ir pra rua. Não se sabe de onde tirou essa idiotice. Em todo caso, se é para justificar uma imbecilidade de Bolsonaro, então salve ele! Já o infectologista Ricardo Zimerman afirma, beirando a irresponsabilidade, que o uso de máscaras devia ficar restrito a quem está espirrando ou tossindo. Dessa forma, ele é citado para justificar a ojeriza de Bolsonaro ao uso de máscara, que o capitão-infectologista de araque vem criticando desde o início da pandemia, como também desprezando as regras do distanciamento social. Nem por isso, ele e a primeira-dama Michele escaparam do vírus. Mas, se o capitão pegou a doença e se safou, então é porque “o homem é forte” e não se deixa abater por uma “gripezinha”, né não? Ainda em relação à pandemia, o que não faltam são “cientistas” contrários à vacinação obrigatória, num retrocesso que chega até 1904, quando Oswaldo Cruz sofreu o diabo para fazer com que a população se vacinasse contra a febre amarela. Nada a espantar, num país onde a teoria terraplanista, que vem sendo demolida há mais de 2 mil anos, consegue arrebanhar, a partir de um levantamento recente, mais de 11 milhões de apoiadores.
Na mesma linha, os bolsonaristas botam na conta da Rede Globo tudo o que de ruim já ocorreu, ocorre e pode ocorrer no país. Será que se a Rede Globo fechar, o Brasil toma jeito? Outro dia cruzei com um bolsonarista meu vizinho e perguntei pela máscara. A resposta veio pronta e acabada: “Que máscara? Isso é invenção da Globo!”
Eleição fraudada deve ser anulada. E o capitão deve voltar pra casa
Até bolsonaristas que saudaram as vantagens do voto eletrônico em relação ao anacrônico voto de papel da eleição americana estão agora reelaborando o discurso, só porque Bolsonaro – que foi eleito pelo voto eletrônico, lembre-se – agora o acusa de... fraudulento. Os bolsonaristas sacam na hora a existência dos hackers para justificar a necessidade do retorno ao voto de papel. Ora, nesse caso, por uma questão de coerência, se as eleições eletrônicas de 2018 podem ter sido fraudadas, então elas devem ser anuladas. E o capitão ser mandado de volta pra casa, é ou não é?
Uma das últimas argumentações bolsonaristas é de matar de rir. Recebi um texto anônimo elogiando o setor da agropecuária que, como citado acima, continua a dar bons resultados, o que não é novidade alguma. E estabelecendo uma comparação estapafúrdia, ao dizer que a música brasileira não é mais a Bossa Nova, e comemorando o crescimento... da música sertaneja! Como se uma se opusesse à outra. Ou como se orifício póstero-furicular tivesse alguma coisa a ver com a peça do vestuário exterior que vai da cintura até os pés cobrindo cada perna separadamente. O leitor me entende...
O capitão e seu vice negam a existência de racismo no Brasil. Nesse caso, os bravos articulistas bolsonaristas contorcionistas argumentam que se trata apenas de manifestação segregacionista que visa dividir o país e negar nossa tradicional “união racial”. Talkey. Mas, suponhamos que aquele homem negro sufocado até a morte no supermercado de Porto Alegre fosse branco. Será que as coisas teriam ocorrido da mesma forma? Qual é a última notícia de algo parecido com uma pessoa branca?
Em síntese: é preciso diariamente lutar para desmontar as farsas da argumentação que tenta justificar as perigosas idiotices do atual governo e de seus apoiadores. Caso contrário, como veio naquela postagem que saudou o crescimento da música sertaneja em relação à Bossa Nova, o sucessor de Bolsonaro será “um conservador da bancada ruralista, da evangélica ou da bala”. É pouco ou quer mais?
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